Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2023 - ano 64 - número 351 - pp.: 58-64

25 de junho – 12º domingo do Tempo Comum

Por Marcus Mareano*

Professar a fé corajosamente

I. INTRODUÇÃO GERAL
Em meio ao contexto desafiador em que vivemos, somos convidados pela celebração eucarística a viver corajosamente nossa fé cristã. Os tempos são desafiadores e de rápidas transformações culturais, que afetam nossa vivência cristã. Somos provocados a ousar e não ter medo de professar nossa fé. Naturalmente, temos uma tendência a tentar ultrapassar o imediato, arriscar novos horizontes, enfrentar perigos, buscar, criar e nos aventurarmos. Contudo, há uma reserva oposta, que tenta poupar-se e acautelar-se, como uma necessidade inata de evitar o perigo, de se afastar dos obstáculos, de se acomodar no passado, no conhecido, no que dá segurança. Jeremias, o profeta da primeira leitura, nunca teria sido quem foi se tivesse se acovardado e fugido dos perigos de anunciar a Palavra do Senhor a alguns tão hostis. Paulo demonstra, na carta aos Romanos, a abundância da graça de Cristo no ser humano. O Evangelho, no contexto de envio à missão, encoraja a não ter medo (Mt 10,26.28.31). A confiança em Deus, que cuida de nós, é antídoto contra o medo (Mt 10,31). Jesus é profundo conhecedor do coração humano. Ele sabe de que somos feitos e o que se passa no mais íntimo de cada um de nós. Por isso, sabe das nossas inseguranças e medos. Ademais, sabe do que nos espera e do que somos capazes. É assim que ele conta conosco!
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Jr 20,10-13)
O livro de Jeremias recolhe oráculos e trechos biográficos relativos ao profeta-sacerdote de Anatot (Jr 1,1), que começou a atuar em 627 a.C. e morreu no início do exílio babilônico, por volta de 585 a.C. O trecho da leitura se localiza entre os oráculos contra Judá (Jr 1,1-25,14). Jeremias era um defensor da fidelidade radical à Aliança e da confiança absoluta no Senhor. Por isso, apoiou o rei Josias (640-609 a.C.) em seu zelo religioso e em sua política antiegípcia, mas não na concentração exclusiva do culto em Jerusalém. Nunca deixou de proferir oráculos contra a falsa confiança posta no templo de Jerusalém (Jr 7,1-15). Assim, o profeta sofre as consequências do que proclamava, em nome de Deus, ao povo, contra os reis. No v. 10, vê-se a multidão – mesmo os que aparentavam ser de paz – querendo o tropeço de Jeremias. Seus inimigos armam ciladas para pegá-lo. O profeta incomoda por denunciar os erros e os crimes de alguns da sociedade daquele tempo. Entretanto, Jeremias se mantém firme na fé no Senhor, que permanece ao seu lado como um “poderoso guerreiro” (v. 12). Por isso, seus perseguidores tropeçarão e cairão nas próprias ciladas. Eles não obterão êxito contra o profeta e se envergonharão, por não conseguirem oque pretendem. A fé na presença do Senhor faz que Jeremias siga adiante destemidamente. Em seguida (v. 12-13), Jeremias reconhece que o Senhor é justo e o louva pela justiça realizada. O profeta confiou no Senhor e lhe expôs sua situação de perseguição. Deus agiu, livrando-o dos malvados algozes. Em meio às adversidades, o profeta confia no Senhor e experimenta sua ação em seu favor.
2. II leitura (Rm 5,12-15)
A leitura da carta aos Romanos continua nos próximos domingos do Tempo Comum. No trecho de hoje, Paulo compara a ação de Adão com a de Cristo e seus respectivos efeitos para a humanidade. O pecado, drama humano desde sempre, entra no mundo a partir de Adão (Gn 2,17; 3,1-9; Sb 2,24), e sua consequência é a morte (v. 12). Essa realidade separa o ser humano de Deus, fazendo que a comunhão originária se rompa e causando danos para a própria pessoa, para os outros e para a criação. O ápice dessa ruptura é a morte espiritual e eterna, da qual a morte físicaé sinal (Sb 1,13; Hb 6,1). Paulo constata uma dimensão do ser humano antes de Cristo. Por conseguinte, a Lei vem para manifestar o pecado humano e fazer perceber sua força destruidora (v. 15). Todos eram pecadores à maneira de Adão. Então, Adão era figura, como uma imagem provisória, daquele que haveria de vir (v. 14). Em contrapartida, o dom da graça em Jesus é incomparavelmente superior à transgressão de Adão. A nova realidade depois de Jesus Cristo supera o antigo regime da Lei e da condenação. Se foi por Adão que o pecado e, consequentemente, a morte entraram no mundo, por Cristo, o novo Adão, a humanidade experimenta a salvação, o perdão dos pecados, a abundância da graça de Deus e a eternidade (v. 15). Deus reage ao pecado humano com seu amor, manifestado em Jesus Cristo. O pecado e seus efeitos não são maiores que a graça de Deus para a humanidade. Se, infelizmente, em nossa vida, experimentamos o resultado do pecado, com maior intensidade e alegria contemplamos nela a repercussão da graça de Deus.
3. Evangelho (Mt 10,26-33)
Continuando a leitura do discurso da missão (Mt 10,1-11,1), o trecho do Evangelho deste domingo encoraja os discípulos a proclamar destemidamente o Evangelho recebido. No período no qual o Evangelho de Mateus foi escrito, por volta do ano 80 d.C., a lembrança da execução de Jesus e da dos primeiros mártires era recente. A comunidade cristã sofria repressão e não tinha liberdade para falar, em todos os lugares, de Jesus Cristo. Muitas vezes, sofria penalidades por causa da fé em Jesus. Então, as recomendações de Jesus animam seus seguidores a não ter medo (v. 26). O que receberam de Jesus de maneira velada – porque escapava à compreensão de muitos, antes de sua morte e ressurreição –, eles deveriam proclamar abertamente, até “sobre os telhados” (v. 27). A mensagem cristã não é destinada a um grupo seleto, como um segredo para alguns iniciados, mas é universal, para os seres humanos de todos os tempos e lugares. Jesus recomenda não temer nenhum julgamento ou processo humano, mesmo que leve à morte física (v. 28). O temor, enquanto reverência e reconhecimento, deve ser a Deus unicamente. Ele é quem pode verdadeiramente condenar alguém, mas não o faz, por amor ao ser humano. A missão dos discípulos pode custar-lhes a própria vida, e ainda assim vale a pena arriscar-se para transmitir a mensagem de Jesus. Cada pessoa é valiosa para Deus e goza de sua ternura e compaixão. Se se vendem dois pardais por um asse (unidade monetária de pouco valor) e, mesmo assim, nenhum deles cai sem o consentimento de Deus, quanto mais valor tem um discípulo de Jesus (v. 29). Se até mesmo os fios de cabelo são contados por Deus, muito mais atenção ele dedicará a quem vive a missão evangelizadora (v. 29-31). Essas imagens comunicam o cuidado de Deus com o ser humano, a obra- prima de sua criação (Gn 1,26; Sl 8,5). Os últimos versículos (v. 32-33) evocam um cenário forense. Reconhecer Jesus diante das pessoas é ser reconhecido por ele diante do Pai. Quem corajosamente se mantém firme na fé e no testemunho do Evangelho receberá a “recompensa” de permanecer com Jesus e o Pai. De modo contrário, quem se deixa levar pelo medo experimenta a condenação eterna, por envergonhar-se do Evangelho e fechar-se em si mesmo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
O que nos amedronta nos tempos atuais? Quais temores temos ao viver a fé cristã? Muitas situações paralisantes se apresentam diante de nós, desafiando-nos a professar a fé em Cristo. Por um lado, verifica-se atualmente uma tendência ao indiferentismo religioso no tocante ao culto; por outro, vários líderes religiosos usam indevidamente o nome de Deus para promoção dos próprios interesses e enriquecimento ilícito. A fé em Cristo parece desnecessária para muitos de nossos contemporâneos. Entretanto, a fé nos ajuda a encontrar sentido para a vida no mundo hodierno e a encarar as adversidades. A liturgia deste dia combate o medo e o acovardamento, que surgem com a insegurança e a falta da liberdade interior. As palavras de Jesus para não termos medo (Mt 10,26.28.31) devem ecoar interiormente e gerar confiança em Deus e no seu amor. Nós valemos muito, e Deus se importa conosco. Nenhum desafio é maior do que o amor de Deus por nós. Eis o apelo à coragem! No mais profundo, todas as pessoas anseiam por algo que dê sentido à sua existência. O Evangelho deve continuar sendo proposto e poderá encontrar ouvintes da Palavra que se disponham à experiência da fé.

Marcus Mareano*

*Pe. Marcus Mareano é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece); bacharel e mestre
em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje); doutor em Teologia Bíblica com dupla
diplomação: pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven); professor adjunto de
Teologia na PUC-MG e de disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador
paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]