Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2023 - ano 64 - número 351 - pp.: 41-44

21 de maio – Ascensão

Por Marcus Mareano*

Com o olhar em Deus, atentos à realidade

I. INTRODUÇÃO GERAL
Nestes dias de contemplação do mistério da ressurreição de Jesus, atentamos hoje para sua ascensão. Para nós, seguidores de Jesus, esse evento é uma abertura para o cotidiano e para oserviço aos necessitados. É preciso partir e praticar o chamado do Mestre para prolongar, neste mundo, seu modo de ser e de viver. A primeira leitura (At 1,1-11) narra o evento que celebramos. Jesus foi elevado aos céus diante dos seus discípulos, dando-lhes instruções para permanecerem em Jerusalém. Na carta aos Efésios (Ef 1,17-23), lemos uma súplica para que a comunidade tenha o conhecimento da esperança em Cristo, que plenifica a todos. O Evangelho (Mt 28,16-20) conclui a obra de Mateus, anunciando queJesus permanece entre nós e que seus discípulos devem continuar seu anúncio. As leituras da liturgia propõem, ao mesmo tempo, um olhar para o alto, para onde nossa humanidade foi elevada em Cristo e onde se encontra nossa destinação, e um olhar para a realidade imanente, onde vivemos nossa existência material e na qual nos cabe manifestar a presença amorosa de Cristo.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 1,1-11)
O início dos Atos dos Apóstolos (v. 1-2) retoma o endereçamento do Evangelho de Lucas (Lc 1,1-4). As duas obras lucanas são dedicadas a certo Teófilo (literalmente: “amigo de Deus”), personagem desconhecido cujo nome nos leva a compreender os escritos a ele atribuídos como destinados àqueles que buscam a amizade com Deus. Os Atos dos Apóstolos retomam o episódio final do Evangelho de Lucas (Lc 24,50-53). Lá, a elevação de Jesus foi narrada de modo abreviado e no contexto dos encontros do Ressuscitado com seus discípulos. Nos v. 3-11 da primeira leitura deste domingo, o autor apresenta mais detalhes e amplia a orientação de Jesus para que seus seguidores continuem a missão por ele iniciada. Eles se encontram em Jerusalém, aguardando o cumprimento da promessa da vinda do Espírito Santo (v. 3-5). Os discípulos se achavam tensos, medrosos e desorientados pelo ocorrido na cruz. Então, questionam sobre o Reinado de Deus, do qual tanto ouviam falar e pelo qual esperavam (Is 11,1-5). Queriam uma resolução política e nacionalista para terminar com a dominação romana e com a farsa da família de Herodes (At 12,2). A resposta de Jesus é que os discípulos aguardem a vinda do Espírito Santo, para serem testemunhas de Jesus na Judeia, na Samaria e até os confins da terra (Roma, v. 8). Os Atos dos Apóstolos mostrarão como esses primeiros seguidores anunciaram e realizaram o Evangelho. Em seguida, Jesus é elevado (v. 9). O autor usa o passivo divino, mostrando que é Deus quem eleva Jesus para os céus. Ainda olhando para o alto, os discípulos escutam a declaração de que ele voltará dessa mesma forma. A parusia de Jesus (segunda vinda) implica, para aqueles que presenciam o momento, um modo de vida na espera do Senhor que vem. A ascensão de Jesus não significa apenas sua subida aos céus, mas também a imersão na missão que realizamos no cotidiano. A presença de Jesus continua acontecendo por meio de seus discípulos cheios do Espírito Santo. Não é uma ausência ou abandono, mas uma permanência expansiva para muitos lugares e com toda a humanidade.
2. II leitura (Ef 1,17-23)
A carta aos Efésios é um escrito destinado aos cristãos da Ásia Menor e deve ter tido um caráter circular, para que mais pessoas soubessem de seu conteúdo. Nota-se a falta de um destinatário explícito (1,1) e um estilo semelhante a uma homilia. Ela se inicia com uma oração bendizendo a Deus (1,3-11), que abençoa a humanidade desde a esfera celestial (1,3), conforme se observa no desenvolvimento do texto (Ef 1,20; 2,6; 3,10; 6,12). Em seguida, o autor suplica ao Senhor pelos destinatários da carta (Ef 1,15-23). A leitura da liturgia se situa entre esses clamores. O primeiro deles é pelo dom do Espírito Santo, que dá sabedoria e ilumina o interior humano (os olhos do coração) a fim de proporcionar o conhecimento da esperança para a qual os cristãos são chamados e da grandeza do poder de Deus. Essa força divina age em favor daqueles que creem (v. 17-19). A seguir, mostra-se essa potência divina agindo em Cristo (v. 20). Deus o ressuscitou dentre os mortos e o colocou à sua direita, sinal de distinção, dignidade e poderio. Logo, Cristo supera todas as entidades cósmicas atestadas na literatura judaica apócrifa (principado, potestade, poder e dominação – v. 21) e tudo fica sob seus pés (Sl 8,7; Hb 8,6; Cl 1,18). Por isso, ele é a plenitude dos que se plenificam e a cabeça da Igreja, que é seu corpo (1Cor 12,12). O texto apresenta a ação de Deus, por seu Espírito, na pessoa humana em geral e especificamente em Jesus. A humanidade de Cristo, elevada por Deus e colocada acima de tudo, é a humanidade de todos assumida e ascendida à direita de Deus. O Espírito Santo nos move a assumir nossa dignidade de filhos e filhas no Filho.
3. Evangelho (Mt 28,16-20)
Na festa da Ascensão deste ano, a liturgia nos propõe a última cena do Evangelho de Mateus. As narrativas da parte final desse Evangelho se orientam em torno do poder divino (com referências, por exemplo, a terremoto e anjos), concordando com os relatos da infância. Enquanto Marcos mostra o fracasso dos discípulos, Mateus prefere enfatizar a presença animadora de Jesus, que entusiasma e faz compreender a situação nova. O cenário da ressurreição culmina com o discipulado. Mateus conclui seu Evangelho narrando o breve encontro entre o Ressuscitado e o grupo dos onze, o qual havia regressado à Galileia depois de receber a mensagem das mulheres que tinham ido ao sepulcro (28,6-8). Esse encontro acontece em um monte longe de Jerusalém, afastado do lugar onde eles tinham vivido a experiência traumática da paixão de Jesus (v. 17). Depois da crise, do medo, do desespero que os havia paralisado, Jesus convida seus discípulos a voltar às origens (28,10), para percorrer de novo os caminhos e “fazer memória” das experiências junto dele, as quais agora serão lidas de forma diferente. Os discípulos se prostram ao ver o Ressuscitado (v. 17). O gesto remete à reverência divina e à disponibilidade para acolher a novidade que Jesus queria transmitir. Então, ele comunica ao grupo sua autoridade no céu e na terra e diz que eles devem partir da Galileia, fazer novos discípulos em todos os lugares, batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinar as pessoas a observar o que ele ensinou (v. 18-20). Por fim, Jesus se compromete a estar com eles todos os dias, até o fim dos tempos (1,23; 18,20; 28,19). Doravante, a comunidade será a presença de Jesus no mundo por todas as partes e para todas as pessoas. A ascensão de Jesus significa sua permanência fiel entre as pessoas, já sem o limite material do espaço e do tempo, mas eternamente junto à humanidade, em missão até
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Ao celebrarmos a entrada de Jesus na glória, não comemoramos uma despedida ou um distanciamento, mas sim nova forma de presença. Jesus se faz mais radicalmente próximo da humanidade ao subir aos céus. Seu retorno ao Pai é o modo de fazer-se presente junto a todos e em todos os lugares. Assim, a Ascensão de Jesus nos desafia a romper a estreiteza de nossa vida para expandi-la para horizontes mais inspiradores. Vemos Jesus agora em todos os rostos. Ele se identifica com toda a humanidade e continua a caminhar pelas “Galileias” dos excluídos, das periferias, dos pobres, acampando junto àqueles que vivem às margens. Cada ano, desde 1967, por ocasião desta solenidade, a Igreja comemora o Dia Mundial das Comunicações Sociais. Com isso, observamos a relação entre a ascensão de Jesus e nossa missão de anunciar o Evangelho por diferentes meios e em todos os lugares. Comumente, o papa apresenta uma mensagem para a reflexão sobre esse tema. No ano anterior, ele convidou a todos para a escuta atenta com o ouvido do coração e, neste ano, convida a falar com o coração. É tempo de criatividade e de crescimento responsável no seguimento de Jesus. O Espírito Santo não nos oferece receitas para nossos desafios, mas nos ilumina e nos inspira a fim de buscarmos caminhos sempre novos e alternativos para atualizar o modo de ser e agir de Jesus. Desse modo, contemplemos as maravilhas celestiais com atenção à realidade que nos circunda para melhor amarmos e servirmos.

Marcus Mareano*

*Pe. Marcus Mareano é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece); bacharel e mestre
em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); doutor em Teologia Bíblica com dupla
diplomação: pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven); professor adjunto de
Teologia na PUC-MG e de disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador
paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]