Roteiros homiléticos

30º Domingo do Tempo Comum – 27 de outubro

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Se a arrogância mata, a humildade exalta

I. Introdução geral

De nada vale a performance teatral na prática do discipulado. Não há lugar no Reino de Deus para os dissimuladores, ou seja, para aqueles que desejam representar o que de fato não são. O projeto de vida de Jesus, quando reduzido à simples teatralização, transforma-se, infelizmente, numa religião de morte. Não há nada mais degradante que o fato de o evangelho não produzir vida por onde é proclamado. Assim, muitas pessoas se perdem no caminho do discipulado. Esquecem que a vida cristã deve ser vivida de forma integral e que não há espaço para uma prática medíocre do discipulado. O chamado do cristão se caracteriza pela humildade no serviço ou, ainda, pelo serviço desinteressado. Não há nada mais deprimente do que alguém se considerar discípulo de Jesus, mas levar uma vida cadenciada pela arrogância e pela falsa humildade. Quando nos reconhecemos como fracos é que começamos a experimentar o poder de Deus. A presunção de força gera no interior da pessoa a arrogância, e ela passa a se considerar mais do que realmente é. Desenvolve, na verdade, a síndrome de Golias. Possui uma aparência de fortaleza, mas pode ser derrubada com uma pequena pedra.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a): a opção de Deus pelos vulneráveis

O Sirácida faz dura advertência contra aqueles que exploram os pobres, os órfãos e as viúvas. Quem seriam esses violentos exploradores? Provavelmente seriam os dominadores selêucidas, bem como os judeus helenistas. O tema central desse pequeno trecho é o fato de Deus escutar as súplicas daqueles que sofrem violência. Nesse ponto revela-se a teologia do texto, isto é, a opção de Deus pelos mais vulneráveis. As lágrimas que correm pela face da viúva revelam a gravidade dos atos dos dominadores e, simultaneamente, desencadeiam a ação libertadora, acolhedora e consoladora de Deus. Ele, o justo juiz, há de julgar com justiça todos os que produzem lágrimas de dor na face dos pobres. No texto se encontra a certeza explícita de que Deus não favorece o rico injusto. Antes, ele assume uma posição em meio ao conflito que coloca em lados distintos aqueles que têm poder e aqueles que são fracos. A oração do humilhado chega a Deus atravessando as nuvens, ou seja, desfaz a percepção da inacessibilidade de Deus que encontramos na queixa do autor de Lamentações: “De uma nuvem te envolveste, para que a oração não chegue a ti” (Lm 3,44). Ademais, a expressão “não descansa” traz à memória a parábola contada por Jesus na qual a viúva não descansou enquanto a justiça não foi estabelecida. O próprio corpo do pobre, marcado por dores e violências, é transformado num altar de onde ele oferece a Deus suas lágrimas e gritos de justiça.

2. II leitura (2Tm 4,6-8.16-18): viver plena e totalmente para Deus

O apóstolo Paulo, na iminência de sua morte, faz um balanço de sua vocação como discípulo e missionário de Jesus. Sua vida pode ser compreendida como uma completa liturgia. Ele viveu para servir a Deus e a seu projeto, e até mesmo sua morte possui um sentido litúrgico. Está pronto da mesma forma que um atleta finaliza sua corrida e tem, ao final dessa jornada, a certeza de receber a coroa da justiça. Mesmo em períodos mais sombrios – por exemplo, quando se sentiu abandonado perante o tribunal –, sabia que o Senhor estava ao seu lado, dando-lhe forças para suportar e vencer o mal que o abatia. Todavia, deve ficar claro que o prêmio não é privativo de Paulo, mas tem relação com todos aqueles que cumprem bem sua tarefa. Por isso, as metáforas usadas, de diversos tipos, são bastante populares e tradicionais, facilmente compreensíveis, e algumas delas, especialmente a da corrida, são muito próprias da correspondência paulina (cf. Fl 3,12-14). Menciona-se no final a assistência que o Senhor concede a quem nele confia, tema muito frequente nos Salmos e no livro de Daniel que transmite a segurança de um glorioso destino final. A relação de Paulo com o Senhor era de completa dependência, e, nessa jornada que fazia, era possível proclamar com grande certeza: “A ele a glória pelos séculos dos séculos. Amém” (v. 18b).

3. Evangelho (Lc 18,9-14): a arrogância mata e a humildade resgata

Na Palestina, os judeus oravam três vezes ao dia: às 9 da manhã, ao meio-dia e às 3 da tarde. Considerava-se que a oração eficaz era aquela oferecida no Templo, de modo que nessas horas muitos iam aos átrios do Templo para rezar. A arrogância leva as pessoas a se sentirem melhores do que as outras, não somente supervalorizando sua condição ou características, mas também procurando, com todas as forças, diminuir e desprezar aqueles com os quais se comparam. Jesus, nessa parábola, manifesta sua percepção de que alguns estavam convencidos de serem justos e, por conta disso, desprezavam os outros. A postura do fariseu é teatral, plástica e, exatamente por isso, artificial. Reza a Deus como se estivesse no teatro, encenando uma peça. Reza de si para si mesmo. Em sua oração arrogante, pretende dar testemunho de si mesmo perante Deus. Na verdade, não foi rezar, mas sim informar a Deus a respeito de quão bom ele, fariseu, era. Os gestos e palavras são, sem dúvida, extraídos do repertório religioso. No entanto, mostram-se desprovidos de autêntico conteúdo. São até belos em si mesmos, mas ineficazes. Gestos e palavras que revelam justamente o contrário do que o fariseu desejava comunicar. Queria ele aparecer, e suas palavras e gestos fizeram que desaparecesse. Tomado de arrogância, o fariseu experimenta seu próprio veneno e se autoexclui do projeto de Deus.

Já o cobrador de impostos se apresenta como conhecedor de suas profundas limitações. É sabedor de que não é nada sem a graça e a misericórdia divina. Ele se reconhece sem nada, tendo senão um grande e enorme vazio a ser preenchido por Deus, a quem nem sequer se atrevia a elevar os olhos. Muitas versões não fazem justiça à sua humildade, pois na realidade ele falou: “Deus, seja propício a mim, o pecador”. Tal tradução indica que ele não era meramente pecador, mas sim o pecador por excelência. A humildade do cobrador de impostos contrasta com a arrogância do fariseu e, consequentemente, o resultado aparece em forma de contraste: “Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (v. 14b). Nenhum orgulhoso pode orar sem se autocondenar. A porta do Reino de Deus é tão baixa que ninguém pode entrar por ela, a não ser ajoelhado. Com os olhos voltados para a terra e não para o alto, sentimos que não somos nós que precisamos olhar para Deus, pois, de fato, é ele que está olhando para nós e vendo nossa pequenez. No entanto, a verdadeira oração aproxima-nos de Deus, aproximando-nos uns dos outros. A oração jamais causa divisão, mas produz uma comunidade de iguais.

III. Pistas para reflexão

1) Não há dúvida de que Deus ouve nossas orações. A literatura bíblica, em muitas referências, faz questão de apresentar a relação do orante com Deus “escutador”. E a referência primeira é Deus que escuta os clamores dos escravos no Egito, escuta solidária e amorosa, a partir da qual se inicia o processo de libertação.

2) Uma das mais belas expressões de Paulo é esta: “Não vivo mais eu, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Palavras que indicam a totalidade da doação. Para Paulo, Jesus era a referência suprema de sua vida. Na segunda leitura, ele, já no final de sua vida, reitera a mesma mensagem: sua vida foi completamente dedicada a Jesus.

3) De nada vale uma religião teatralizada, que leva a desprezar e humilhar os outros; de nada vale uma espiritualidade arrogante que condena as pessoas com as quais se vive. A verdadeira religião é aquela que nos liberta de nosso egoísmo a fim de abraçarmos uns aos outros como irmãos.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.