Roteiros homiléticos

4º domingo da Quaresma – 22 de março

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Se caminhamos na luz,
também iluminamos
os passos uns dos outros

I. Introdução geral

Jesus é luz que ilumina tanto o interior quanto o exterior. Somente quando nos aproximamos da luz é que podemos, de fato, conhecer quem somos e para onde caminhamos. Afastados da luz, tornamo-nos cegos e nos distanciamos da missão e do propósito de Jesus. Quando iluminados, somos chamados a viver a vida de Jesus de forma pública, ou seja, inseridos na realidade do cotidiano a fim de transformá-lo.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: 1Sm 16,1.b.6-7.10-13a

A primeira leitura nos mostra uma reviravolta na história de Saul. Mesmo ele estando vivo, um novo rei é ungido. Certamente o texto da primeira leitura é pró-Davi. O aspecto que se procura mostrar é que Davi é superior a Saul. Todo o texto é construído nessa perspectiva de elevar Davi e rebaixar Saul. Para reforçar essa concepção, é o próprio Deus que envia Samuel. A missão deste é muito específica, não há como errar. Samuel, contudo, erra. Ao ver Eliab, logo pensa ser este o ungido de Javé. O profeta possivelmente ficou impressionado com a aparência e a estatura de Eliab. Parecia, aos seus olhos, que aquele possuía todas as características para ser ungido rei. Todavia, o próprio Deus intervém: “Não se impressione com a aparência ou estatura dele. O homem vê as aparências, e Javé olha o coração” (v. 7). Samuel precisaria olhar com os olhos de Deus, e não de forma limitada, como até então fazia. Um após o outro, foram apresentados os sete filhos a Samuel, e todos foram desaprovados. Diante desse fato, Samuel pergunta: “Estão aqui todos os seus filhos?” Jessé, o pai, responde: “Falta o menor” (v. 11). O menor havia se tornado invisível aos olhos do pai e dos irmãos. O menor representaria o mais fraco e o menos capaz, como aquele em quem falta maturidade. Invisível aos olhos de todos, mas visível aos olhos de Javé. O menor – Davi – é chamado e, para surpresa de todos, é ungido, tendo, a partir desse dia, o espírito de Javé se apoderado dele. A ação de Javé quebra os paradigmas instituídos. O relato da unção de Davi traz à memória a vocação de Gedeão para ser juiz. Diante do chamado de Deus, Gedeão responde: “Por que eu? Eu sou o menor dos meus irmãos, e o clã a que pertenço é o mais pobre” (Jz 6,15). Olhar com os olhos de Deus permite enxergar a história desde seu reverso, ou seja, na perspectiva dos menores.

2. II leitura: Ef 5,8-14

O projeto de Jesus é que se caminhe na luz. Afinal, ele próprio é a luz que ilumina o mundo. Consequentemente, a única possibilidade para aqueles e aquelas que desejam seguir o caminho de Jesus é brilhar como o próprio mestre. Engana-se, porém, quem pensa que o tema da luz seja abstrato e imaterial. Não se trata de metáfora que leva ao isolamento ou à alienação. A luz requerida por Jesus produz frutos, ou seja, é útil não somente para a pessoa que brilha, mas, principalmente, para as demais pessoas. E qual seria o fruto da luz? Surpreendentemente, o texto bíblico nos informa que são três os frutos: bondade, justiça e verdade. A surpresa reside no fato de que, a princípio, o texto bíblico fala no singular (fruto da luz) e apresenta o resultado no plural (três frutos). Possivelmente o texto queira dizer que o fruto da luz se expressa de forma múltipla e simultânea. Aquele e aquela que caminham na luz produzem em seus caminhos, continuamente, gestos de bondade, justiça e verdade. Caminhar é expressão cara nos textos bíblicos. Trata-se de expressão que indica desacomodação e desalojamento. Caminha-se para construir o Reino. Caminha-se não para fugir das trevas, e sim para produzir frutos da luz que denunciem as obras das trevas. Nesse sentido, é possível perceber a responsabilidade pública e cidadã de cada discípulo e discípula de Jesus.

3. Evangelho: Jo 9,1-41

No evangelho de hoje, encontramos Jesus diante de uma pessoa que havia nascido cega. Talvez fosse um encontro rotineiro, mas tomará todo o capítulo 9 para ser narrado. O homem cego se torna o centro das atenções, tanto para os discípulos como para os fariseus. Ambos os grupos, ou seja, discípulos e fariseus, olham para a direção errada. As preocupações externadas por eles não são relativas ao ser humano que sofre por causa de sua condição física – o cego era mendigo. Era, na verdade, alguém condenado a viver na periferia da vida. Ele não via nada, e as pessoas, arbitrária e artificialmente, não conseguiam enxergá-lo. Diante do sofrimento físico e econômico do homem cego, discípulos e fariseus desejam discutir sistemas teológicos. Preferiam um sistema teológico que não se relacionava com a proteção da vida. De que vale uma teologia que não cuida das pessoas, principalmente das mais fragilizadas? Jesus responde à pergunta dos discípulos e vai além. Ele não é um teórico. Para Jesus, a reconstrução da vida é mais importante do que palavras teológicas vazias. Chama a atenção o fato de que o homem cego e mendigo, presumidamente pecador e incapaz de construir palavras teológicas, é que dá verdadeira aula de catequese. Diante da arrogância dos fariseus, que presumidamente se apresentavam como discípulos de Moisés e questionavam a autoridade de Jesus, o cego mendigo responde, de forma categórica: “Isso é de admirar! Vocês não sabem de onde ele vem. Justamente ele, que abriu meus olhos! Sabemos que Deus não ouve os pecadores, mas aquele que o respeita e faz sua vontade, a este Deus ouve. Nunca se ouviu falar de ninguém que tenha aberto os olhos de alguém que nasceu cego. Se esse homem não tivesse vindo de Deus, não poderia fazer nada” (v. 30-33). Jesus demonstra que mais cego são aqueles que não desejam ver. Explicitamente, os que se julgam detentores da verdadeira religião e juízes de todos os outros que são diferentes do “modelo” que construíram. Porque são cegos, não conseguem ser luz para aqueles que vivem na periferia da vida. Jesus, aproximando-se do homem cego e mendigo, mostra, de forma bastante clara, que nos aproximamos de Deus quando nos aproximamos dos sofredores deste mundo.

III. Pistas para reflexão

1) Jesus é luz, mas existem aqueles que preferem viver na escuridão da noite. Negligenciam a luz tanto interior quanto exterior. Quais seriam as possíveis maneiras de, iluminados, iluminarmos os caminhos de tantas pessoas que vivem processos de exclusão existencial, emocional, religiosa e social?

2) Aqueles(as) que vivem na luz produzem frutos enquanto caminham: quais seriam os frutos? Bondade, justiça e verdade. Indiquemos em quais ações e/ou comportamentos podemos encontrar os frutos da luz.

Luiz Alexandre Solano Rossi

é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.