Roteiros homiléticos

26º Domingo do Tempo Comum – 29 de setembro

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Arrogância: raiz de todos os males

I. Introdução geral

Tanto os líderes denunciados pelo profeta Amós quanto o rico da parábola contada por Jesus afundam-se num mar de arrogância. Sentem-se poderosos e tranquilos em suas devidas posições. No entanto, a segurança é como areia movediça. Logo eles começam a afundar e se veem sem firme fundamento. Tais personagens são experts em praticar o mal e não poupam energias para oprimir o próximo. Os arrogantes não enxergam aqueles que lhes são próximos, a não ser como instrumentos de manipulação e de empobrecimento. Por isso, todos os outros são, para eles, como se fossem incômodos que precisassem ser eliminados. Esquecem, porém, que, na tradição bíblica, Deus sempre está ao lado dos considerados invisíveis ou sobrantes. Tradição essa presente desde o livro do Êxodo, quando, de maneira solidária e misericordiosa, Deus se revela ao lado dos escravos, proporcionando-lhes nova possibilidade de existir.

II. Comentários dos textos bíblicos

  1. I leitura (Am 6,1a.4-7): a condenação dos que oprimem e se acham impunes

O profeta Amós investe contra a elite dirigente do reino do Norte. Ele inicia seu discurso com um “ai” condenatório. Condena o luxo e a riqueza que foram adquiridos por meio da exploração e da violência e causam, com isso, o empobrecimento da maioria do povo. Trata-se de exploração realizada sem qualquer tipo de hesitação moral. Os exploradores – diz o texto duas vezes – estão tranquilos: “tranquilos em Sião” e “deitam-se em camas de marfim”. Acham-se seguros para planejar a maldade contra os mais pobres e vivem como se fossem eternamente impunes. Por estarem fundamentados numa falsa segurança, transferiram a confiança em Deus para a confiança no templo; confiam na religião teatralizada, não no relacionamento certo com Deus. Vivem de maneira imprudente e descuidada. Sentem-se completamente seguros em Jerusalém e Samaria, cidades consideradas por eles geograficamente inexpugnáveis, ricas e militarizadas, onde habitam de forma imperturbável, sem nenhum constrangimento ético ou moral. O luxo excessivo, as camas de marfim demonstram a ostentação da riqueza adquirida mediante a exploração criminosa dos pobres. O profeta Amós, porém, está atento: viver luxuosamente, extraindo o pão da boca do pobre, é considerado insulto a Deus. Triste realidade a deles, pois Deus, que cuida dos pobres, acabará com a festa! O juízo é inevitável. O cálice de Deus transbordou. Os líderes do povo, especificamente, serão os primeiros contemplados com a dor do cativeiro. A alegria das festas cessou completamente para eles. Resta, agora, a dor do cativeiro.

  1. II leitura (1Tm 6,11-16): praticar o bem e evitar o mal

Na segunda leitura, encontramos uma exortação a Timóteo. São recomendações gerais e válidas para todos os vocacionados, tipificados na figura de Timóteo, o destinatário da carta. O modelo a ser seguido deve necessariamente ser Jesus, cujo testemunho não consistiu somente em palavras, mas também em sua paixão e morte. Praticar o bem e evitar o mal é tema e orientação que encontramos nos profetas. A prática do bem faz parte inevitável da construção do ser humano. Por isso, o apóstolo Paulo denomina Timóteo de “homem de Deus”, termo pelo qual alguns profetas do Antigo Testamento eram chamados. Há dupla instrução de Paulo a Timóteo. A primeira delas indica tudo aquilo de que o “homem de Deus” deve fugir, ou seja, caraterísticas e/ou modo de viver a que ele não pode se associar ou que não pode desenvolver em seu cotidiano. A orientação é clara: deve existir profundo distanciamento de Timóteo de tudo quanto possa afastá-lo do projeto de Jesus. A segunda instrução tem um caráter positivo, indicando tudo quanto ele deve procurar a fim de bem se construir como líder e discípulo de Jesus: justiça, piedade, fé, amor, perseverança, bondade. O texto finaliza com uma doxologia, dirigida a Deus, apresentado como ator último da manifestação gloriosa de Jesus. Os títulos usados para Deus são de dois tipos: alguns são extraídos do Antigo Testamento – Rei dos reis e Senhor dos senhores – e outros pertencem ao ambiente helenístico, como o destaque dado a atributos como imortalidade ou à metáfora da luz inacessível. Todos os títulos buscam o mesmo objetivo: exaltar e enfatizar a transcendência e superioridade divina sobre os seres humanos.

  1. Evangelho (Lc 16,19-31): afastamo-nos de Deus quando desprezamos o próximo

O abismo existente entre o homem rico e Lázaro (um no céu, outro no inferno) é uma reprodução do primeiro e mais essencial abismo existente entre os dois, ou seja, riqueza e pobreza, fartura e fome. Lázaro era, para o homem rico, um sobrante da sociedade; uma figura invisível, ainda que ficasse deitado diariamente à porta do rico. Púrpura, linho e alimentação abundante fazem parte da vida do homem rico. Perceba-se, porém, que, tendo tudo, ele não tem nome e, assim, não tem nada. Por sua vez, o pobre invisível, faminto e doente, que não tinha nada, tinha nome – Lázaro – e, por conta disso, tinha tudo. Deus chama seus pequeninos pelo nome, indicando, dessa forma, proximidade e personalização. Para Deus, Lázaro não é um sobrante nem um ser humano descartável. É, sim, uma pessoa que vive junto a Ele. A arrogância do rico, contudo, parece não ter fim. Mesmo no tormento da habitação dos mortos, vê Lázaro (que já não está invisível a seus olhos) e pede que Abraão o envie para refrescá-lo com algumas gotas de água. O rico o enxerga agora, mas enxerga o pobre, faminto e doente como se fosse um servo à sua disposição. É interessante observar que a maldade do rico se estende, quase que hereditariamente, aos seus cinco irmãos. Todos eles reproduzem o mesmo comportamento, o que explica a insistência em avisá-los do que lhes estava reservado.

O cuidado com os mais pequeninos não apenas nos aproxima deles, mas também do próprio Deus. Qual teria sido o pecado do rico? Afinal, ele não havia ordenado aos seus servos que dessem fim à presença incômoda de Lázaro; não o impediu de pegar o pão que caía da mesa; também não usou de violência física e crueldade aparente. Qual o pecado, então? Foi não prestar atenção suficiente em Lázaro, mas aceitar que sua condição fosse parte natural do cenário; o pecado de achar natural e inevitável a dor e a fome do outro, enquanto ele, de sua parte, se alegrava e banqueteava. Não foi, aparentemente, o que o rico fez que o condenou, mas sim o que não fez é que o levou ao inferno. Seu pecado foi olhar o sofrimento de alguém próximo sem sentir compaixão; ver o outro faminto e dolorido e não fazer nada. A dor do outro não doía nele. O castigo dele foi o de alguém que nunca se deu conta de nada. Faltava-lhe, e possivelmente a muitos atualmente, a compreensão de que não existe sofrimento estranho. A dor e o sofrimento do outro devem sempre ser compreendidos como o melhor lugar para viver a prática do acolhimento, do cuidado, da ternura, da paixão e da compaixão pelo que sofre.

III. Pistas para reflexão

1) O profeta Amós faz dura crítica aos líderes que agiam com violência e exploravam o povo. Viviam tranquilos no luxo e na riqueza. Achavam-se seguros tanto social quanto espiritualmente. Triste engano deles. Deus, para o profeta, é o Deus que cuida dos pobres. Quais outras referências bíblicas você conhece sobre o cuidado e proteção de Deus em relação aos pobres?

2) A prática do bem é por demais estimulada nos textos bíblicos. Abandonar o mal e reaprender a fazer o bem é expressão própria dos profetas. Paulo nos aconselha a ser artífices do bem, e não anunciadores de maldades.

3) O cuidado dos mais pequeninos faz que nos aproximemos também de Deus. Quão próximos nos encontramos dele? Se dez vezes formos aos pobres, dez vezes nos encontraremos com Deus.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.