Roteiros homiléticos

21º Domingo do Tempo Comum – 25 de agosto

Por Zuleica Aparecida Silvano

Todos os povos virão e verão minha glória

I. Introdução geral

No último domingo do mês vocacional, recordamos a vocação de todos os que aderem a Jesus Cristo, de todos nós, cristãos. De modo especial, recordamos os catequistas, que têm a missão de introduzir crianças, jovens e adultos nesse itinerário da vida cristã. Neste domingo, também podemos avaliar nosso itinerário de fé e nosso seguimento do Messias Jesus, nosso Senhor.

A I leitura anuncia a promessa da reunião de todos os povos, de todas as nações, para ver a glória de Deus, a manifestação da salvação divina. Essa glória é revelada na vinda de Jesus, mas será plenamente manifestada no fim dos tempos. Todos são convidados a participar do grande banquete escatológico. O único critério é a prática da justiça (evangelho). Seguir Jesus não é fácil, por isso o batizado precisa estar preparado para os conflitos e resistir à tentação de desanimar (II leitura).

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: Is 66,18-21

O chamado Trito-Isaías (Is 56-66) é de autoria de um profeta anônimo do pós-exílio. Ele tem como missão sustentar a esperança do povo que está voltando do exílio da Babilônia para reconstruir a cidade, a sociedade, o Templo, que foram destruídos. Os repatriados são convidados a ampliar os horizontes, pois o projeto de Deus tem dimensões universais. Deus quer unir todas as nações, para formar um único povo. Os povos que, oriundos das outras nações, aderem a Deus também se tornam missionários e recebem como mensagem a glória de Deus, ou seja, sua ação salvífica na história, e o desejo de que todos sejam livres e tenham a vida. Ele irá reunir as nações espalhadas pelos quatro cantos do mundo. O advento messiânico se caracterizará pela reunião de todos os povos no templo do verdadeiro Deus, e todos participarão no culto e no sacerdócio (cf. vv. 20-21). O sentido da unidade entre os povos é confirmado por um confronto entre Gn 11 e o v. 18, indicando que o tempo messiânico reconstituirá a unidade rompida pela torre de Babel. É um sumário de temáticas escatológicas recorrentes no livro do profeta Isaías: o recolher as nações dos confins da terra, a visão da glória divina, o retorno da diáspora ao monte santo, a escolha de estrangeiros como sacerdotes do Senhor, a criação de um novo céu e de uma nova terra e o culto perene a Deus.

O final da profecia de Isaías evoca a revelação universal da glória de Deus. É um futuro criado por Deus. Ele envia seus mensageiros a todos os povos, até os mais distantes, que nunca ouviram falar dele. Então farão subir a Sião todos os povos e suas riquezas para santificarem o Senhor no Templo. O profeta vê Israel como o lugar da manifestação dos atos de Deus.

Os vv. 18-19 são dominados pela presença da glória de Deus. O v. 20 continua a descrever a ação dos missionários das nações. Esses missionários serão promotores do reencontro de todos os povos com os judeus, apresentando-os ao Senhor no monte santo, em Jerusalém. Haverá um novo sacerdócio, já não ligado a um povo ou a uma descendência, que não se restringirá a oferecer sacrifícios de animais, mas estará a serviço da libertação das pessoas, pois elas pertencem ao único Deus criador.

2. Evangelho: Lc 13,22-30

O tema principal dessa passagem é o critério para o ingresso no Reino definitivo de Deus. Jesus percorre todos os lugares, ensinando, porém a sua meta é Jerusalém (cf. v. 22), lugar da manifestação do Reino de Deus. Enquanto ensina, eis que surge a pergunta: “Senhor é verdade que são poucos os que se salvam?” (v. 23). Essa era uma questão, debatida pelos diferentes grupos religiosos, sobre a qual não havia consenso. Alguns mestres pensavam que todo o Israel, como povo eleito, se salvaria. Outros grupos sustentavam que poucos seriam salvos. Jesus não dá uma resposta, mas diz que o caminho da salvação é uma porta estreita. Essa linguagem simbólica tem a finalidade de levar o povo a refletir. É um apelo à conversão, à decisão imediata de atender às exigências do Reino, pois é essa a condição necessária para participar do banquete escatológico. Prosseguindo a argumentação, podemos dizer que a única garantia da salvação é o compromisso com o Reino de Deus, que tem suas exigências, como a prática da justiça. A salvação não está garantida porque a pessoa faz parte de determinado povo, grupo, ou conhece pessoalmente a Jesus. Não é privilégio de poucos, mas é garantida para aqueles que constroem o Reino de Deus por meio da prática da justiça e da vivência dos valores evangélicos.

A menção à impossibilidade de participar do banquete é uma forma de indicar a necessidade de estar preparado e a urgência em se comprometer com o Reino. Quando a porta fechar, não adianta apresentar justificativas superficiais ou pensar ter direitos, pois o que conta é a adesão sincera ao Reino e sua realização por meio da prática da justiça (cf. v. 27).

O evangelista afirma que o Reino é universal: todos podem participar do banquete escatológico (cf. v. 29). Por isso é anunciado a todos, independentemente de serem judeus ou gentios. O critério para entrar nesse Reino não é nem mesmo ter conhecido Jesus, mas estabelecer relações adequadas com Deus, com o outro e consigo mesmo – relações justas. A vinda dos povos de todas as nações confirma a soberania, a realeza universal de Deus (cf. At 10,34-35). Por fim, temos a inversão escatológica: aqueles que pensam ser os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros (cf. v. 30), pois os projetos e pensamentos de Deus não são semelhantes aos nossos. Ele, porém, espera que ninguém permaneça do lado de fora da porta do banquete final.

3. II leitura: Hb 12,5-7.11-13

Hb 12,5-7.11-13 está em sintonia com a II leitura do 19º domingo do Tempo Comum, que apresenta uma releitura da história da salvação, demonstrando a fé e a perseverança de seus personagens principais, entre os quais o casal Abraão e Sara. O exemplo dessas pessoas serve para indicar aspectos importantes da vida cristã. O autor tem como interlocutor uma comunidade desanimada por causa de conflitos, dificuldades e perseguições (cf. 12,1.4). Nesse contexto, surge a pergunta: como entender o sofrimento cristão? O autor responde que a única forma é avaliá-lo à luz do mistério pascal.

Nos versículos escolhidos para esta liturgia, o autor trata do valor educativo do sofrimento, com a finalidade de dar um sentido à tribulação e à perseguição sofridas pelos cristãos, baseando-se na provação dos antepassados, citados em Hb 11. Os argumentos são os seguintes: estamos num processo de maturação espiritual; os sofrimentos provêm da relação filial com Deus, pois a repreensão é fruto do zelo pedagógico-disciplinar do pai para com seus verdadeiros filhos, tendo como objetivo a participação desses filhos em sua santidade. Desse modo, o autor de Hebreus apresenta a perseguição como uma divina formação, por meio da qual o fiel é formado (cf. 12,7). Portanto, o sofrimento não é sinal de desaprovação da parte de Deus, mas expressão do seu amor, por validar o pressuposto de que o fiel é filho de Deus. O sofrimento é para o bem do filho, pois terá como frutos a paz e a justiça. É garantia da salvação, pois este filho que passa pela provação irá amadurecendo no seu processo espiritual, pautando a sua vida pela vontade de Deus. O batizado também se torna partícipe do mistério pascal e da santidade divina.

Um elemento a ser sublinhado é a importância da solidariedade da comunidade com aqueles que sofrem, pois somente enfrentaremos as provações, sofrimentos e conflitos se permanecermos unidos.

O desafio de interpretar esse texto reside em pensar que todo sofrimento deve ser aceito porque nasce do amor de Deus Pai por nós. Não é isso o que o autor, provavelmente, deseja afirmar, mas seu objetivo é animar a comunidade a ser fiel ao projeto do Pai, mesmo à custa de sofrimento, e como tirar desse sofrimento forças para continuar a caminhar e lutar para que o Reino de Deus seja realidade em nosso meio.

III. Pistas para reflexão

No último domingo do mês vocacional, a liturgia convida cada um de nós, cristãos, a alegrar-se com a manifestação da salvação divina (I leitura) para todos os povos e com a certeza de que todos são chamados a participar do banquete definitivo (evangelho), no qual reinará a comunhão, a paz e a justiça. Ela também nos exorta a fazer uma revisão de nosso agir, para verificarmos se é conforme o Reino de Deus anunciado por Jesus; a perseverar no seguimento de Cristo e avaliar os conflitos e dificuldades à luz do mistério pascal. Para aprofundarmos os textos desta celebração, podemos nos perguntar: nossa prática é conforme a justiça? Estabelecemos adequada relação com Deus, com o outro e com nós mesmos? Diante dos conflitos e dificuldades, murmuramos contra Deus ou os avaliamos à luz do mistério pascal de Jesus Cristo? Nosso sofrimento é causado por nossa opção por Jesus Cristo e por seu Reino ou provém de nossos interesses pessoais frustrados e de nossa sede de poder não satisfeita? Diante das leituras apresentadas no último domingo do mês vocacional, qual proposta somos chamados/as a assumir para maior amadurecimento no nosso processo vocacional, como cristãos e cristãs?

Zuleica Aparecida Silvano

Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFRGS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]