Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2020 - ano 61 - número 335 - pág.: 62-64

30º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 25 de outubro

Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

O maior mandamento é o amor

I. Introdução geral

No centro desta liturgia está o tema do amor a Deus e ao próximo, definido por Jesus como o maior mandamento da Lei e coração de toda a Escritura. É isso o que afirma o Evangelho, no qual Jesus responde a um questionamento dos fariseus, mostrando não apenas o primado do amor sobre todos os demais mandamentos, mas também afirmando que o amor a Deus é inseparável do amor ao próximo. Sem dúvida, essa é uma das novidades da mensagem de Jesus, constituindo o centro da experiência de vida cristã. A conclusão de Jesus, no entanto, foi preparada pela Escritura, e a primeira leitura é uma demonstração disso: os cuidados especiais com as pessoas mais vulneráveis, como o estrangeiro, a viúva, o órfão e o pobre, são expressões do único amor que o ser humano deve a Deus; da mesma forma, quando alguém pratica qualquer injustiça contra essas pessoas, ofende também a Deus. A perseverança e o fervor dos tessalonicenses, não obstante os desafios, demonstram quanto o amor estava enraizado entre eles, graças ao testemunho de Paulo, como ensina a segunda leitura.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: Ex 22,20-26

A primeira leitura é tirada do livro do Êxodo, especificamente de uma seção denominada “Código da Aliança” (Ex 20,22-23,33). Esse código é uma coleção de normas para regular a vida do povo em seu cotidiano, incluindo o culto e as relações sociais. Localizado logo após o Decálogo (Ex 20,1-21), o Código da Aliança funciona como uma explicação pormenorizada e prática dos Dez Mandamentos. O texto lido na liturgia contém algumas exigências ético-sociais para a proteção e o cuidado das três categorias de pessoas mais vulneráveis de Israel: 1) o estrangeiro; 2) a viúva e o órfão; 3) o pobre. Nesse texto, viúva e órfão compõem uma mesma categoria, como explicaremos a seguir.

Nas culturas do antigo Oriente, as pessoas se sentiam muito vinculadas à terra de origem e ao clã. Longe de suas raízes, o estrangeiro se tornava bastante desprotegido e vulnerável; geralmente, era maltratado e escravizado (v. 20), pois essas culturas eram muito fechadas. A hospitalidade era um valor caro àquelas culturas, mas ficava reservada aos membros do próprio povo. Nesse sentido, Israel mostrou-se bastante evoluído, não apenas propondo a proteção do estrangeiro em suas leis, mas incluindo-o entre as pessoas protegidas de Deus. A motivação para isso era a própria história: Israel viveu como estrangeiro no Egito, onde foi oprimido e escravizado; logo, não podia ser conivente com essa prática.

Nesse texto, viúva e órfão compõem uma mesma categoria (vv. 21-23), pois estão expostos ao mesmo tipo de vulnerabilidade: a falta de um homem adulto para os proteger. Nas sociedades patriarcais, a tutela de um homem era imprescindível para a proteção da família. Mulher sem marido e filho(s) sem pai(s) eram sinônimos de pessoas desprotegidas. Quando a viúva não tinha um filho adulto para cuidar da herança, era comum os grandes proprietários e até familiares próximos confiscarem seus bens, deixando-a na miséria. O mesmo acontecia com os órfãos, quando não tinham um irmão adulto para protegê-los. A figura do pobre ou indigente (vv. 24-26) é o protótipo da pessoa historicamente necessitada e explorada. Para sobreviver, os pobres eram obrigados a contrair dívidas, sendo explorados pela cobrança de juros e tendo de empenhar os bens mais básicos, como o manto. Além de necessário para proteger do frio, o manto era um sinal da dignidade da pessoa. A recomendação para a devolução do manto antes que venha a noite é detalhe que enfatiza a totalidade dos cuidados de Deus: ele se preocupa até com o frio que os pobres sentem. Tal advertência também ensina que a dignidade humana é inviolável e inalienável.

A proibição de opressão ao estrangeiro, à viúva e ao órfão e ao pobre transforma o cuidado com eles em mandamento. É Deus mesmo quem os protege e se revela intolerante com quem os oprime. A ação contra essas pessoas ou a omissão diante do sofrimento delas são ofensas ao próprio Deus. A inseparabilidade entre o amor a Deus e ao próximo já se delineia aqui.

2. II leitura: 1Ts 1,5c-10

Continuamos a leitura da primeira carta aos Tessalonicenses, iniciada no domingo passado. O texto lido hoje ainda faz parte da ação de graças da carta (1Ts 1,2-10). As notícias recebidas sobre a situação da comunidade de Tessalônica deixaram Paulo bastante entusiasmado. Como resposta, enviou uma carta, expressando muita gratidão a Deus e ao próprios tessalonicenses pela perseverança e pela fidelidade ao Evangelho e estimulando-os a continuar firmes e fervorosos na fé. Ao mencionar as qualidades da comunidade, motivo da sua gratidão, Paulo fornece verdadeiro retrato dela.

A resposta generosa e alegre dos tessalonicenses ao Evangelho, apesar das tribulações, fez deles modelo de fé para os cristãos da Acaia e da Macedônia, as duas províncias romanas da Grécia (vv. 7-8); tal menção significa que a fama deles se espalhou por toda a região. Com isso, os tessalonicenses estavam imitando o exemplo de vida de Paulo, que também sofria tribulações ao viver e anunciar o Evangelho, e principalmente de Cristo, que sofreu a morte de cruz por fidelidade ao Pai (v. 6). Quando a escuta da Palavra de Deus se transforma em testemunho, inevitavelmente essa Palavra se espalha e se torna ainda mais fecunda (vv. 8-9).

A fé viva dos tessalonicenses é prova de adesão ao amor de Deus; a relação deles entre si e de Paulo com eles é extensão desse amor. É esta a dinâmica da vida cristã: amor a Deus e ao próximo, inseparáveis.

3. Evangelho: Mt 22,34-40

O Evangelho apresenta mais um episódio do ministério de Jesus em Jerusalém. Como sabemos, essa foi a fase mais tensa de toda a sua vida. Após uma entrada triunfante na cidade, sendo aclamado como Filho de Davi e profeta (Mt 21,1-11), logo surgiram conflitos com as classes dirigentes, que não aceitavam sua proposta de Reino dos céus e, consequentemente, não o reconheciam como Messias. Enquanto ensinava no templo, Jesus desmascarava o poder dos sacerdotes e anciãos (Mt 21,23-22,14) e denunciava a hipocrisia e o fundamentalismo dos fariseus e escribas na interpretação da Lei (Mt 22,15-23,36). Em uma série de controvérsias, os fariseus armavam ciladas contra Jesus com perguntas difíceis, esperando respostas que lhes dessem motivos para acusá-lo de desvio de doutrina.

O texto deste domingo mostra mais uma controvérsia, desta vez relativa à Lei. Na questão relativa ao imposto (cf. o comentário do domingo passado), Jesus deixou os fariseus sem palavras (Mt 22,22); conseguiu também calar os saduceus em uma questão sobre a ressurreição (Mt 22,23-33). Depois disso, os fariseus se reuniram em grupo e elaboraram nova questão para Jesus, certamente com maior cuidado (v. 34); escolheram um deles para fazer a pergunta com o objetivo de experimentá-lo (v. 35), o que significa tentar. Eis a pergunta: “Qual é o maior mandamento da Lei?” (v. 36). Embora pareça simples, essa questão era muito complexa na época. Entre os fariseus, predominava a opinião de que o maior mandamento era o preceito do sábado, pois alegavam que até mesmo Deus guardava esse mandamento na criação (Gn 2,2-3; Ex 20,8-11; Dt 5,12-15). Recorde-se que, durante o ministério na Galileia, Jesus tinha sido acusado de relativizar o sábado, ao pôr o bem do ser humano acima de qualquer preceito (Mt 12,1-14). De fato, ao longo de toda a sua vida, Jesus interpretava a Lei com muita liberdade, sem preocupação alguma com a ortodoxia vigente na época; logo, os fariseus imaginavam que, após essa pergunta, teriam argumentos mais sólidos para acusá-lo.

Como sempre, a resposta de Jesus transcende a pergunta. Ele recorre a duas passagens do Antigo Testamento (Dt 6,5; Lv 19,18), sem classificar hierarquicamente os Mandamentos, mas apresentando, com sua resposta, um modelo de vida. Assim, propõe o amor a Deus com toda a intensidade do ser da pessoa (vv. 37-38) em paralelo com o amor ao próximo como a si mesmo (v. 39), como se fossem as duas faces de uma mesma moeda. O mandamento por excelência é o amor; e este só é concreto quando é destinado simultaneamente a Deus e ao próximo. A novidade do seu ensinamento está nisso. A propósito, é do equilíbrio dessas duas dimensões do amor que depende o sentido global das Escrituras, ou seja, a Lei e os Profetas (v. 40). O amor não é apenas a síntese ou o resumo das Escrituras, mas sua própria interpretação.

III. Pistas para reflexão

Partindo da relação entre a primeira leitura e o Evangelho, alertar para o perigo de uma religiosidade desprovida de compromissos concretos com o próximo, especialmente com os mais necessitados. Enfatizar bastante a inseparabilidade entre o amor a Deus e o amor ao próximo. Recordar o exemplo dos tessalonicenses como modelo para as comunidades de hoje e incentivar a partilha de experiências e iniciativas entre as comunidades, de modo que os bons exemplos possam ser imitados reciprocamente.

Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).