Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2020 - ano 61 - número 336 - pág.: 40-42

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 8 de novembro

Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

Vigiar com sabedoria e esperança

I. INTRODUÇÃO GERAL O tema central desta liturgia é a vigilância. Aliás, esse é o tema predominante em toda a fase conclusiva do ano litúrgico, a qual já estamos vivenciando. Sabendo que o Senhor virá, devemos nos preparar bem para recebê-lo com sabedoria e prudência. É importante, no entanto, que essa preparação não seja ocasional, até porque ninguém sabe qual será o dia ou a hora. Logo, a preparação deve fazer parte do cotidiano de todas as pessoas, e é o próprio Deus quem oferece à humanidade os meios necessários, como o dom da sabedoria, acessível em todos os momentos e em todos os lugares; a única exigência para recebê-la é o desejo de possuí-la, trazendo como primeiro fruto a prudência (1ª leitura). Vigia bem quem tem esperança – e nós, cristãos, a temos – e não alimenta preocupações desnecessárias (2ª leitura). Enfim, a verdadeira vigilância consiste em ser previdente, mantendo aceso o programa de vida de Jesus, expresso nas bem-aventuranças e representado nesta liturgia pelo óleo das jovens previdentes (Evangelho). II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS 1. I leitura: Sb 6,12-16 A primeira leitura é tirada do livro da Sabedoria (obra atribuída ao rei Salomão mediante o fenômeno literário da pseudonímia), cujo autor real foi um sábio judeu, profundo conhecedor da cultura grega e das tradições judaicas, que viveu na cidade de Alexandria do Egito. Trata-se do último livro do Antigo Testamento a ser escrito, provavelmente já no final do séc. I a.C., numa época de grande influência da cultura grega sobre as novas gerações de judeus. Os valores e tradições de Israel, incluindo a fé monoteísta, corriam sérios riscos de desaparecer, diante do fascínio que o pensamento grego provocava nas pessoas, sobretudo na juventude. A atribuição da autoria a Salomão foi feita para conferir prestígio e autoridade à obra. Na Bíblia, sabedoria é, acima de tudo, a arte de viver bem – nisso consiste a felicidade – e depende essencialmente da reflexão e observância da Lei, enquanto expressão da vontade de Deus. Para tornar esse ensinamento mais atrativo, o autor descreve a sabedoria de maneira inovadora, utilizando até mesmo categorias do pensamento grego. O trecho lido neste domingo pertence à segunda parte da obra (Sb 6-9), considerada o coração do livro. Nele, o autor apresenta a sabedoria como algo belo e atrativo, que se deixa encontrar facilmente por aqueles que a buscam. Com isso, ele contrapõe-se à mentalidade grega – que concebia o acesso à sabedoria como resultado de árdua atividade do intelecto – e ao pensamento conservador de Israel, que condicionava a aquisição da sabedoria aos anos vividos, ou seja, à experiência de vida, o que só se alcançava em grau satisfatório na velhice. Temos, portanto, uma perspectiva inovadora. As duas primeiras imagens empregadas para descrever a sabedoria são qualidades da luz e de uma planta que não seca (v. 12) – o que evoca atração e beleza – e a facilidade de encontrar. Temos, assim, logo no início, um ensinamento muito importante: é preciso amar e desejar a sabedoria, para obtê-la, mas ela permanece sempre como dom de Deus, de modo que é ela mesma quem se oferece (v. 13). A sequência do texto é apenas confirmação do que se diz no início (v. 14.16): é necessário que o ser humano deseje constantemente a sabedoria, pois dela depende a boa condução da vida; e ela não está distante: basta desejá-la para obtê-la, uma vez que está em todo lugar – na porta da casa e até nas estradas. O encontro com ela, no entanto, não é mérito humano, mas dom de Deus, o qual não decepciona aqueles que a buscam. Tendo encontrado a sabedoria, o ser humano é chamado a meditar e refletir sobre ela, para alcançar a perfeição da prudência (v. 15), o seu primeiro fruto. Este o principal ponto de encontro da leitura com a sequência da liturgia deste dia: a prudência como virtude que torna o ser humano vigilante na sua relação com Deus, atento aos sinais dos tempos e acontecimentos da história. Por isso, a busca pela sabedoria é indispensável, de modo que desejá-la é desejar o próprio Deus. 2. II leitura: 1Ts 4,13-18 A liturgia retoma a leitura da primeira carta aos Tessalonicenses, iniciada há alguns domingos e interrompida no domingo passado, para a solenidade de Todos os Santos. Até então, tivemos a oportunidade de ler somente os aspectos introdutórios desse que é o escrito mais antigo do Novo Testamento, cuja redação se deu provavelmente no ano 51 d.C., quando Paulo se encontrava em Corinto. O texto lido nesta liturgia já faz parte da seção doutrinal da carta e, por sinal, aborda um tema bastante delicado, gerador de muitos dúvidas e incompreensões nos tessalonicenses, o qual Paulo procurou esclarecer: a parusia, ou seja, a segunda vinda do Senhor e suas consequências para os cristãos vivos e mortos. A pregação sobre a segunda vinda do Senhor suscitou muitas inquietações nas primeiras comunidades cristãs, e em Tessalônica parece que a situação se tornou ainda mais preocupante, pelo menos entre as comunidades evangelizadas por Paulo. Eram frequentes as perguntas sobre quando aconteceria, como seria e quais os desdobramentos desse evento. Na falta de respostas concretas, muitos o imaginavam à sua maneira e espalhavam suas concepções. Circulava a ideia de que a vinda do Senhor seria imediata, e aqueles que esperavam estar vivos no momento se preocupavam com os familiares e amigos cristãos que já tinham morrido, com medo de que não fossem beneficiados pelo retorno do Senhor (v. 15). Paulo os tranquiliza, ensinando que aqueles que morreram antes serão os primeiros a ressuscitar com Cristo (v. 16). Após o resgate dos que morreram é que os vivos serão arrebatados com eles para os céus, de modo que o encontro definitivo com o Senhor será igual para todos (v. 17). Portanto, Paulo recomenda que não devemos alimentar preocupações desnecessárias. Para quem tem esperança – e nós temos –, é suficiente a certeza de que Cristo ressuscitou e, por isso, ressuscitaremos com ele (v. 13-14). Logo, devemos esperar seu retorno definitivo, vivendo o que Jesus viveu e ensinou. Ser vigilante é, acima de tudo, viver à maneira de Jesus, expressão máxima da sabedoria de Deus. 3. Evangelho: Mt 25,1-13 O Evangelho deste e dos dois próximos domingos é tirado do “discurso escatológico” (Mt 24-25), o último dos cinco grandes discursos que Mateus atribui a Jesus em seu Evangelho, escrito para encorajar os cristãos da sua comunidade diante das situações de perseguições, incertezas, desânimo e diminuição do fervor na vivência da fé. Diante disso, o evangelista pede uma atitude de vigilância, recordando palavras do próprio Jesus, que garantiu voltar, sem revelar nem o dia nem a hora. É exatamente por isso que a comunidade deve vigiar sempre, para não ser surpreendida, como ensina a parábola de hoje. Para compreender bem a parábola, é necessário entender como era realizada uma festa de casamento conforme os costumes do povo judeu no tempo de Jesus. Após a fase da promessa, que durava um ano, o casamento era festejado e consumado. No dia marcado, o noivo ia com seus amigos até a casa da noiva. Em sua casa, a noiva reunia suas melhores amigas para esperar o noivo,  e elas deveriam levar lâmpadas. Após a chegada do noivo, a noiva se despedia dos seus pais, deixava sua casa e ia para a casa do noivo, ao seu lado, onde acontecia a festa. Formava-se, assim, o cortejo nupcial da casa da noiva para a casa do noivo, onde acontecia o banquete. Esse rito acontecia sempre à noite, de modo que o cortejo era iluminado pelas lâmpadas que as amigas da noiva levavam. Sem essa explicação, o sentido da parábola passaria despercebido. O noivo da parábola é Jesus, e a noiva é a comunidade cristã. Também as dez jovens representam a comunidade, com a diversidade cultural e ministerial que a compõe. A diferença de postura das jovens – previdentes e imprevidentes – é um alerta sobre o risco de viver a fé com superficialidade. Sobre o significado do óleo, há uma pluralidade de hipóteses, como as boas obras, os carismas pessoais, os dons do Espírito Santo. É inegável que se trata de algo essencial – pois quem não o tem fica fora do banquete e, portanto, do Reino – e, ao mesmo tempo, pessoal e intransferível. Considerando o conjunto do Evangelho de Mateus, o mais provável é que o óleo signifique as bem-aventuranças, como a carta de identidade do discipulado e critério de pertença a Jesus e seu Reino. III. PISTAS PARA REFLEXÃO É importante recordar o espírito de vigilância como uma necessidade para a vida cristã, sem, no entanto, provocar medo nas pessoas. Chamar a atenção para que preocupações desnecessárias não atrapalhem o que é essencial na vida cristã. Evidenciar a relação entre as leituras, incluindo o salmo, cujo refrão é muito significativo para alimentar a vigilância como desejo de Deus. Diante das escolhas que devem ser feitas ao longo da vida, é importante sabedoria e prudência para escolher o que é edificante para a implantação do Reino de Deus entre nós.

Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN). E-mail: [email protected]