Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2024 - ano 65 - número 356 - pp.: 40-42

24 de março – Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor

Por Maicon André Malacarne*

Jesus Cristo: amor que recria o mundo!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Os ramos e o amor total estão ligados profundamente, cerzidos entre os Evangelhos e as leituras deste domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, início da Semana Santa. Erguemos os ramos para acolher o Senhor, mas é incompatível acolhê-lo sem assumir novo estilo de vida. O contexto de desigualdades, disputas e individualismo, os fundamentalismos que neutralizam o diálogo, as crises familiares, as doenças e outros processos de adoecimentos psíquicos são algumas das realidades que carregamos para celebrar a Semana Santa.

A imagem guardada pelo profeta Isaías de um misterioso Servo sofredor que suporta todo tipo de ofensas e de violência, na confiança de que “o Senhor é meu auxiliador”, torna-se sempre uma esperança nova que ganha sentido maior em Jesus Cristo. De fato, hoje, com Jesus, entramos em Jerusalém aos gritos de “Hosana, bendito o que vem” e, igualmente com Jesus, entramos no tribunal para vê-lo condenado à morte de cruz. Em tudo, Jesus assumiu a condição humana sofredora, por isso, conforme a carta de Paulo aos Filipenses, “Deus o exaltou acima de tudo”.

A Igreja no Brasil também realiza neste domingo a coleta da solidariedade, gesto concreto da Campanha da Fraternidade. Participar desse sinal é colaborar com projetos que garantem uma esperança a mais a muitas pessoas, além de ser sinal de pertença e de unidade eclesial.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho de Ramos (Mc 11,1-10)

A liturgia deste domingo compreende dois Evangelhos: a entrada de Jesus em Jerusalém, proclamada no início, antes da procissão, e uma das narrações da paixão e morte de Jesus na cruz.

Jesus entrou em Jerusalém “montado em um jumentinho” (v. 7); ou seja, ao renunciar entrar a cavalo, assumiu a condição dos mais pobres. Foi acolhido por “muitos que estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam apanhado nos campos” (v. 8). Todos gritavam: “Hosana, bendito o que vem” (v. 9).

Hosana é um pedido de ajuda, um grito por salvação. A salvação, de fato, foi percebida pelo povo simples de Jerusalém em Jesus de Nazaré. A salvação que o povo reconheceu não foi da potência, do poder, mas do serviço e do amor. Nos mantos e nos ramos, aquelas pessoas antecipavam a resposta que, mais tarde, aconteceria na cruz: Deus nunca nos abandonou!

2. I leitura (Is 50,4-7)

A leitura traz o terceiro poema do Servo de Javé, também chamado de Servo sofredor, uma figura misteriosa descrita pelo segundo Isaías que foi interpretada pela tradição como uma antecipação da vida e do ministério de Jesus Cristo.

O Servo é um homem da palavra – “para que eu saiba dizer palavras de conforto” (v. 4) –, cujos destinatários são “as pessoas abatidas” (v. 4). O que chama a atenção é que esse Servo, chamado a consolar, é alguém de sofrimento. Em vez de assumir uma condição de prostração, traduz a humilhação (“as costas para me baterem e a face para me arrancarem a barba”, v. 6) em uma condição de confiança total: “o Senhor é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo” (v. 7).

Não se trata de um elogio ao sofrimento, mas o Servo de Javé nos faz meditar sobre as oportunidades que cada momento da vida põe diante de nós, também diante das dificuldades maiores. O que fazemos com elas? No início da Divina Comédia, no primeiro livro (Inferno, Canto I, versos 2-3), Dante Alighieri escreveu: “Achei-me numa selva tenebrosa, tendo perdido a verdadeira estrada”. Para alcançar o paraíso, Dante precisou descobrir o caminho do meio da escuridão.

3. II leitura (Fl 2,6-11)

Trata-se de um grande hino paulino, da tradição da Igreja de Filipos, que propõe uma interpretação do mistério pascal. A Páscoa é lida como um movimento de abertura, de exaltação, de “baixo para cima”, da humilhação à exaltação. A iniciativa de “abaixar” é do próprio Deus, para conduzir toda a humanidade à glória. De fato, Jesus Cristo “esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens” (v. 7), foi glorificado por Deus, que “o exaltou acima de tudo” (v. 9).

Quando Paulo escreveu aos filipenses, estava preso em Éfeso. Encontrava-se na condição de perseguido por causa de Jesus. Nessa mesma carta, escreveu: “Tendes em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5). O caminho da humanização é caminho para a divinização. Tornar-nos mais humanos é um dos maiores compromissos da Semana Santa.

4. Evangelho (Mc 14,1-15,47)

O grande texto da paixão de Jesus escrito por Marcos é um convite à meditação profunda durante a liturgia, mas também no decorrer da semana. Para abrir a reflexão, propomos alguns pontos que nascem da teologia desse relato.

Primeiro, trata-se de uma leitura da paixão. Marcos não traduziu a história de um super-herói, de um mágico, mas de um amor! Jesus entregou-se totalmente na cruz, numa paixão avassaladora, capaz de entregar-se, de perder, de oferecer-se sem reter nada. É esse amor que salvou e salva a humanidade.

No início do texto, temos a paixão traduzida na unção em Betânia: “veio uma mulher com um vaso de alabastro cheio de perfume de nardo puro, muito caro. Ela quebrou o vaso e derramou o perfume na cabeça de Jesus” (14,3). A mulher estava reconhecendo o messianismo de Jesus e antecipando sua morte na cruz. De fato, a unção era um sinal da sepultura. Mais adiante, durante a última ceia, Jesus traduziu a paixão como oferta total de si: “Tomai, é meu corpo... é meu sangue” (14,22-24).

A contradição de toda paixão é a traição. Trair é quebrar o amor! O acordo de Judas e dos sumos sacerdotes (14,10), a entrega de Jesus e a traição total de Judas (14,43), as negações de Pedro (14,63.70-71), o abandono, a solidão, o grito “crucifica-o” (15,13), o manto vermelho e a coroa de espinhos (15,17), os cuspes, a zombaria (15,19), os insultos já no alto da cruz (15,29) são parte da gramática da paixão de Jesus. O amor sempre conhece o sofrimento! De fato, Teilhard de Chardin afirmou que toda a missão do seguidor de Jesus pode ser resumida em “levar amor ao mundo” (Sull’amore, tradução nossa).

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Com os Evangelhos deste domingo, somos convidados a acompanhar Jesus nos seus últimos dias, desde a unção de Betânia, passando pela entrada em Jerusalém, montado no jumentinho e sendo acolhido com os ramos e os mantos, até a traição, a negação, a solidão, o abandono, a cruz e a morte. Na imagem do Servo de Javé, desde o sofrimento total, meditamos sobre o caminho para transformar “nossa” condição de humilhação. São Paulo indica que a estrada é assumir em tudo a condição humana para, com Jesus, alcançar a salvação.

A experiência da fé pode envolver o risco de a pessoa viver em uma redoma, fugir do mundo, porque “o mundo é mau”. Vivendo o tempo da Quaresma e iniciando a Semana Santa, o convite é para caminharmos pela estrada da humanidade, construindo sinais de humanização. Em vez da tentação de esconder-nos, que acompanha a história desde Adão e Eva, nossa vocação é “assumir a condição humana”, ou seja, ser totalmente humanos e caminhar na direção de Deus.

“Torne-se aquilo que você é!”, escreveu Nietzsche (Gaia Ciência), retomando uma velha máxima. Dizendo de outra maneira, viver nossa identidade mais profunda é traduzir a vida em paixão, em vocação de doar-nos, em amar até o fim, não obstante todas as contradições.

Maicon André Malacarne*

*é presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: [email protected]