Roteiros homiléticos

33º Domingo do Tempo Comum – 18 de novembro

Por Zuleica Aparecida Silvano

I. Introdução geral

Como sinal concreto do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia (2016), o papa Francisco instituiu o 33º Domingo do Tempo Comum como o dia mundial dos pobres, por meio da Carta Apostólica intitulada Misericordia et Misera (cf. n. 21). Para o papa, esse dia irá “ajudar as comunidades e cada batizado a refletir como a pobreza está no âmago do evangelho e tomar consciência de que não pode haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa (cf. Lc 16,19-21)”. O papa Francisco exorta também a fazer deste dia “uma forma genuína de nova evangelização (cf. Mt 11,5), procurando renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemunha da misericórdia”.

II. Comentário dos textos bíblicos
  1. I leitura: Dn 12,1-3

O livro de Daniel foi escrito no período dos Macabeus (século II a.C.), quando o povo judeu sofria a dominação grega dos selêucidas, sobretudo de Antíoco IV Epífanes. Pela dificuldade em falar abertamente, pois do contrário seriam duramente torturados e até mortos, o autor opta por uma linguagem metafórica e simbólica, utilizando visões, símbolos, elementos que chamamos apocalípticos, a qual algumas vezes não é de fácil compreensão. A finalidade desses textos, que nos parecem enigmáticos, não é falar do fim do mundo ou de uma realidade futura, mas animar as comunidades a continuar resistindo e ser fiéis ao projeto de Deus. A passagem de hoje afirma que Deus está presente e intervém na história da humanidade ao introduzir a figura de Miguel (nome que significa “Quem como Deus”), o chefe do exército celeste, que tem a missão de defender o povo e presidir sua libertação final. Dn 12, por ser a conclusão da revelação descrita nos capítulos 10-11, sustenta que, apesar de todo sofrimento (v. 1) e da possibilidade da destruição do inimigo, é necessário instaurar o Reino de Deus, no qual seus eleitos, cujos nomes estão “inscritos no livro” da vida (cf. Sl 69,29), serão salvos.

Nos vv. 2-3 há uma das poucas alusões à ressurreição no AT (cf. 2Mc 7), com a afirmação de que os justos (aqueles que são fiéis ao projeto de Deus) ressuscitarão para a vida eterna, enquanto os injustos, para a vergonha eterna (derrota definitiva). Essa afirmação não serve para que o povo se conforme com o sofrimento e com a opressão, mas para alimentar a esperança de que aqueles que optaram pelo Senhor e vivem em comunhão com Deus já experimentam a vida concedida pelo Messias Jesus na história, e também participarão eternamente da vida divina (v. 3). É essa a certeza que sustenta o povo a continuar resistindo, pois a vitória final será do Senhor da vida, que também concederá a vida aos sábios, por se comprometerem e ensinarem a justiça.

  1. Evangelho: Mc 13,24-32

O capítulo 13 de Marcos é chamado de “discurso escatológico” e assume algumas das principais características da literatura apocalíptica judaica. O capítulo se inicia com a admiração das pessoas diante do Templo de Jerusalém, o discurso de Jesus sobre sua destruição (13,1-8) e o futuro daqueles que seguem Jesus Cristo (13,9-37). Esse anúncio não tem a pretensão de prever o que acontecerá, mas quer refletir sobre a Guerra Judaica, a destruição do Templo e da cidade de Jerusalém no ano 70 d.C.

Os vv. 24-32 expõem o conteúdo central do discurso: a vinda da figura do Filho do homem (cf. Dn 7,14-15) e a garantia da vitória final do Reino de Deus. Outros dois temas importantes são a negação da previsibilidade “daquele dia” (vv. 32) e a salvação dos que permanecem fiéis ao projeto de Deus (v. 27).

No v. 24, após a menção à “grande tribulação”, é anunciado um cataclismo cósmico, aspecto típico do anúncio do julgamento divino contra as nações nos livros proféticos e nos discursos apocalípticos (cf. Is 13,10; 34,4; Jr 4,23-24; Ez 32,7-8; Jl 2,2.10.31). O cataclismo cósmico tem a finalidade de mostrar o controle de Deus sobre o universo e proclamar a vinda do Messias.

No v. 26, o autor descreve a vinda do “Filho do homem” utilizando a linguagem das teofanias presentes no AT (cf. Ex 16,10; 24,15; Lv 16,2; Nm 11,25). Em Mc 13, as nuvens, o poder e a glória simbolizam o caráter divino do “Filho do homem”, ou seja, reforçam a dimensão divina de Jesus, que manifesta a potência e a glória de Deus Pai. Os anjos simbolizam a proximidade da presença divina.

A salvação prometida para os eleitos, provenientes de todos os povos (sentido universal), consiste na unificação e na comunhão com Deus (cf. Is 34-35 e Zc 2,10). Isso é expresso na parábola da figueira, nos vv. 28-29, a qual retrata o florescimento da comunidade cristã, que tem como fundamento Jesus Cristo e será a verdadeira “casa de oração” para todos os povos (11,17). O evangelista nos dá sinais de esperança, o Reino de Deus já foi instaurado, mas é necessário discernir seus sinais na história.

O “tudo isso”, no v. 30, provavelmente se refere à destruição do Templo (vv. 7-8), à vinda do Filho do homem (vv. 26-27) e ao florescimento da nova comunidade cristã. Por conseguinte, a comunidade pode confiar na vitória final da salvação de Deus, mesmo diante dos conflitos e da opressão, pois Deus cumprirá sua Palavra (v. 31).

Mc 13,24-32 não tem a finalidade de apresentar uma realidade futura, e sim de indicar a novidade da fé cristã em Jesus ressuscitado e mostrar que a instauração do Reino de Deus não se dará no futuro, pois ele já foi inaugurado com Cristo e será plenamente manifestado na parúsia. Assim, a parúsia, que consiste na presença soberana de Deus no universo, faz parte da esperança cristã. Esperança que não nos decepciona, pois é fundamentada na Palavra de Deus e em sua fidelidade.

  1. II leitura: Hb 10,11-14.18

A passagem de hoje retoma os elementos presentes no texto do domingo passado (Hb 9,24-28). Desse modo, estabelece um contraste entre o Dia das Expiações e o sacrifício de Cristo, acentuando a eficácia definitiva da oferta de Jesus.

O tema central dos versículos escolhidos para a liturgia deste domingo é a salvação definitiva obtida por meio de Jesus Cristo. O autor parte do pressuposto de que somente o sacrifício de Cristo, a sua oblação ao Pai, nos purificou dos pecados, concedendo-nos aquilo que os antigos sacrifícios não poderiam realizar (v. 11): nossa santificação e a perfeição definitiva (v. 14). Por isso, diferente dos sacrifícios, Jesus se oferece uma única vez. Outro contraste é que, enquanto o sumo sacerdote permanece no Templo, Jesus é introduzido à presença de Deus Pai, está sentado à sua direita e essa é a vitória obtida ao oferecer sua vida pela salvação da humanidade. Portanto, a salvação, concedida por Deus em favor da humanidade, é obra de sua misericórdia.

III. Pistas para reflexão

Neste dia mundial dos pobres, a primeira leitura nos exorta a ser anunciadores da esperança, mesmo numa realidade em que prevalece a opressão, e aponta para nossa missão de ser sábios, ou seja, de ensinar a justiça. O evangelho reforça a mensagem da I leitura, dando-nos a certeza de que a última palavra é de Deus, pois ele é fiel ao seu projeto de amor, solidariedade e justiça. Outro aspecto a ressaltar é que o Reino de Deus não é realidade a ser esperada para o fim dos tempos, mas já foi instaurada por Jesus Cristo (II leitura). Assim, somos chamados a estar a serviço da justiça e a ser portadores de esperança, anunciando a certeza de que o Senhor da vida está ao nosso lado e sua Palavra permanece para sempre (evangelho).

Zuleica Aparecida Silvano

Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]