Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2022 - ano 63 - número 343 - pág.: 46-49

2º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 16 de janeiro

Por Izabel Patuzzo

Fazei tudo o que Ele vos disser

I. INTRODUÇÃO GERAL

Esta liturgia constitui a primeira celebração dominical do novo tempo litúrgico que estamos iniciando: o Tempo Comum. Neste ano, iremos refletir sobre o Evangelho segundo Lucas. Ocasionalmente, a liturgia nos traz alguns textos do Evangelho segundo João, como acontece neste domingo. O Evangelho deste dia nos apresenta o início do ministério de Jesus, o primeiro sinal que ele realiza, segundo a narrativa de João.

Para situar o texto desse Evangelho no contexto do Evangelho segundo João, é importante notar que o relato vem logo depois do chamado dos primeiros discípulos. O evangelista nos diz que Jesus, sua Mãe e seus discípulos foram convidados para uma festa de casamento em Caná da Galileia. João, no seu Evangelho, não fala em milagres, mas dos sinais que Jesus realizou para indicar sua identidade aos discípulos. Todos esses sinais evidenciam a origem divina de Jesus. Ao narrá-los, o objetivo de João é suscitar a fé em Jesus Cristo. O evangelista, ao concluir sua obra, recordará que Jesus realizou muitos outros sinais não registrados no seu relato, mas os sinais narrados têm como objetivo fazer que todos creiam que Jesus é, de fato, o Filho de Deus enviado ao mundo para redimir a humanidade.

A primeira leitura, do livro do profeta Isaías, usando de imagens próprias de casamento, define o amor de Deus como inabalável e eterno. Deus desposa seu povo escolhido, e nesse amor reside a alegria de Deus e de seu povo.

Na segunda leitura, Paulo fala dos carismas que o Espírito Santo concede à Igreja como dons. Os carismas ou dons são sinais do amor de Deus para a comunidade. Por isso, todos devem pôr esses dons a serviço uns dos outros. Para o apóstolo, é essencial que, na comunidade cristã, a diversidade dos carismas favoreça a unidade, o serviço e a comunhão.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Is 62,1-5)

O texto da primeira leitura pertence à terceira parte do livro do profeta Isaías, também chamada de Trito-Isaías ou Terceiro Isaías, a qual reúne uma coleção de escritos anônimos atribuídos ao profeta Isaías. Talvez o autor ou os autores do Terceiro Isaías fossem membros da comunidade que se formou sob a liderança desse profeta. A leitura descreve os fatos ao redor de Jerusalém depois do exílio da Babilônia. É um cenário de destruição e desolação após a guerra. São tempos difíceis, e os habitantes da cidade vivem em situação de extrema pobreza. Enfrentam a humilhação da dominação estrangeira, bem como a perda da autonomia política e econômica. É nesse cenário que o profeta dirige sua mensagem de esperança ao povo. A reconstrução da relação com Deus é o centro do anúncio profético.

O profeta retoma o tema do amor conjugal, descrevendo Jerusalém – que simboliza o povo escolhido – como a esposa do Senhor Deus. O amor inquebrantável de Deus para com seu povo é o grande sinal de esperança. É sobre esse amor eterno que as relações devem ser reconstruídas. Jerusalém abandonou a Deus quando adorou outros deuses, corrompendo-se diante das propostas injustas de outros povos e abandonando suas tradições religiosas. Deus deixou de ser seu único Senhor. O profeta recorda que, da parte de Deus, esse amor nunca foi quebrado. Por isso, Ele continua a chamar seu povo de “minha esposa preferida” e “bem-amada”. A nova Jerusalém é a alegria do Senhor. É ele que toma a iniciativa de refazer a Aliança e novamente caminhar com seu povo escolhido.

2. II leitura (1Cor 12,4-11)

A primeira carta de Paulo aos Coríntios destaca a importância da diversidade dos carismas, em uma longa seção de dois capítulos. Esse tema é considerado extremamente importante para essa comunidade. Carismas, aqui, têm o sentido também de graça divina, dom do Espírito Santo. O apóstolo adverte que, embora esses dons sejam concedidos para o bem de todos, podem ser usados para o mal, sobretudo quando são motivo de competição, divisão e orgulho, ou quando se faz uma hierarquia entre eles.

Na comunidade de Corinto, alguns membros estavam se considerando mais importantes que outros em virtude dos dons que possuíam. Estamos diante de uma comunidade com profundas divisões entre seus membros, porque alguns dons eram supervalorizados e outros considerados pouco importantes. Tais atitudes provocaram grande desarmonia e conflitos; algumas pessoas com certos dons se consideravam mais importantes e usavam tais dons para atrair aplausos, gerando individualismo. É justamente esse problema que Paulo resolve enfrentar, ajudando a comunidade a perceber que a diversidade de carismas existe para o crescimento da comunidade. Todos os carismas têm igual importância, assim como, no corpo, todos os membros são importantes; a falta de um só que seja provoca desequilíbrio. Paulo recorda, ainda, que não se trata de méritos pessoais, mas de dons do Espírito Santo concedidos à comunidade para o bem de todos.

3. Evangelho (Jo 2,1-11)

A transformação da água em vinho nas bodas de Caná, logo após o chamado dos primeiros discípulos, é o primeiro de uma sequência de sete sinais que serão realizados por Jesus. No Evangelho segundo João, todos esses sinais revelam quem é Jesus. Desse modo, seus ouvintes conhecerão sua identidade. Essa sequência de sinais culminará com sua exaltação, depois de passar pela morte de cruz.

A presença da Mãe de Jesus tem um sentido particular no Evangelho segundo João. Ela também estará presente junto à cruz, onde receberá a nova missão de cuidar da comunidade que Jesus instituiu. Para o evangelista João, Maria tem um papel muito importante na obra salvífica de seu Filho. Por isso, na primeira cena do sinal realizado por Jesus, ele dialoga com sua Mãe; e Maria conclui essa conversa entre os dois com a observação típica de um discípulo fiel, dizendo: “Fazei tudo o que ele vos disser”.

A narrativa nos dá uma referência geográfica muito importante: o sinal foi realizado em Caná da Galileia. Jesus dá início à sua missão pública nas periferias da Galileia. É exatamente aí que se inicia a manifestação de sua origem divina e sua hora se aproxima. O vinho era elemento indispensável na celebração de casamento, pois simbolizava o amor entre o esposo e a esposa. Na realização do sinal, Jesus estabelece algumas condições: encher de água as talhas de pedra e depois retirar uma porção, para que o chefe da mesa provasse. Dessa forma, o evangelista evidencia que Jesus é aquele que aponta o caminho para o vinho novo. É ele quem dá as diretivas, é ele quem tem a última palavra. O chefe da mesa não sabe de onde vem o melhor vinho, mas aquele que narra o sinal testemunha que sabe de onde vem. O verdadeiro discípulo de Jesus dá testemunho daquilo que viu e ouviu. Conhece suas obras.

O Evangelho segundo João, ao apresentar o início da vida pública de Jesus, não relata o chamado à penitência e à conversão, como o fazem os demais evangelistas; tampouco fala do anúncio iminente do Reino de Deus. No quarto Evangelho, Jesus começa sua atuação no meio do povo com uma ação simbólica que põe em evidência aquilo que ele veio trazer ao mundo: a alegria e o fim dos tempos de escassez. O vinho em abundância significa que sua presença, sua vinda, é uma festa com o melhor vinho. Não somente seus discípulos e sua Mãe são agraciados com essa festa alegre, mas todas as pessoas que participam das bodas.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O evangelista João nos brinda com esse texto, que nos fala de que modo Jesus veio revelar um Deus misericordioso, terno, que alegra seus filhos e filhas com sua presença. O vinho que Jesus veio trazer é justamente a alegria da Aliança eterna que ele confirmou com seu sacrifício na cruz. Esse vinho é sinal do amor verdadeiro e da alegria que nos faz festejar com a presença de Jesus e dos irmãos e irmãs. A celebração em comunidade faz, de fato, nosso coração se alegrar com a presença de Jesus e dos irmãos e irmãs?

O que cada personagem dessa narrativa nos ensina? O que nos ensina a Mãe de Jesus, a qual olha para o que falta? Quem incentiva as pessoas a fazer o que Jesus ordena? Aqueles que acolhem as diretivas de Jesus? Aquele que dá testemunho de onde vem o melhor vinho? Aqueles que se alegram com sua presença e com o vinho novo que Jesus traz? Que lugar ocupo nessa festa?

Nas Escrituras, as imagens de casamento servem para descrever a relação amorosa de Deus com as pessoas. A ausência do vinho nas bodas de Caná nos faz sério questionamento: onde está faltando vinho na nossa vida e em nossa comunidade de fé? Quais são as situações de escassez em nossa sociedade que somente Jesus pode saciar? O que devemos fazer para que a alegria do vinho novo que Jesus oferece chegue a todos?

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]