Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2022 - ano 63 - número 348 - pág.: 58-61

24 de dezembro – Natal (missa da noite)

Por Izabel Patuzzo*

A Luz resplandeceu em plena escuridão!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Nesta noite de festa, meditaremos sobre os detalhes do nascimento de Cristo, conforme a narrativa do Evangelho segundo Lucas. Aqui aprendemos sobre o censo que traz Maria e José de Nazaré a Belém, onde Jesus nasceu. Também ouvimos sobre o anúncio dessa Boa Notícia aos pastores por parte do anjo. Nesses detalhes, encontramos duas das preocupações particulares de Lucas: localizar a vinda de Cristo no quadro mais amplo da história da salvação, como a grande Boa-nova a todas as pessoas; gentios e judeus são agraciados pela vinda do Senhor a este mundo, na pobreza e humildade do menino Jesus na manjedoura.

Na primeira leitura, o profeta Isaías nos fala da chegada de um menino da descendência de Davi como dom de Deus para seu povo escolhido. Ele será o príncipe da paz, enviado ao mundo para eliminar todo ódio, as guerras e toda sorte de sofrimentos; vem em missão de paz para inaugurar novo tempo de consolidação da justiça e da alegria.

A segunda leitura nos recorda as razões de nossa fé cristã. Pelo batismo, somos chamados a nos comprometermos verdadeiramente com Deus, sabendo que nossa morada neste mundo não é definitiva.

No Evangelho segundo Lucas, Jesus nasce como um dos pobres. Deitado em uma manjedoura em um estábulo – porque não havia lugar nas pousadas de Belém para acolher Maria e José –, ele vem ao mundo por meios obscuros e surpreendentes. No entanto, enquanto o anjo proclama essa Boa Notícia aos pastores, a criança é anunciada como o Messias e Senhor que vem trazer paz a toda a terra. No canto dos anjos, todos são convidados a dar glória a Deus por esse nascimento milagroso, no qual Deus vem compartilhar nossa humanidade.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 9,1-6)

A primeira parte do livro do profeta Isaías foi escrita por volta do século VIII a.C., durante o reinado de Ezequias. Uma das grandes preocupações do profeta era a infidelidade a Deus, visível nas atitudes de idolatria e injustiça praticadas pelo rei, as quais eram contrárias aos ensinamentos da Torá e desviavam muitas pessoas do caminho indicado por Deus. O texto da liturgia desta noite pertence à seção dos oráculos messiânicos do profeta. Eles anunciam que, num futuro próximo, Deus irá oferecer ao seu povo um mundo de justiça e paz.

Isaías descreve a situação que seu povo estava vivendo, marcada por opressão, desânimo, frustração e falta de perspectivas, como se ele estivesse mergulhado num caminho de trevas. A realidade era como habitar nas sombras da morte. A comunidade dos fiéis estava mergulhada numa atmosfera sombria, sem direção, pois as lideranças estavam roubando a paz e a segurança do povo.

No entanto, em meio a essa realidade caótica, surge uma grande luz. Essa luz faz o povo explodir de alegria, cujos motivos o profeta vai descrevendo. O primeiro deles é a chegada de uma colheita com muita fartura. A resposta vem da natureza, pois a terra produz muitos frutos. O tempo da escassez passou, e agora o povo tem alimento abundante. O povo, porém, ainda tem outros motivos para se alegrar. O jugo da guerra e da opressão que pesava sobre ele foi quebrado. As roupas manchadas com o sangue da guerra foram destruídas. Nasceu o menino que foi dado ao povo como filho para conduzi-lo para a luz.

Aqueles que Deus envia para conduzir seu povo jamais cometerão algum mal. Aqueles que assumem posição de liderança porque amam o povo apontam saídas que dão esperança e vida aos desesperançados. O menino foi enviado para restaurar a paz porque governa o povo com o direito e a justiça. Agora, os direitos dos pobres e oprimidos são respeitados, por isso esse menino é chamado de príncipe da paz. Ele é dom de Deus ao seu povo, e Deus permanecerá com ele para que essa paz não tenha fim.

2. II leitura (Tt 2,11-14)

O destinatário desta epístola é Tito. Ele se tornou cristão a partir de seu contato com Paulo. Acompanhou Paulo em diversas missões; participou do Concílio de Jerusalém com ele, esteve em Éfeso, Corinto. Foi de grande ajuda para resolver alguns conflitos nessas comunidades a pedido do apóstolo.

Embora esta carta seja atribuída a Paulo, há dúvidas de que ele seja o autor, pois os problemas nela retratados parecem ter surgido bem depois da atividade missionária do apóstolo. A grande preocupação já não era a segunda vinda de Jesus Cristo, que seria iminente, mas sim estabelecer a conduta dos cristãos dentro da sociedade de seu tempo. Isso porque os cristãos estavam perdendo o entusiasmo, tinham se acomodado, e as comunidades estavam perdendo a vivacidade e o fervor.

Por isso, o autor da carta procura reencantar os cristãos, buscando razões válidas para que vivam sua fé de forma autêntica e comprometida. Ele os exorta a viver o tempo presente com temperança, justiça e piedade. A manifestação gloriosa de Cristo fundamenta a esperança. Só tem sentido esperar pela segunda vinda do Senhor vivendo a caridade, não se apegando aos tesouros deste mundo, sabendo que a terra não é a pátria definitiva. O discípulo deve ter seu olhar fixo em Jesus, que se entregou por nós até a morte para nos libertar do pecado e do egoísmo. Ele é a medida de nosso amor e compromisso.

3. Evangelho (Lc 2,1-14)

No relato lucano do nascimento de Jesus, o menino nasce como um dos pobres. Deitado em uma manjedoura em um estábulo, porque não havia lugar na pousada, vem ao mundo por meios obscuros e surpreendentes. No entanto, enquanto o anjo proclama a Boa Notícia aos pastores, essa criança é anunciada como o Messias e Senhor. No canto dos anjos, todos são convidados a dar glória a Deus por esse nascimento milagroso, no qual Deus vem compartilhar nossa humanidade.

Lucas faz uso das tradições segundo as quais Maria e José vieram de Nazaré e Jesus nasceu em Belém da Judeia quando as figuras de Herodes, o Grande, César Augusto e Quirino eram autoridades políticas conhecidas. Todavia, o nascimento de Jesus vai ofuscar todas essas autoridades, porque Ele é o motivo da grande alegria. O evangelista o apresenta como o Messias davídico que traz o dom escatológico da paz. Em sua pequenez, em contraposição com os poderosos deste mundo, o recém-nascido é o Salvador e o portador da paz para todos.

Em sua revelação aos pastores, os anjos cantam que a vinda de Jesus traz paz. No entanto, há pouca coisa, nos detalhes do Evangelho, que dão evidência de paz. Jesus nasce como peregrino longe de casa, em um estábulo, numa cidade lotada e sob a ocupação de estrangeiros. A aparição do anjo aos pastores os assusta. Portanto, quando os anjos proclamam o nascimento de Jesus como o prenúncio da “paz na terra”, Lucas tem a intenção de desenvolver aos poucos os fatos que evidenciam ser Jesus o príncipe da paz. É no decorrer de todo o terceiro Evangelho que essa Boa-nova é esclarecida. Os pastores são convidados a reivindicar uma fé que os capacitará a ver esta criança como um sinal da promessa de Deus de um Messias. É por meio dessa fé que se encontra a paz que os anjos cantam.

Os pastores são as primeiras testemunhas desse grande acontecimento. Eram considerados pessoas rudes, simples e pobres. É precisamente essa categoria de marginalizados que se alegra com a chegada de Jesus. A Boa Notícia é, em primeiro lugar, para eles. O título de salvador era atribuído apenas ao imperador romano. Lucas inverte toda a hierarquia da sociedade da época, aplicando a Jesus todos os títulos reservados às autoridades políticas. Ele é aquele que vem restaurar a paz, o Salvador, o príncipe da paz; todas as autoridades políticas e religiosas fracassaram em sua missão de proporcionar a paz verdadeira, por isso o evangelista afirma que somente Jesus é o Senhor.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O menino Jesus, que nasce pobre em Belém, é que dá sentido às profecias anunciadas por Isaías. Ele é aquele que vem arrancar o povo da escuridão e das sombras da morte. O nascimento de Jesus, que celebramos nesta noite, significa que Ele é, para nós, a esperança da nova ordem que as profecias apontam. E acolhê-lo implica entrar na dinâmica de seu projeto de paz. Sua chegada nos interpela: é realmente nele que depositamos toda a nossa confiança e esperança?

O presépio nos ajuda a contemplar que a lógica de Deus é muito diferente da lógica do mundo em que vivemos. Deus se manifesta na pequenez de uma criança, que nasce cercada de pessoas simples e de seres da natureza, e não em um ambiente de riqueza e esplendor. É na manjedoura, na fragilidade, na simplicidade que a luz do mundo brilha. Sua chegada é Boa Notícia, é ternura que enche de felicidade aqueles que estão à margem.

Nossa cultura globalizada institucionalizou e sacralizou muitos valores efêmeros, como dinheiro, status, bens de consumo, sucesso, poder e visibilidade midiática, e montou um sistema publicitário que nos induz à busca da felicidade falsa ou aparente. No entanto, esses valores frequentemente levam as pessoas a uma vida vazia e sem sentido. A celebração do Natal nos confronta, fazendo-nos pensar nos valores que norteiam nossa vida. É Jesus Cristo nossa referência? É ele que conduz nossa vida, ou preferimos seguir as propostas das autoridades deste mundo, que não passam de ídolos?

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica. E-mail: [email protected]