Roteiros homiléticos

23 de fevereiro – 7º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade

SEDE SANTOS PORQUE O SENHOR, VOSSO DEUS, É SANTO

I. INTRODUÇÃO GERAL A primeira leitura destaca o mandamento “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,17-18). Para Israel, somente é possível amar a Deus se há amor ao próximo. Mas, ao longo da história, houve a tendência de interpretar esse mandamento em sentido restrito, reservando a prática do amor apenas para o compatriota. O evangelho afirma que Jesus interpretou o preceito do amor ao próximo em dimensões universais. Por motivo algum é lícito odiar o outro, filho do mesmo Pai celeste e alvo do mesmo amor paterno (Mt 5,45). O mundo julga ser loucura retribuir o ódio com o amor, o mal com o bem, as ofensas com o perdão. Mas, na segunda leitura, Paulo ensina que os cristãos não devem se preocupar quando o mundo os julga loucos, afinal “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (1Cor 3,19).   II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1. Evangelho (Mt 5,38-48): Amai os vossos inimigos “Olho por olho, dente por dente” (Mt 5,38; Ex 21,24) é uma antiga lei, anterior à existência do povo de Israel. Era uma lei de natureza social e não individual. Tinha por objetivo limitar os excessos de vingança de uma tribo contra outra. Israel também aderiu a esse preceito, mas o abrandou bastante com a exigência do perdão (Lv 19,17-18). No evangelho, Jesus pede a seus seguidores que não resistam a ninguém que lhes cause algum prejuízo. Ou seja, Jesus proíbe aos cristãos resistir ao mal com a vingança. O papel dos cristãos é o combate do mal no mundo mediante a não violência, como fez Jesus na cruz. “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás teu inimigo” (Mt 5,43). Passagem alguma da Escritura ordena odiar os inimigos. Essa orientação teve origem em um grupo judeu contemporâneo de Jesus. Em um livro intitulado Regra da comunidade, encontrado no século passado nas grutas próximas ao mar Morto, os judeus pertencentes ao grupo dos essênios dão esta orientação de ódio aos inimigos: “Ame o que Deus escolheu e odeie o que Deus rejeitou”. Jesus enfrenta e condena essa postura de seus contemporâneos. Os cristãos devem amar amigos e inimigos sem exceção, pois uns e outros são filhos de Deus, todos são irmãos, todos são próximos. A aceitação ou a recusa dessa ordem de Jesus são o critério para uma pessoa ser ou não reconhecida por Deus como filha (Mt 5,44-45). Pois, da mesma forma que o filho reflete a fisionomia dos pais, os cristãos devem, nas relações com seus semelhantes, refletir o amor de Deus para com todos os seres humanos.   2. I leitura (Lv 19,1-2.17-18): Amarás o teu próximo como a ti mesmo A santidade é o principal atributo do Deus de Israel. Em primeiro lugar, porque ele é separado, ou seja, não se confunde com a criatura. Nas civilizações vizinhas de Israel, as religiões politeístas confundiam a divindade com vários seres da natureza ou com imagens. Em Israel, ao contrário, um só era reconhecido como Deus criador, os demais eram apenas criaturas. É nesse sentido que Deus é separado (Santo): o Criador não pode ser confundido com a criatura. A santidade de Deus era comunicada a todos os que se aproximavam dele ou a tudo que lhe era consagrado: pessoas, animais, objetos. Tudo o que pertencia a Deus era separado dos demais para simbolizar a unicidade do Criador. Nesse sentido é que o povo de Israel deveria ser separado ou diferente dos demais povos. Por isso, Israel não deve odiar, mas praticar a exortação comunitária para o crescimento pessoal; não se vingará nem terá rancor, mas amará o próximo. Agindo assim, Israel participava da santidade de Deus e se tornava diferente dos povos vizinhos, que praticavam ações contrárias a esse preceito. Isso significa a existência de uma ética inerente ao monoteísmo que não era encontrada em religiões politeístas, em cujos mitos as divindades praticavam e ensinavam o ódio e o egoísmo.   3. II leitura (1Cor 3,16-23): Vós sois de Cristo Paulo ensina aos cristãos de Corinto que o único fundamento de sua fé é o Cristo, e não os sábios deste mundo, sejam eles cristãos ou não, pois o que é sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Os cristãos são de Cristo, como Cristo é de Deus. Eles não pertencem ao mundo e, por isso, não devem reger a vida segundo os valores do mundo. Pertencendo a Cristo, os cristãos são templos do Espírito de Deus, como Cristo é o Templo de Deus por excelência, lugar do encontro definitivo entre a humanidade e o Criador. Os cristãos, por meio de sua inserção em Cristo pelo batismo, com uma vida dedicada a Deus e ao amor ao próximo, testemunham a presença de Deus no meio dos povos. Ser templo de Deus, pertencer a Cristo, significa ser mediação do amor e do perdão, ser lugar do encontro com Deus. E isso é loucura para o mundo, mas sabedoria de Deus.   III. PISTAS PARA REFLEXÃO O amor a Deus se reflete no amor ao próximo. Nisso consiste a vida cristã configurada a Cristo. Uma vez que o Pai ama a cada ser humano indistintamente, a vocação cristã consiste em amar o próximo não como a si mesmo, mas como Cristo o amou. Somente pelo amor as divisões são superadas, a violência extinta, a fraternidade instaurada. E, com isso, a santidade de Deus será comunicada a todos os povos.

Aíla Luzia Pinheiro Andrade

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje - BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica e lecionou por alguns anos. Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail: [email protected].