Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2021 - ano 62 - número 337 - pág.: 63-64

2º DOMINGO DA QUARESMA – 28 de fevereiro

Por Izabel Patuzzo

O Filho transfigurado

 I. INTRODUÇÃO GERAL

O Evangelho do 2º domingo da Quaresma é o relato da transfiguração de Jesus. O Mestre toma consigo Pedro, João e Tiago para subirem com ele à montanha. Os três são testemunhas da grande revelação de que Jesus é o Filho amado de Deus. No alto da montanha, Jesus se transfigura diante deles, na presença de Moisés e Elias – dois grandes líderes de Israel, que as Escrituras apresentam como mediadores entre Deus e o povo. Moisés é aquele que mediou a entrega da Lei com todos os ensinamentos e preceitos; Elias, o grande profeta que defendeu os pobres da terra e a justiça.

A primeira leitura narra a oferta de Isaac realizada por Abraão, a qual prefigura a infinita bondade de Deus e a obediência total de Jesus, que se entregará como o verdadeiro sacrifício por sua morte de cruz. O sacrifício de Isaac que Deus recusa, porque não quer o sacrifício humano, vai se realizar em Jesus, pois ele, livremente e por amor, entrega a vida na cruz.

Depois de sua transfiguração, Jesus toma a firme decisão de descer a montanha e se direcionar para Jerusalém, onde aceitará a morte de cruz para ser fiel ao plano do Pai. Sua morte não foi um projeto traçado por Deus, mas consequência de sua fidelidade à missão. Sua sentença de morte é o resultado de uma condenação humana injusta, realizada pelas autoridades, que se desviaram das Escrituras.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18)

A primeira leitura apresenta o drama de Abraão com seu filho Isaac. O relato do sacrifício de Isaac tem como base uma tradição antiga que circulava na Palestina. Era uma história, com finalidades catequéticas, que contava o fato de que Deus havia salvado uma criança de um sacrifício, preservando a vida do inocente e revelando que somente animais deveriam ser oferecidos. Os descendentes de Abraão aplicaram esse ensinamento ao drama da oferta de seu amado filho, Isaac. O Deus de Abraão era o Deus da vida e, diferentemente dos deuses cananeus, não aceitava sacrifício humano.

Segundo a tradição dos patriarcas, Abraão foi o grande pai dessa fé no Deus da Aliança, protetor da vida. Ele passou por muitas provas, mas sempre foi fiel a tudo o que Deus lhe pedia. Compreendeu que Deus era rico em bondade e misericórdia e que havia aceitado o sacrifício do carneiro em lugar de seu filho. No início de sua caminhada de fé, Abraão sentiu-se posto à prova, pois ainda estava iniciando nova experiência de fé, estabelecendo os primeiros fundamentos dos princípios que norteariam a caminhada do povo escolhido. Ainda tinha a tentação de comparar o Deus verdadeiro com deuses de povos vizinhos, a quem eram oferecidas vidas humanas. Abraão superou todas as provas e foi agraciado com a revelação de que Deus era a favor da vida; o patriarca carregou esse grande drama, essa luta interior, mas aceitou ser guiado por Deus.

2. II leitura (Rm 8,31b-34)

Paulo escreve à comunidade dos romanos durante sua terceira viagem missionária, quando começa a planejar levar o Evangelho de Jesus Cristo à cidade de Roma. O objetivo dessa carta era preparar sua visita à comunidade. Dessa forma, ele procura entrar em contato com os cristãos de Roma para orientá-los pastoralmente. Um dos graves problemas ali presentes era a falta de unidade, pois a comunidade integrava judeus e gentios. Nesse contexto de divisão interna, o apóstolo recorda os destinatários da carta de que em Jesus Cristo não há distinção entre judeus e gentios, pois Jesus nos congrega em um só povo.

Paulo acredita profundamente no Evangelho que anuncia; o Deus revelado em Jesus Cristo, pelo apóstolo anunciado, tem um amor profundo, total, radical, que nada nem ninguém conseguem apagar. Esse amor, que supera toda forma de divisão e é oferecido a todos, transforma cada discípulo e o capacita para viver o amor fraterno universal; enche o coração do cristão de coragem para enfrentar as adversidades da vida; é fonte de confiança em que Deus é por nós, aconteça o que acontecer. O discípulo vive pela fé em Jesus Cristo, por ela serve e se entrega por amor.

3. Evangelho (Mc 9,2-10)

O relato da transfiguração, segundo o Evangelho de Marcos, é apresentado logo depois que Jesus anuncia sua paixão aos discípulos. É nesse contexto que Jesus começa a prepará-los para aceitar que sua morte na cruz faz parte de sua missão; a cruz que também cada discípulo será chamado a carregar. O evento da transfiguração é momento de grande consolo e conforto antes de subirem a Jerusalém, onde acompanharão o processo da paixão, morte e ressurreição do Mestre. Os acontecimentos finais em Jerusalém serão de grande impacto na vida dos discípulos. O sofrimento de Jesus abalou a todos. Foi como ficar sem chão. Por isso Pedro deseja permanecer no alto da montanha, contemplando a glória de Jesus e a presença de Moisés e Elias. A sugestão da construção de três tendas – uma para Moisés, uma para Elias e outra para Jesus – significa que Pedro resiste a descer da montanha e ir para Jerusalém.

No evento da transfiguração, o Pai revela que Jesus é seu Filho amado. A comunidade de Marcos, ao recordar o fato, faz o anúncio querigmático de que Jesus é o Senhor, o Messias enviado, e nele se cumpriram as Escrituras. Moisés e Elias surgem como testemunhas de que o Filho de Deus é maior que eles. Por isso desaparecem, e a voz de Deus anuncia que Jesus é o Filho amado, cuja Palavra os discípulos devem escutar. Isso implica observar tudo que o Mestre fez e ensinou. E ele ensinou a trilhar o caminho do serviço, da doação, da solidariedade, a assumir a cruz da missão, do mesmo modo que fez ao descer da montanha.

III. Pistas para reflexão

A contemplação da transfiguração de Jesus durante a caminhada quaresmal tem o sentido de nos preparar para o mistério que em breve vamos celebrar: a subida do Senhor para Jerusalém a fim de entregar sua vida. Um olhar desatento pode querer concluir que Jesus não tinha plena consciência do que iria acontecer ou que não teve escolha. O evento da transfiguração nos revela que Pedro queria permanecer na montanha. Lá era agradável, não havia necessidade de ir a Jerusalém. No entanto, Jesus assume sua missão até as últimas consequências. Embora fosse pessoa com sentimentos, tristezas e angústias, não pede ao Pai que mude sua missão.

O que significa, em nossa vida cotidiana, querer ficar na montanha? Quais são os medos de descer da montanha e se direcionar para Jerusalém? Recorda-nos o papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, sobre o chamado à santidade no mundo atual (GE 92.94): “A cruz, especialmente as fadigas e os sofrimentos que suportamos para viver o mandamento do amor e o caminho da justiça, é fonte de amadurecimento e santificação. [...] Abraçar diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas: isto é santidade”. É o caminho do discipulado.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]