Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 60-62

25 de dezembro – Missa do dia – NATAL DO SENHOR

Por Izabel Patuzzo*

A Palavra se fez carne e habitou entre nós!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia do dia de Natal nos convida a contemplar a misteriosa transparência da ternura divina na condição simples e humilde do menino Jesus na manjedoura de Belém. As celebrações da aurora e do dia realçam a grandeza do Filho do Altíssimo, que deixa sua condição divina e assume a natureza humana. Pela sua encarnação, Jesus se torna a Palavra que veio habitar entre nós.

 Na primeira leitura, o profeta Isaías anuncia a chegada do Deus libertador. Essa é uma boa notícia de caráter universal. A alegria toma conta das pessoas, e até a natureza participa desse acontecimento; o Príncipe da paz passa pelos montes e chega à nova Sião, símbolo de Jerusalém, que é reconstruída com sua chegada. A segunda leitura lembra que as palavras provisórias dos profetas se tornam Palavra definitiva em Jesus Cristo, que é a plena manifestação de Deus.

O Evangelho, tomado do prólogo de João, proclama que na terra brilhou uma luz, anunciando que a Palavra de Deus se tornou existência humana. Assim como, na primeira criação, tudo começa com a luz que ilumina as trevas, a inauguração de um novo tempo anuncia a chegada de Jesus como a luz que veio iluminar as trevas, completando a obra da criação.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 52,7-10)

O povo escolhido constatou, em sua história, que seus reis não lhe trouxeram a salvação, mas Deus não o abandona. Ele reconstrói a cidade de Jerusalém, que estava em ruínas depois de ter sido sediada pelo Império da Babilônia. Assistir à destruição da cidade, já não ter o templo sagrado, ver a morte de tantas pessoas e a miséria causada pela guerra provocou um sentimento de desalento e de abandono.

O texto deste domingo, escrito por um profeta anônimo do círculo profético de Isaías, traz uma mensagem de esperança e consolação, expressando a confiança em que o Senhor não abandona seus escolhidos. Ele, o Deus que continuamente liberta seu povo, suscita novas lideranças para reerguer e conduzir Israel. O profeta convida a comunidade dos fiéis a tirar uma lição da história. Nenhuma situação de sofrimento durou para sempre, e, quando o povo escolhido se encontrava nas situações mais difíceis, Deus interveio de modo surpreendente para libertá-lo. Por isso ele garante que a cidade de Jerusalém, que agora se encontra em ruínas, será reconstruída, e seus habitantes experimentarão a paz que haverá de chegar.

2. II leitura (Hb 1,1-6)

A autoria da carta aos Hebreus é desconhecida, e seus destinatários são denominados apenas hebreus. É possível que seu autor tenha escolhido essa forma para se dirigir a todos os cristãos de origem judaica. Ele retrata a real situação dos cristãos que estão vivendo em uma situação difícil por causa de sua fé em Jesus Cristo. Em razão de sua fidelidade à fé, os discípulos foram expostos a perseguições, sofrendo hostilidades pelo simples fato de constituírem uma minoria que manteve sua identidade religiosa como cristãos.

O tema do texto escolhido para a liturgia é a manifestação de Deus por meio da sua Palavra. A leitura alude ao projeto salvífico de Deus, expresso na sua Palavra nas Escrituras. O autor recorda que outrora Deus falou por meio de porta-vozes, como os profetas e líderes do povo, mas por último falou por meio de seu Filho, Jesus Cristo. Ele é a Palavra plena, definitiva e perfeita mediante a qual conhecemos o caminho da salvação. Sendo a Palavra última e definitiva, deve ser escutado pelos seus discípulos e discípulas, pois é o caminho mais seguro para chegar à vida nova que o Pai propõe.

3. Evangelho (Jo 1,1-18)

O prólogo do Evangelho segundo João é verdadeiro hino à Palavra de Deus que se fez carne e veio habitar entre nós. O centro de sua mensagem é a Palavra criadora que entra na história humana e provoca reações entre os que a aceitam e os que a rejeitam. O conteúdo dessa unidade central ressalta que a Palavra já existia desde o princípio. Nela já estava contido o projeto de vida, e ela era a luz que iluminava todas as criaturas. Portanto, acolhê-la significa escolher o amor e seu projeto de vida.

Ao usar a expressão “no princípio”, João estabelece uma relação entre o nascimento de Jesus e a criação do mundo, oferecendo uma linha de interpretação de toda a Escritura. Em sua visão teológica, com o nascimento de Jesus, a obra da criação chega à sua plenitude. Se Jesus precede a própria obra da criação, é porque ele é Deus e estava junto do Pai antes de vir a este mundo. Ao atribuir o título de Palavra a Jesus Cristo, João assume a ideia – cujos ecos já se fazem presentes na literatura sapiencial do Antigo Testamento – de que ele é a sabedoria de Deus, que agora toma forma humana visível e a qual todos podem contemplar.

De fato, na primeira narrativa da criação, Deus criou todas as coisas por meio de sua palavra. O verbo criar, em João, indica comunicação da vida divina. E essa vida divina é compartilhada com todos aqueles e aquelas que acolhem essa Palavra. Vida e luz, para João, estão intimamente ligadas, pois é a luz que torna a vida perceptível. A luz serve de orientação e guia para a humanidade. O Natal é, para nós, a celebração dessa Palavra, que vem ao nosso encontro para ser luz e vida para todos nós.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Todas as leituras deste dia nos convidam a contemplar, no presépio, a Palavra que veio habitar entre nós. Jesus menino, em sua fragilidade e ternura, é expressão extrema e sem limites do amor trinitário. O Deus Pai que nos cria, junto ao Espírito que, com sua força, concebe o Filho, tem seu projeto de salvação para toda a humanidade.

A Palavra que é luz e vida vem ao nosso encontro. Acolhê-la significa permitir que Jesus transforme nossa vida, a fim de que tenhamos vida plena e sejamos, também nós, um raio de luz para todos os que nos rodeiam. Nossa realidade, assim como era a dos contemporâneos de Jesus, é permeada de trevas, de mentiras, de violência, de exploração de pessoas vulneráveis, pobres. Como podemos ser portadores da Palavra de vida e de luz para transformar essas realidades de nosso tempo? O menino Jesus, que contemplamos no presépio, é Palavra de vida eterna, mas convivemos com tantas outras palavras. Quais palavras nos aproximam e quais nos afastam da Palavra que se fez carne e veio habitar entre nós?

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]