Roteiros homiléticos

2º Domingo da Páscoa – 19 de abril

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Igreja: comunidade de vida

I. Introdução geral

A Igreja deve sempre ser pensada como uma comunidade de vida. Um lugar em que homens e mulheres vivam o discipulado em sua plenitude. Uma comunidade naturalmente terapêutica, missionária, fraterna e reflexiva. Uma comunidade que impacta a vida tanto daqueles que estão dentro quanto dos que se encontram fora. Por isso, a comunidade é geradora de nova realidade de fé. No entanto, não se trata se uma fé passiva ou que produza alienação. Ao contrário, estamos diante de uma expressão de fé que conduz a comunidade a ser missionária e a anunciar a todos o projeto transformador de Jesus.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: At 2,42-47

A leitura traz o primeiro sumário do que podemos considerar uma comunidade-modelo. Devemos pensar uma comunidade-modelo não como a isenta de erros e inadequações, mas como aquela que deseja ser sinal autêntico de Jesus nas estruturas da sociedade, bem como na forma de viver comunitária. Desse modo, a comunidade de Atos, com suas características, pode ser compreendida como o contraponto da sociedade que circundava o povo de Deus. A comunidade-modelo de Atos é fundamentada em quatro pilares, a saber: catequese, vida comunitária, Eucaristia e oração. Os quatro pilares agem tanto internamente quanto externamente. Trazem, assim, duplo impacto: no interior da comunidade, produzem a construção de nova realidade à luz do projeto de Jesus: novas relações interpessoais, novas relações econômicas, novas relações de ensino, novo relacionamento com Deus; externamente, por causa da prática interna, angariam a estima de todo o povo. O jeito de ser do povo de Deus impactava diretamente aqueles e aquelas que ainda não haviam aderido a Jesus. Por conta disso, a primeira comunidade-modelo pode também ser considerada uma comunidade missionária.

2. II leitura: 1Pd 1,3-9

Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo, fez-nos renascer para uma esperança viva. Assim, para o autor da carta, a ressurreição de Jesus atinge plenamente o ser humano, retirando-o de uma vida sem esperança e sem sentido, e conduzindo-o para a plenitude da vida. No entanto, não se deve pensar que a herança no céu se refira a uma forma escapista de viver ou mesmo fatalista e conformista. Trata-se, isso sim, da afirmação de que, embora os fiéis vivam entre “diversas provações” (v. 6), Deus assume, com seu poder, a cada um deles, seus filhos e filhas. O sofrimento, nesse sentido, pode ser compreendido como purificador. E, dessa forma, a esperança ganha relevância no texto. A fé também é mostrada em sua essencialidade. Ela é mais preciosa do que o ouro. Mediante a fé, alcançamos a salvação de nossas vidas, pois com ela podemos amar Jesus mesmo que jamais o tenhamos visto; não o vemos, e cremos profundamente nele. Além disso, por conta da presença dele, extravasa-se uma alegria contagiante, que não se pode explicar.

3. Evangelho: Jo 20,19-31

A repreensão dirigida a Tomé é um convite a diferenciar entre a prova e o sinal. A fé, em si, não admite nenhuma demonstração. Ela não pode fazer mais do que surgir livremente dos sinais que são propostos. Contemporaneamente, parece que tudo é reduzido a provas. Até mesmo canonizamos a prova em detrimento do sinal. Por que não dizer que a fé somente pode nascer do único lugar capaz de ler os sinais, isto é, do coração? Tomé sente a dúvida crescer quanto mais se afasta da comunidade. Somente no meio da comunidade é que podemos crescer no amor e na unidade, fazer a experiência de fé que nos leva ao coração do Ressuscitado. Tomé não tinha uma fé amadurecida. Sua fé se encontrava em processo de maturidade. O texto do evangelho não chega a dizer se Tomé tocou em Jesus. Em compensação, traz uma declaração pública de fé, pois, a partir daquele momento, Tomé passou a acreditar de todo o coração. No entanto, não podemos nos esquecer de que Jesus também dirige a cada um de nós uma palavra importante, como a que segue: “Felizes os que creem sem ter visto” (v. 29). Essa palavra nos retira da zona de conforto e nos leva a exercitar uma fé amadurecida e sincera. A experiência do Ressuscitado nos transforma em verdadeiros anunciadores da maior força que já existiu em toda a história humana, isto é, a única força capaz de vencer a morte!

Tomé quer acreditar, mas do jeito dele. Querendo acreditar, faz o caminho inverso. Parece um discípulo mesquinho que se afasta do testemunho da comunidade. Ele somente acreditava segundo seus padrões já estabelecidos. Ao desejar uma manifestação pessoal e especial de Jesus ressuscitado, talvez estivesse desejando controlá-lo e manipulá-lo. Tomé possivelmente quisesse um Ressuscitado à sua imagem e semelhança. Ele individualiza a experiência comunitária, ao dizer por três vezes: “Se eu não ouvir... se eu não colocar... se eu não colocar...” (v. 25). Egoisticamente, reduz a experiência coletiva do Ressuscitado à sua própria experiência. Portas fechadas indicam medo e insegurança. Pois é exatamente nesse ambiente marcado pelo medo que Jesus aparece, se coloca bem no meio dos discípulos e os saúda com a paz. O Cordeiro que havia vencido a própria morte se apresenta com os sinais da vitória. Há comunhão e alegria no ar – uma demonstração de todos aqueles que se encontram com Jesus. E, a partir do encontro, a comunidade se fortalece para a missão. Não se fazem discípulos sem missão. Ser discípulo é assumir responsabilidades, e não privilégios. Jesus bem sabia disso e, por isso, disse enfaticamente: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês” (Jo 20,21). Fortalecidos pela presença do Espírito, eles poderão estabelecer novas formas de convivência com base nas quais o pecado que separava uns dos outros cederá lugar ao reino do perdão e do amor mútuos.

Jesus chega trazendo a paz ao coração daqueles que estavam perturbados. Ele é o doador da paz. Se tirarmos Jesus do centro de nossas vidas, teremos o caos inevitável. Ele não somente traz a paz, mas também pede que essa mesma paz seja levada a outras pessoas. Quem vai garantir a missão da comunidade é o Espírito Santo. Espírito que gera força e relembra simbolicamente a ação de Javé quando criou o ser humano. Jesus, entre os seus, é o próprio criador da comunidade. Se a comunidade tem medo, agora ela passa a se guiar pela presença de Jesus ressurrecto. Já não há espaço para o medo no coração, pois este está totalmente ocupado com a presença de Jesus.

III. Pistas para reflexão

1) A experiência do Ressuscitado nos transforma em verdadeiros anunciadores da maior força que já existiu em toda a história humana, a única força capaz de vencer a morte! Como viver a ressurreição de Jesus em meio às múltiplas faces da morte presentes em nossa sociedade?

2) Em que medida as características da comunidade primitiva se manifestam em nossa comunidade atual? Relações de comparação poderiam ser feitas com objetivo pedagógico. O objetivo seria perceber se a comunidade atual está próxima ou distante das características da comunidade primitiva.

Luiz Alexandre Solano Rossi

é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.