Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2020 - ano 61 - número 334 - pág.: 60-63

21º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 23 de agosto

Por Ir. Rita Maria Gomes

Quem é o revelador de Jesus?

I. Introdução geral

No domingo passado, celebramos a solenidade da Assunção de Nossa Senhora, e a reflexão versava sobre o papel de Maria no projeto salvífico, sobretudo em sua condição de Mãe do Salvador. Retomando a liturgia do Tempo Comum, celebramos o 21º domingo, cujas leituras versam sobre o conhecimento ou reconhecimento de quem é Jesus dentro do projeto salvífico de Deus para a humanidade e qual o alcance de seu poder e autoridade. Isso é patente, sobretudo, no Evangelho e na primeira leitura. A segunda leitura, uma espécie de salmo de louvor a Deus, atesta a grandiosidade e o contínuo desejo divino de salvar a humanidade. Em consequência disso, somos levados a unir nossa voz à do salmista e a dizer: “Ó Senhor, vossa bondade é para sempre! Completai em mim a obra começada!” (Sl 137).

II. Comentários dos textos bíblicos

1. Evangelho (Mt 16,13-20)

A versão de Mateus da chamada “confissão de Pedro” tem algumas diferenças significativas em relação à de Marcos, sua fonte. O lugar parece ser o mesmo, a região de Cesareia de Filipe, para onde tinha ido com seus discípulos. Contudo, em Marcos, Jesus questiona seus discípulos sobre sua identidade quando estavam no caminho em direção a Cesareia de Filipe, ao passo que Mateus situa o diálogo precisamente neste lugar. As perguntas são as mesmas, embora haja pequena e importante mudança na primeira. Em Marcos, a pergunta é: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27). Mateus, por sua vez, substitui o “eu sou”, deixando desta forma: “Quem dizem ser o Filho do Homem?” (v. 13).

A resposta a essa pergunta também é levemente diferente. Em Marcos, temos: “Uns dizem João Batista; outros, Elias; outros ainda, um dos profetas” (Mc 8,28). Mateus traz: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas” (v. 14). Mateus insere na lista dos prováveis o profeta Jeremias. Na versão de Mateus, como em Marcos, essa resposta é seguida pela segunda pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v. 15). A resposta de Pedro também é modificada por Mateus, que acrescenta ao “Tu és o Messias” a determinação: “o Filho do Deus vivo” (v. 16). Com isso, Mateus unifica, nesse relato, os três atributos messiânicos mais destacados nos Evangelhos: Messias (Cristo), Filho do Homem e Filho de Deus, o que não ocorre nem em Marcos nem em Lucas.

Nos outros sinóticos, o relato termina aqui, com a advertência de que os discípulos nada falem sobre isso. Mateus acrescenta uma resposta de Jesus à afirmação de Pedro. Nessa resposta, inclui um macarismo, uma bem-aventurança: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas” (v. 17). A felicitação a Pedro é feita retomando a forma semítica do nome e a identificação do pai. Em seguida, é mencionada a razão para a felicitação: “porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu”. Para Mateus, saber quem é Jesus só é algo possível se vem de Deus, porque é uma revelação de alguém que também é Deus. Por isso, é importante para Mateus juntar ao título de Messias os de Filho de Deus e de Filho do Homem.

O título de Messias identifica a missão salvífica de Jesus, sua condição de enviado da parte de Deus; os de Filho de Deus e de Filho do Homem, sua condição divino-humana. Ironicamente, os títulos aqui indicam coisas diferentes do que parecem à primeira vista.

O título de Filho de Deus indica mais o caráter humano de Jesus, pois faz referência à adoção do rei como filho por Deus. Por sua vez, o de Filho do Homem indica seu caráter transcendente, pois se refere ao personagem celeste de Dn 7.

Mateus vai mais longe e justifica a escolha de Pedro como alicerce e suporte da Igreja pelo fato de que a ele foi revelado por Deus quem era Jesus. As prerrogativas de Pedro são as de um alto funcionário, com grande autoridade no Reino dos céus. Assim, compreendemos por que anteriormente se falou tanto sobre o Reino dos céus: o que era, os que fariam parte dele, seu grande valor etc. Só depois de tudo isso o texto mateano é arrematado como os demais, com a advertência aos discípulos para que não digam a ninguém que Jesus era o Messias.

2. I leitura (Is 22,19-23)

A primeira leitura é tirada do profeta Isaías e traz um acontecimento histórico muito particular: a substituição do administrador do palácio de Davi. Sobna é destituído e, em seu lugar, será instituído Eliacim. O texto descreve a ascensão de Eliacim por meio das vestimentas e das responsabilidades que lhe serão conferidas. Diz claramente: “o vestirei com a tua túnica e colocarei nele a tua faixa, porei em suas mãos a tua autoridade” (v. 21). Há uma vestimenta própria para quem ocupa tão alto cargo. Ele “leva aos ombros” a chave da casa de Davi, ou seja, é o guardião da chave, o responsável pela casa. Sua autoridade é tal, que, se ele fechar, ninguém poderá abrir e, se abrir, ninguém poderá fechar. Enfim, sua autoridade é indiscutível. Será fixado como estaca e aí terá o trono de glória.

3. II leitura (Rm 11,33-36)

A segunda leitura traz um hino literariamente muito próximo do cântico de Is 40,13. De modo muito especial, o questionamento sobre quem teria sido conselheiro do Senhor ou quem teria conhecido seu pensamento exprime uma exaltação da condição de Senhor em relação às capacidades humanas. Aproxima-se também do Salmo 138, quando faz referência aos juízos inescrutáveis e caminhos impenetráveis. Os louvores e atributos direcionados a Deus nos textos veterotestamentários são aplicados ao Cristo pelo apóstolo. Ele é o Senhor a quem tudo pertence e a quem é devida a glória para sempre.

III. Pistas para reflexão

Para esta liturgia, temos duas possibilidades de reflexão: uma centrada na condição de Messias de Jesus e outra no papel do “subordinado” que é exaltado e a quem é conferido grande honra e poder. A segunda possibilidade é claramente marcada pela primeira leitura e pelo final do evangelho, quando este faz referência ao “primado de Pedro”. O trecho neotestamentário é inspirado no texto de Isaías, pois algumas imagens têm o mesmo sentido, embora sejam modificadas. No Evangelho, temos a pedra como fundamento, firmeza, enquanto, no texto profético, essa ideia aparece com a imagem da estaca; a chave da casa de Davi se torna as chaves do Reino dos céus; o poder das chaves e a autoridade indiscutível aparecem do mesmo modo nos dois textos. Assim, Pedro ocupa no Reino dos céus o lugar que ocupa Eliacim no reino (casa) de Davi.

A primeira possibilidade, a que mais corresponde à liturgia deste domingo como um todo, centra-se na confissão petrina sobre Jesus, que vai além da confissão em sua messianidade. O lugar de autoridade no Reino é concedido por um senhor/rei. É esse Senhor que está presente nas três leituras: é o Senhor quem informa a Sobna que este será substituído por Eliacim; é o Senhor Jesus quem diz a Pedro que este será o fundamento (pedra) da Igreja; é o Senhor Jesus que está junto do Senhor (Pai), a quem é dirigido um hino de louvor, pois, afinal, “tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória para sempre. Amém!”

Ir. Rita Maria Gomes

é natural do Ceará, onde fez seus estudos de Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura.