Roteiros homiléticos

Publicado em julho-agosto de 2023 - ano 64 - número 352 - pp.: 48-51

23 de julho – 16º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Ir. Márcia Eloi Rodrigues*

“Senhor, sois bom, clemente e fiel!” (Sl 85,5)

I. INTRODUÇÃO GERAL

Continuando a leitura de Mt 13, com o tema do mistério do Reino dos Céus, a liturgia deste domingo apresenta três parábolas em que Jesus ensina a postura que seus seguidores devem assumir na construção do Reino. É preciso ter a paciência de Deus, saber acolher a todos e esperar, no tempo oportuno, que Deus mesmo aja, segundo sua justiça. Esse modo de proceder nos vem pela sabedoria divina, que nos ensina a acolher os tempos e modos de Deus. Seu Espírito, que ora em nós, auxilia-nos em nossa fragilidade humana, conformando nossa vontade ao seu projeto.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Sb 12,13.16-19): O Senhor é justo e compassivo

O livro da Sabedoria afirma que Deus é o Senhor absoluto de todas as criaturas e não há outro maior que ele. Por essa razão, ninguém pode pedir-lhe contas de suas ações em relação aos pecadores, pois Deus é tanto justo quanto misericordioso, dando sempre preferência ao exercício da misericórdia. Seu senhorio é o princípio da sua justiça, na qual não pode equivocar-se, pois todas as ações do ser humano são transparentes a seus olhos. Deus mede com exatidão as possibilidades de cada um, a força e a debilidade. Não pode equivocar-se em seus juízos e sentenças, e seu senhorio o faz ser compassivo com todos. Há uma relação intrínseca entre a onipotência e a justiça divinas.

Ao contrário, aqueles que se consideram bons e piedosos gostam de repartir as pessoas em boas e más, a ponto de projetar em Deus esse tipo de divisão. Quando se dão conta de que Deus não tem esse proceder, chegam até a acusá-lo! A justiça dos ímpios tem como norma “a força”, que é a violência. Por isso atropelam, de forma iníqua, os mais débeis, demonstrando com isso sua prepotência e covardia.

A sabedoria de Deus manifesta-se tanto na paciência com que trata os pecadores quanto no juízo. Deus é justo e condescendente porque é Senhor de todas as criaturas, e sua força manifesta-se, assim, no exercício de sua justiça. Na mansidão com que trata seus “inimigos”, Deus ensina seus eleitos a moderar a justiça com misericórdia e a esperar a misericórdia dele.

2. II leitura (Rm 8,26-27): O Espírito Santo auxilia nossa fraqueza

Fé e esperança são antecipações daquilo que ainda não possuímos (Rm 8,24). Assim, nossa vida cristã é uma vida a caminho, que está a amadurecer, num processo constante de crescimento. Nesse caminhar, o Espírito de Deus, adotando nossa fraqueza, ajuda a alma a se desenvolver desde sua infância espiritual. O Espírito não remove a fraqueza, mas nos ajuda na nossa debilidade. O apóstolo menciona um aspecto específico da nossa fraqueza, a oração. Muitas vezes, não sabemos o que pedir. Mesmo quando pensamos que sabemos o que pedir, nosso julgamento pode estar errado. Como o Espírito conhece tanto o “abismo” do ser de Deus quanto o do coração humano – ao contrário de nós, que não temos bastante amplidão de ambos –, seu “soprar” em nós é um gemido dirigido a Deus, que intercede em favor dos santos, dos que lhe pertencem. E Deus, diante de quem nossos pensamentos são como um livro aberto, reconhece nos gemidos “inefáveis”, em nosso ser mais íntimo, a voz do Espírito intercedendo por nós, em harmonia com sua própria vontade, e responde de acordo. Assim, já nos faz ser santos.

3. Evangelho (Mt 13,24-43): “O joio e o trigo”

As três parábolas – o joio e o trigo, o grão de mostarda e o fermento – falam-nos do mistério do Reino dos Céus, que, em sua grandeza e força, abriga a todos, bons e maus, na paciente espera divina de verdadeira conversão.

A parábola do joio e do trigo nos adverte de que o tempo da Igreja é o tempo da semeadura e do crescimento. E também de que o hoje é tempo de coexistência de bons e de maus, de puros e de pecadores, de bem e de mal, pois nem todos os que estão na Igreja são dela, são eleitos. No entanto, tentar realizar clara separação entre “bons e maus” é algo historicamente impossível, pois somente Deus, que perscruta o coração humano, poderá, no último dia, separar o joio do trigo. É a paciência de Deus.

É papel da Igreja, neste tempo da paciência de Deus, continuar com sua semeadura, mesmo que coexistam o bom grão e a erva ruim e ambos cresçam um ao lado do outro. O importante é que essa realidade não nos impeça de trabalhar pelo crescimento do Reino, o que implica não permitir que a impaciência e a intolerância sejam “armas” de combate ao mal. Deus, em sua bondade e compaixão, aguarda que talvez o pecador ainda se converta. Fazer um julgamento apressado poderá, assim, impedir que haja verdadeira conversão por parte do pecador, e essa postura é contrária à proposta do Evangelho anunciado por Jesus. Por isso, vivamos o agora como tempo da misericórdia, do acolhimento dos pecadores, da conversão proposta a todos, sem distinção, sem preconceitos.

As parábolas do grão de mostarda e do fermento referem-se ao incrível crescimento do Reino de Deus. Este, embora seja como um humilde grão de mostarda nos seus inícios, alcança amplidão histórica inegável, e sua força interior fermenta a vida de quem trabalha pela construção de um mundo melhor, mais justo e solidário.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Há pessoas que se sentem no direito de discriminar as outras por se acharem “defensoras” da moral e dos costumes na Igreja. Tomam uma atitude de juiz, pretendendo separar o justo do injusto, o preto do branco, os de cima dos de baixo, os bons dos maus. Na verdade, porém, tais pessoas se equivocam no conhecimento de Deus, da proposta do seu Reino, iniciado em Jesus Cristo. No tempo em que vivemos, marcado por tanta intolerância e superficialidade, faz-se necessária uma catequese mistagógica, centrada na Palavra de Deus, como processo de desconstrução do “Deus juiz-castigador” e de experiência profunda e transformadora do “Deus juiz-compassivo”. Só assim nós, cristãos, veremos as pessoas com os olhos bondosos e misericordiosos do Deus de amor, Pai de Jesus Cristo e nosso.

Ir. Márcia Eloi Rodrigues*

*é religiosa do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (Belo Horizonte-MG). É professora de Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]