Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 36-38

2 de novembro – TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS

Por Izabel Patuzzo*

O horizonte da esperança

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia em memória dos fiéis defuntos nos convida a celebrar a esperança na ressurreição. Para os discípulos de Jesus Cristo, no final da caminhada neste mundo, não impera a morte definitiva, mas a esperança de nova etapa da existência humana, a comunhão eterna com Deus e com todos os santos e santas que nos precederam na morada eterna. Para a fé cristã, a vida neste mundo é apenas uma passagem, uma etapa de nossa vida, uma morada temporária.

As leituras deste dia nos dão a conhecer um Deus misericordioso, que se faz próximo do ser humano na dor e no sofrimento. A primeira leitura apresenta um diálogo de Jó com seus amigos, retratando a sabedoria superficial daqueles que não se apoiam na sabedoria divina para consolar quem sofre. O livro de Jó, que faz parte da literatura sapiencial, recorda-nos que o consolo que vem de Deus é redentor. A segunda leitura nos garante que nossa esperança no Deus da vida não é vã. No Evangelho, Jesus nos dá a certeza de que não quer perder nenhuma pessoa que o Pai lhe confiou. Jesus nos revela que sua missão é fazer a vontade do Pai: ser o mediador da salvação da humanidade inteira.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Jó 19,1.23-27a)

O livro de Jó faz parte da literatura sapiencial do Antigo Testamento. O texto da primeira leitura apresenta a resposta da personagem central do livro a Baldad. Jó representa aqueles que se deixam guiar pela sabedoria divina, enquanto Baldad, aqueles que se orientam pela sabedoria deste mundo, concebendo o sofrimento e as dores humanas como castigo de Deus. Jó tem plena consciência de sua integridade, por isso responde com a convicção de que Deus estará ao seu lado até o fim. Propõe-se até gravar suas palavras num monumento, no ferro e no chumbo, para que não se apaguem da história sua confiança e esperança em Deus. Assim, deseja que o testemunho de sua confiança em Deus, no fato de que Ele irá restaurar sua honra, seja preservado. Jó afirma sua inocência diante do sofrimento e reconhece que sua dor não é consequência do castigo divino, mas fruto da maldade do maligno.

Nesse texto, Jó proclama sua fé profunda em que o Deus da vida é seu protetor e ele verá a Deus. Referir-se a Deus como protetor (Goel) tinha um sentido particular na tradição judaica: o termo significava o Deus que faz justiça ao injustiçado. Intencionalmente, Jó atribui esse título ao Senhor, para expressar sua intervenção misericordiosa. E Deus restitui tudo o que foi retirado do justo que o teme. Portanto, Jó identifica o Senhor Deus como seu redentor cheio de misericórdia, que não abandona o ser humano nas situações de sofrimento. Ele cuida de todos os que sofrem, particularmente daqueles que o temem e sofrem violência e injustiça.

2. II leitura (Rm 5,5-11)

O texto desta segunda leitura faz parte de uma seção da carta aos cristãos de Roma, na qual o apóstolo Paulo fala à comunidade sobre a graça e a justiça de Deus, manifestadas na morte de cruz de Jesus Cristo, para recordar a comunidade de que não fomos salvos pela Lei, e sim pelo testemunho fiel de Jesus Cristo e pela misericórdia divina. O apóstolo ressalta que é pela fé que somos justificados e alcançamos a graça. Por isso, os sofrimentos deste mundo têm um sentido; não devem ser motivo de desespero, pois nos preparam para contemplar a glória de Deus. A consciência do amor de Deus pelo ser humano revelada em Jesus deve ser a fonte da caridade na vida do discípulo, pois Deus nos amou primeiro. Nisso consiste nossa esperança da vida eterna.

Essa exortação de Paulo, dirigida aos irmãos da comunidade de Roma, é um convite à perseverança na fé cristã, motivo de nossa esperança. Paulo recorda à comunidade que Jesus não nos escolhe porque somos santos, e sim porque nos ama com amor infinito, a ponto de se entregar na cruz. A gratuidade desse amor espera nossa correspondência, pois, se Ele nos ama mesmo quando somos pecadores, quanto mais não se faz próximo quando o(a) discípulo(a) abraça a fé. Por sua morte de cruz, Jesus Cristo resgatou a criatura humana da morte do pecado. Seu amor generoso é dom, é graça que nos impele a nos doarmos aos outros como Ele nos ensinou.

3. Evangelho (Jo 6,37-40)

O centro do ensinamento de Jesus nesses versículos consiste em revelar sua missão neste mundo, a qual é fazer a vontade do Pai. Ele foi enviado para conduzir cada pessoa a encontrar-se com ele e com o Pai. Jesus é o mediador da vida eterna, o caminho que conduz ao Pai. Portanto, sua missão é realizar tudo que o Pai lhe pediu. Consequentemente, o discipulado, o seguimento de Jesus Cristo, é o caminho da vida eterna. A vontade do Pai se manifesta no desígnio de vida e salvação oferecido a todos pela mediação de Cristo, para que ninguém se perca. Seu plano salvífico se realiza por meio de sua ilimitada misericórdia e gratuidade, por seu cuidado amoroso de acolher cada pessoa que o Filho lhe conduz. Segundo esse texto de João, o dom da fé em Jesus Cristo vai além deste mundo. Quem nele acredita, desde já, tem a vida eterna, pois ele é a ressurreição e a vida, o único que pode nos levar para além do limite instransponível da morte.

Jesus é o enviado do Pai a este mundo para ser fonte de vida em nós. Ele veio para promover tudo o que gera a vida. Como ele mesmo diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo 14,6). Esse dom da vida chega à sua plenitude na ressurreição dos mortos, quando todos os filhos e filhas de Deus chegam finalmente ao seu destino final, que é a morada eterna junto do Pai.

O grande discurso de Jesus, no capítulo 6 de João, é dirigido aos seus discípulos na sinagoga de Cafarnaum. Portanto, é um ensinamento para aqueles que o seguem. Certamente, a morte física sempre produz a dor do rompimento de laços com aqueles que amamos.  A morte de Jesus também foi dolorosa para sua família e discípulos. Segundo o Evangelho de João, ele não foi entregue à morte, mas livremente se entregou por amor. Pela fé e entrega amorosa, também nós somos convidados a experimentar a íntima comunhão com ele e com aqueles que nos precederam na casa do Pai.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A liturgia nos convida a refletir sobre a finitude da vida terrena, que é uma etapa fundamental de nossa vida. É nesta passagem neste mundo que Deus nos dá a oportunidade de caminhar com ele e deixar um legado de discípulos e discípulas que inspirem outras pessoas a viver uma vida pautada pela fé.

A graça e o amor misericordioso de Deus nunca nos faltarão, porque ele escolheu nos amar e salvar. Jesus nos dá essa certeza, mas a correspondência generosa a esse amor é escolha pessoal. A fé na ressurreição é a razão de nossa esperança numa vida para além deste mundo. As Escrituras nos garantem que Deus tem um projeto de salvação para cada pessoa. Cada um de nós tem uma missão neste mundo, como nos recorda o papa Francisco. Cristo realizou a sua em plenitude. No silêncio, podemos refletir: qual é minha missão neste mundo? Que contribuição desejo deixar à humanidade? O testemunho da fé cristã pessoal e comunitária seja sempre em favor da vida plena que Deus nos concede.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]