Roteiros homiléticos

24º Domingo do Tempo Comum – 16 de setembro

Por Rita Maria Gomes, nj

I. Introdução geral

A celebração deste dia chama nossa atenção para o olhar constante, cuidadoso e misericordioso de Deus sobre cada ser de sua criação e, de modo muito particular, sobre o ser humano. Ao mesmo tempo, esta celebração é muito marcada pela imagem do Messias sofredor (cf. Mc 8,31), em consonância com o Servo de YHWH de Isaías (cf. Is 50,6), mais conhecido como “servo sofredor”.

Assim, para bem aproveitarmos esta liturgia, precisamos ter a certeza, expressa pelo salmista, de que “andamos na presença de Deus, junto a ele” em todas as vicissitudes de nossa existência. É basicamente isso que nos falam as leituras deste domingo.

II. Comentários dos textos bíblicos
  1. I leitura: Is 50,5-9a

A primeira leitura pertence ao chamado Livro da Consolação (cf. Is 40-55), que anuncia a restauração de Israel após o exílio babilônico. Nesse livro, estão inseridos os chamados Cânticos do Servo, nos quais aparece a imagem do perfeito servo de YHWH, usada pela primeira comunidade cristã para falar de Jesus e de sua missão. Para Israel, o exílio representou uma época tenebrosa, de violenta perseguição, mas também ocasião de descoberta de sua identidade e vocação.

O texto sobre o qual refletimos corresponde ao terceiro Cântico do Servo, que, tendo ouvidos abertos à Palavra, confia plenamente no Senhor (v. 5). Ainda que em meio à angústia e à opressão, apesar ter sido maltratado, ele sabe que o seu Auxiliador irá salvá-lo, por isso não desanima. O Senhor é quem cuidará de sua causa e o defenderá, e ele não sairá humilhado. Toda sua confiança está posta em Deus.

  1. Evangelho: Mc 8,27-35

Jesus é o Cristo, o Messias, o Ungido de Deus. Foi desse modo que os primeiros cristãos elaboraram a sua experiência. A confissão de Pedro é uma resposta ao questionamento dos leitores de Marcos: “Quem é este homem” (4,41) que ensina nas sinagogas e expulsa os demônios (cf. 1,39), que se retira para lugares desertos (cf. 1,45), que anuncia a Palavra às multidões (cf. 2,2), que cura os enfermos (cf. 3,7-20), que é reconhecido pelos espíritos impuros (cf. 5,7), cujas obras suscitam espanto (cf. 5,20.42), também nos seus discípulos (cf. 6,51), porque estavam como que cegos e surdos (cf. 8,14)?

Depois de curar o cego em Betsaida, no caminho para Cesareia de Filipe, Jesus pergunta aos seus: “Quem dizem os homens que eu sou?” (v. 27). E, diante das respostas dos discípulos sobre as numerosas suposições a seu respeito, pergunta-lhes diretamente, como se exigisse uma tomada de posição: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v. 29).

A confissão de Pedro é a resposta da Igreja: “Tu és o Cristo” (v. 29). Ela suscita, além da ordem de silêncio (v. 30), o primeiro anúncio da paixão (v. 31). No Evangelho de Marcos, chama a atenção o fato de Jesus impor sigilo sobre quem é e sobre o que faz (cf. 1,41-45; 5,37; 7,36; 8,26). No evangelho de hoje, ele esclarece que não há como separar sua identidade da maneira como deve realizar sua missão: o Filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado, ser morto e ressuscitar ao terceiro dia (v. 31).

A declaração de Jesus soou estranha aos ouvidos dos discípulos, pois não condizia com as ideias de glória e esperança de exaltação que a espera messiânica provocava. Pedro, que há pouco tinha professado a fé, tenta dissuadi-lo (v. 32b). Voltando-se para seus discípulos, Jesus o repreende, dizendo-lhe que não pensa como Deus, mas como os homens (v. 33).

Jesus revela a incompreensão de Pedro e exige que retome o lugar de discípulo, atrás do Mestre, seguindo-o pelo caminho. E, para não restar dúvida, explicita que o discipulado exige a renúncia de si, a tomada da cruz e o seguimento, ou seja, a disposição de acompanhá-lo a ponto de perder a própria vida (vv. 34-35).

  1. II leitura: Tg 2,14-18

A fé cristã pede compromisso, exige a coragem de entregar o próprio ser e de comprometer a vida em favor dos outros. O autor da carta de Tiago critica os que dizem ter fé, mas não a põem em prática. É pelos atos que a fé se mostra. Sem a prática, sem a obediência à Palavra de Deus expressa em atos concretos em cada aspecto da vida, a fé é morta (v. 17).

O autor faz uso de exemplos da vida cotidiana como argumento para sua tese: um irmão ou irmã que não têm o que comer ou vestir (v. 15), situações diante das quais os cristãos devem responder ao amor gratuito de Deus e corresponder a ele, amando o próximo como Deus os ama, sobretudo os pobres, em quem se devem reconhecer os traços sofredores de Cristo (cf. Mt 25,41.45). As obras que demonstram uma fé viva também tornam crível a nossa fé nos tempos que correm.

III. Pistas para reflexão

A confissão de fé feita por Pedro (cf. Mc 8,29) é antecedida pela cura do cego de Betsaida (cf. 8,22-26) e seguida pelo primeiro anúncio da paixão e pela exposição das condições para o seguimento (cf. 8,31-35). A cura do cego de Betsaida é, na verdade, a cura do discípulo, de seu medo e de sua incredulidade, para que, enfim, fosse capaz de entender quem é Jesus.

Os discípulos caminhavam com Jesus, por ele foram chamados e partiram em seu seguimento (cf. 1,16-20). No entanto, esperavam um messias político, que restaurasse o reino de Israel como nos tempos do rei Davi. Em contrapartida, Jesus é rejeitado e morre como um malfeitor, crucificado. É reconhecido por sua mansidão, pregava o mandamento do amor a Deus e ao próximo, o perdão, a humildade, o serviço aos irmãos e a oração pelos inimigos. Nesse sentido, a figura do Servo de YHWH de Isaías é fundamental para a compreensão de seu messianismo: é um escolhido de Deus (cf. Is 42,1), não usará da violência (cf. Is 42,2-3), confia em Deus, mesmo em meio ao sofrimento, porque ouve sua Palavra (cf. Is 50,5) e dá a vida pela multidão (cf. Is 52,14; 53,2ss).

A vida de Jesus manifesta sua experiência de confiança no Pai, motivo da entrega total de si próprio. Assumindo-se como servo até as últimas consequências, o Filho de Deus revela o sentido da vida humana, pautada na confiança em Deus e na entrega em favor dos irmãos (cf. Mc 14,24).

Uma vida toda entregue a Deus é sinal de que o cristão acolheu o amor divino, que o acompanha em todos os momentos da existência, e não apenas nos momentos de exaltação. Deus está junto de cada um de nós na exaltação e na humilhação, ou seja, nos momentos felizes e também nos momentos difíceis de nossa vida. Ele caminha junto a nós na terra dos vivos.

Rita Maria Gomes, nj

Ir. Rita Maria Gomes, nj, é natural do Ceará, onde fez seus estudos em Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde leciona Sagrada Escritura. É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]