Roteiros homiléticos

4º Domingo do Advento – 23 de dezembro

Por Zuleica Aparecida Silvano

I. Introdução geral

Além de Isaías e de João Batista, Maria é uma personagem importante do Advento, como será destacado no evangelho deste domingo. Por isso, somos chamados a refletir sobre a grandeza do sim de Maria, uma decisão que muda seus planos, sua vida, mas também a contemplar o encontro de duas mulheres que geram a vida dentro de si e ao seu redor. Também nós, como Igreja, estamos grávidos da vida de Deus; ou seja, o corpo de Cristo é gerado, nutrido pelo trabalho de evangelização, pela oração, pela escuta da Palavra, pelos gestos de solidariedade, pelo diálogo, pela tolerância, pelo respeito. Neste dia, portanto, somos chamados a perceber a importância da figura de Maria e compreender que, a seu exemplo, somos portadores da Boa-Nova. Somos também convidados a rever o nosso processo de “gestação”, de configuração de nossa vida com a vida de Cristo por meio do Espírito Santo, assim como a qualidade dos nossos relacionamentos.

II. Comentário dos textos bíblicos
  1. I leitura: Mq 5,1-4a

O oráculo dirigido à cidade de Belém em Mq 5,1-4a foi posteriormente interpretado como uma profecia messiânica em Mt 2,6, para referir-se ao nascimento de Jesus.

Belém (nome que significa “casa do pão”) era a cidade de Davi, escolhido como rei da terra de Israel. A menção a Éfrata (nome que significa “fecunda”, “aquela que gera”) tem a finalidade de diferenciar Belém de Judá da outra cidade, com o mesmo nome, localizada em Zabulon. A expressão “é de ti que sairá para mim aquele que governará Israel” indica que de uma cidade de periferia, considerada pequena e insignificante, de uma aldeia, surgirá a esperança de Israel. Essa pessoa que governará será da descendência de Davi, porém não é chamado de “rei”, e sim de “governante” e de “pastor”.

No v. 2 há uma alusão ao exílio e à esperança de um líder (um pastor) que reunirá o povo disperso (v. 3) e reunificará os dois reinos (do Norte e do Sul). Ele receberá o poder do Senhor, governará em seu nome e seguirá a vontade de Deus. O v. 4 caracteriza esse governante como alguém de paz, que protegerá Israel, dando ao povo segurança. Não podemos, porém, deixar de considerar que a paz é fruto da justiça, o que reforça a caracterização do oráculo como um anúncio de esperança numa realidade na qual as pessoas eram exploradas e oprimidas e onde reinava a injustiça tão denunciada pelo profeta Miqueias.

  1. Evangelho: Lc 1,39-45

A narrativa deste domingo começa com a tomada de decisão de Maria, que apressadamente se dirige à casa de Isabel, localizada num povoado da Judeia. Há várias tentativas de identificar a cidade e a casa para onde se dirigiu Maria, mas não existe consenso entre os estudiosos; somente sabemos que de Nazaré a qualquer povoado da Judeia seriam necessários dois dias de caminhada.

O encontro das duas mulheres grávidas (Isabel e Maria) prefigura a relação estreita entre os filhos que carregam: Jesus e João, o Messias e seu precursor. A saudação de Maria faz João pular de alegria no ventre de sua mãe. Com este sinal e ao receber o Espírito Santo, Isabel torna-se capaz de compreender e de interpretar o significado daquilo que está ocorrendo. Sente-se privilegiada e compreende profundamente a graça de Deus presente neste encontro, pois intui que aquela que tem diante de si é a mãe do Messias. De fato, Maria carrega o Santo em seu ventre, aquele que é a fonte de todas as bênçãos e traz a alegria prometida aos tempos messiânicos. Maria é, portanto, a portadora da presença salvífica para a casa de Zacarias e Isabel e para a humanidade.

A resposta de Isabel à saudação da prima é composta de várias frases do AT. A primeira frase nos remete a Jt 13,17-20 e a segunda pode nos remeter à expressão de Davi diante da arca em 2Sm 6,9 ou 2Sm 24,21. Ao considerar a segunda frase e 2Sm 6,9, podemos afirmar que Isabel vê Maria como a arca santa que carrega a misteriosa presença do Senhor em seu seio. Apesar de ser uma interpretação interessante, alguns estudiosos a criticam porque a arca é levada por Davi pelo seu poder de matar. Outra possibilidade de interpretação é considerar o texto de 2Sm 24,21, quando Davi compra o terreno de Areúna, que será depois o local do Templo de Jerusalém; ou seja, Jesus é o lugar da presença de Deus. Assim, Maria é bendita, porque carrega no seio aquele que é Bendito, o seu Senhor, mas também porque é fiel e por acreditar na Palavra de Deus e acolhê-la (cf. Dt 28,1.4). Ao mesmo tempo, Maria confirma a eficácia da palavra do anjo Gabriel (cf. Lc 1,26-38).

A bem-aventurança destinada a Maria (v. 45) é também destinada a todos os cristãos que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática (cf. Lc 8,21; 11,27-28).

  1. II leitura: Hb 10,5-10

Nestes versículos da carta aos Hebreus, o autor apresenta o sacrifício de Cristo como fonte de salvação definitiva para todos os que creem. Essa carta é perpassada por uma linguagem cultual associada à morte de Jesus Cristo.

Os textos do AT utilizados pelo autor são Sl 40,6-9 e Jr 31,33.34, porém relidos na perspectiva da fé cristã e da salvação universal por meio de Cristo Jesus. O Sl 40,7-9, uma ação de graças pela libertação gratuita de Deus, ao ser relido, reafirma que a salvação será dada gratuitamente por meio de Jesus Cristo. Desse modo, pela oferenda única do corpo de Jesus, realizada uma vez para sempre, os cristãos recebem o perdão dos seus pecados (v. 10). Para o autor, graças ao projeto salvífico, Deus nos santificou em Jesus Cristo e, por meio dele, somos consagrados a Deus e orientados ao seu serviço. Jesus se encarna para revelar o projeto divino, mas não é aceito. Por isso, por fidelidade ao plano do Pai, entrega-se à morte. Ao ser fiel, somos salvos definitivamente e de forma gratuita.

III. Pistas para reflexão

No relato do Evangelho segundo Lucas, indicado para este domingo do Advento, há duas mulheres, Maria e Isabel, que acolhem a Palavra e por isso são capazes de estar a serviço, disponíveis, alegres, e de descobrir no outro a manifestação da presença de Deus. Esse encontro possibilita uma consciência mais plena do mistério divino. É um encontro também marcado pela presença do Espírito Santo, que gera comunhão.

No mundo em que vivemos, a visita de Maria a Isabel nos desafia a avaliar nossas relações, a qualidade das nossas conversas, diá­logos e encontros. Essa visita também nos convida a nos deixar afetar pela novidade do outro, tornando nossos encontros em momentos proféticos e na ocasião de experimentar e nos encantar com as maravilhas que Deus realiza entre nós. É ainda a oportunidade de nos questionarmos sobre como estamos gerando vida ao nosso redor, na comunidade, na família, na sociedade, nas vicissitudes do dia a dia. Somos convocados a rever o nosso processo de configuração a Cristo, nosso processo de gestação por meio do Espírito Santo. Reaver nossa adesão a Cristo Jesus, o Filho de Deus, refletir sobre o que sua encarnação tem para nos dizer e o que tem que ver com nossas esperanças (I leitura) e retomar ou reavaliar a missão de sermos portadores da Boa-Nova da salvação em nossas relações cotidianas (II leitura).

Zuleica Aparecida Silvano

Ir. Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina, licenciada em Filosofia pela UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente leciona. É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: [email protected]