Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2020 - ano 61 - número 335 - pág.: 47-50

25º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 20 de setembro

Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

Converter-se para aceitar os pensamentos de Deus e viver para Cristo

I. Introdução geral

O tema da liturgia é dado explicitamente pela primeira leitura: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55,8). É convite para conhecer e aceitar um Deus que não age conforme os critérios humanos, o que exige conversão, ou seja, mudança de mentalidade. O texto de Isaías funciona como introdução ao que é desenvolvido no Evangelho em forma de parábola, cuja conclusão é desconcertante: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (Mt 20,16). Está claro, portanto, que esta liturgia nos motiva a assumir nova lógica para vivermos de acordo com os valores de Deus, incompatíveis com as práticas humanas convencionais. A segunda leitura apresenta o testemunho de um cristão que assimilou a lógica de Deus em sua vida: Paulo, que abandonou todos os interesses pessoais para viver somente em função de Cristo e do seu Evangelho.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: Is 55,6-9

A primeira leitura é tirada da segunda parte do livro de Isaías (Is 40-55), obra de um profeta anônimo que exerceu seu ministério no exílio babilônico. Convencionou-se chamar esse profeta de “Segundo Isaías” e a sua obra de “livro da consolação”, em virtude da mensagem de consolo e esperança que transmite, elementos essenciais para um povo que vivia o momento mais difícil da sua história. Os versículos lidos neste domingo pertencem à parte conclusiva da obra e refletem o final do exílio, quando a libertação do povo já estava próxima.

Ao retornar, os exilados encontrariam a terra arrasada e o templo de Jerusalém destruído. Por conseguinte, o profeta convida-os a buscar e invocar o Senhor (v. 6) independentemente do lugar e das circunstâncias, pois sua presença transcende as limitações de tempo e espaço. Para fazer isso, o povo precisava mudar a imagem que tinha de Deus, o que requeria também abandonar as injustiças e iniquidades e voltar para o Senhor (v. 7). Na linguagem do Antigo Testamento, voltar para o Senhor significa conversão. E conversão, por sua vez, implica mudança radical de mentalidade. Aqui, o profeta indica que aquilo que mais deve ser mudado é o próprio conceito de Deus. Como os pensamentos de Deus são diferentes dos pensamentos humanos (v. 8), cabe ao povo assimilar sua maneira de pensar e de agir, abandonando concepções distorcidas que, muitas vezes, refletem mais um Deus criado à imagem e semelhança humana do que o contrário.

Sendo rico em misericórdia, Deus permite que o ser humano percorra seus caminhos, mesmo havendo uma distância abissal entre os caminhos de um e de outro (v. 9). Essa distância é quebrada quando o povo atende ao seu chamado à conversão e aceita a ideia de um Deus que pensa e age com bondade e misericórdia, de forma contrária à lógica humana da justiça retributiva, como será aprofundado no Evangelho desta liturgia.

2. II leitura: Fl 1,20c-24.27a

A segunda leitura deste e dos próximos três domingos é tirada da carta aos Filipenses, conhecida como o “testamento espiritual de Paulo”. Essa carta faz parte do grupo das “cartas do cativeiro”, pois foi escrita quando o apóstolo se encontrava preso, provavelmente em Éfeso, entre os anos 56 e 57. A comunidade de Filipos é muito significativa para a missão de Paulo, pois foi a primeira cidade europeia evangelizada por ele, durante sua segunda viagem missionária (At 16,11-15), de modo que havia uma relação muito íntima entre ambos. Localizado após a saudação inicial e a ação de graças (Fl 1,1-11), o trecho lido neste dia pertence à primeira parte da carta (Fl 1,12-30), na qual Paulo dá notícias da sua situação pessoal de prisioneiro e faz algumas exortações.

Ele tinha consciência de estar preso por causa do Evangelho e imaginava até que a morte já estivesse muito próxima. Mesmo assim, mantém-se seguro, alegre e confiante, pois tem consciência de glorificar a Cristo, seja com a vida ou com a morte (v. 20c). Por um lado, o viver para ele é Cristo, pois lhe permite continuar anunciando o Evangelho; por outro, o morrer é lucro, pois o leva à comunhão plena e definitiva com Cristo (v. 21). Ele vive verdadeiro dilema, embora pareça mais atraído pelo encontro com Cristo que a morte proporciona (vv. 22-23). No entanto, por causa dos irmãos e por fidelidade ao Evangelho, está disposto a adiar o encontro definitivo com Cristo, aceitando continuar a vida presente (v. 24).

Na conclusão, Paulo faz uma exortação, convidando os cristãos a viver à altura do Evangelho de Cristo (v. 27), como ele mesmo viveu. E isso consiste em assimilar a maneira de pensar de Deus, aceitando o ensinamento de Jesus, especialmente como é proposto no Evangelho deste dia.

3. Evangelho: Mt 20,1-16a

O Evangelho de Mateus contém três parábolas que empregam a imagem da vinha. Duas delas são exclusividade sua: a dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-16) e a dos dois filhos (Mt 21,28-32), enquanto a terceira, a dos vinhateiros homicidas (21,33-46), consta também nos outros sinóticos (Mc 12,1-12; Lc 21,33-46). Todas elas são lidas na liturgia, numa série de três domingos consecutivos, começando neste com a leitura da primeira.

Essa parábola está inserida na reta final do caminho de Jesus com os discípulos para Jerusalém. Ela sucede ao episódio do jovem rico (Mt 19,16-26) e – fazendo parte da resposta de Jesus à pergunta de Pedro sobre a recompensa que teriam aqueles que deixaram tudo para segui-lo (Mt 19,27-30) –, antecede o terceiro e último anúncio da paixão (Mt 20,17-19). Os três anúncios da paixão situam-se após ensinamentos de grande relevância para a comunidade, os quais não foram bem-aceitos nem compreendidos pelos discípulos. Isso significa que essa parábola, particularmente, contém uma mensagem indispensável para a comunidade, embora difícil de ser assimilada. Na verdade, quanto mais se aproximavam de Jerusalém, mais os discípulos alimentavam os ideais messiânicos de glória, prestígio e poder, imaginando a restauração do reino davídico. Como resposta, Jesus propõe o Reino dos céus, apresentando suas características e a necessidade de conversão para fazer parte dele.

Desde o Antigo Testamento, Deus é apresentado como o dono de uma vinha (Is 5,1-7); logo a vinha é imagem clássica de Israel, o povo que Deus escolheu como propriedade sua. Em Mateus, Jesus aplica essa imagem à comunidade cristã, embrião do Reino dos céus. A parábola mostra um proprietário zeloso: é ele mesmo quem sai para contratar os trabalhadores em diversas horas do dia (vv. 1.3.5-6). A propósito, o texto na língua original não traz o termo “patrão”, como está na versão litúrgica, e sim a expressão “dono de casa”, o que corresponde melhor à ideia de um Deus que é Pai, como Jesus quer revelar. Trata-se de um Deus que se relaciona pessoalmente com a humanidade, já não condicionado à mediação das lideranças religiosas.

Os diversos momentos em que o proprietário sai em busca de trabalhadores para a vinha demonstram que o Reino é inclusivo: todas as pessoas são chamadas a fazer parte dele. Ao contrário das religiões que segregam e excluem, classificando as pessoas entre justas e pecadoras, Jesus propõe um Reino acessível a todos, sem espírito de competição ou meritocracia. É claro que essa proposta encontra resistência, pois nem todos conseguem assimilar essa mentalidade nova que marca a passagem da religião do mérito para a gratuidade do amor. A parábola mostra isso com a resistência dos primeiros trabalhadores contratados na hora do pagamento (vv. 11-12). Aqui, Jesus denuncia o espírito de competição predominante nas sociedades e adverte os discípulos para não reproduzirem tais práticas. A parábola funciona também como denúncia de Mateus à situação da sua comunidade, composta predominantemente de cristãos oriundos do judaísmo, que reivindicavam privilégios em relação aos cristãos convertidos do paganismo.

O pagamento igual para todos os trabalhadores é demonstração de que, de fato, os pensamentos de Deus não são como nossos pensamentos, como ensina a primeira leitura. Deus tem o direito de fazer o que quiser com seu amor e sua misericórdia; e ele é bom para todos, indistintamente. A frase proverbial conclusiva (v. 16a) mostra a reviravolta na história que o advento do Reino propõe. Longe de ser uma exclusão dos primeiros, é uma forma enfática de afirmar que os últimos são acolhidos sem nenhuma discriminação. Só é possível acolher essa novidade por meio da conversão.

III. Pistas para reflexão

Mostrar a relação entre as três leituras, convidando a comunidade à conversão contínua para viver conforme os pensamentos de Deus. Com base no exemplo de Paulo, questionar se Cristo é mesmo o centro da vida da comunidade e de cada cristão. Recordar que o tempo de pertença à comunidade não é sinal de privilégio, mas de compromisso. É necessário que haja igualdade e harmonia entre todos os membros da comunidade.

Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).