Roteiros homiléticos

4º Domingo do Tempo Comum – 3 de fevereiro

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral

Somos chamados por Deus para uma vocação histórica. É justamente na história que devemos construir o projeto que exige sempre inserção e protagonismos. Jamais podemos nos esquecer de que Deus age no mundo por meio de seus filhos e filhas. Todas as vezes que nos negamos a agir, sonegamos a ação libertadora de Deus na história de muitos. Da mesma maneira que ele assumiu a história do ser humano como se fosse sua, devemos assumir a história de todos os pequeninos que vivem na periferia, a fim de que também possam viver em abundância de vida.

II. Comentários aos textos bíblicos
  1. I leitura: Jr 1,4-5.17-19

Na primeira leitura, encontramos o próprio Jeremias relatando sua vocação. Ele recebe uma palavra, mas não se trata de qualquer uma. É palavra de Javé; portanto, algo dinâmico e poderoso. Uma palavra que não volta vazia, enquanto não cumprir o seu objetivo. Uma palavra que se realiza, que irrompe na vida do profeta e da qual ele não tem como desviar-se. Devemos também perceber, porém, que essa palavra é recebida dentro da história. Isso aponta para o caráter histórico e dinâmico da palavra de Javé. A palavra de Deus acontece na história – isto é, no dia a dia de homens e mulheres. Esta percepção de Jeremias é fundamental para entender sua vida, ministério e vocação: a percepção de que Javé lhe fala de dentro da história. O profeta não é chamado para se alienar da história, mas para viver, profunda e intensamente, o papel que Deus lhe concedeu viver.

Deus fala ao profeta: “eu o conheci”, revelando muito mais do que uma atitude teórica. Trata-se de conhecimento que se efetiva no contato prático, na experiência do cotidiano, no relacionamento intenso. O texto não está dizendo que Javé apenas tomou conhecimento de Jeremias, que sabia de sua existência. Absolutamente, não! O texto bíblico está nos assegurando que, desde tempos remotos, Javé estava em relacionamento intenso com o profeta, dedicando-lhe cuidado, preocupação e providência.

Deus também acrescenta as palavras: “eu o consagrei”. Jeremias é separado por Javé do ambiente profano para viver uma relação especial com Ele. Privilégio, diríamos! Se olharmos bem, no entanto, veremos que esse “ser consagrado” não é atribuição de uma qualidade, e sim de uma função. Jeremias foi consagrado para viver uma função, uma tarefa. Enganam-se aqueles que pensam que a consagração fez dele uma pessoa superprotegida e intocável – triste engano. A leitura do texto bíblico nos levará a perceber um homem que viveu contradições, que passou vergonha, que apanhou e foi torturado; alguém que chorou nas mãos de Javé e nas mãos dos homens. Contudo, não desistiu nem de um nem dos outros! Do começo ao fim do livro, podemos perceber esse duplo vai e vem da vida consagrada do profeta. Sua dedicação a Javé é inquestionável, e sua opção pelo povo pobre e sofrido é de um colorido excepcional.

  1. II leitura: 1Cor 12,31-13,13

A segunda leitura nos remete ao conhecido hino ao amor, do apóstolo Paulo, que deve ser lido, interpretado e vivido como uma proposta comunitária para orientar o povo de Deus. O caminho do amor (ágape) deve ser compreendido como entrega generosa e livre. E o ponto alto do ágape divino pode, sem dúvida, ser reconhecido quando Deus enviou seu Filho unigênito (Jo 3,16). Pode-se dizer que o amor de Deus se tornou visível no “ato de entrega”. Deus saiu de si mesmo para amar os seres humanos, os quais, por serem imagem e semelhança dele, são capazes de amar. Nesse sentido, o amor na Igreja jamais poderia ser pensado e vivido de forma homeopática. Na Igreja, o amor deve ser tudo em todos.

Existem muitos caminhos pelos quais podemos andar. O apóstolo Paulo, porém, ensina-nos que há um caminho bem melhor. Infeliz é aquele que dá passos em vários caminhos e não chega a lugar algum. O caminho proposto por Paulo – o amor – é aquele que nos leva a atingir o alvo da vida proposto por Deus. Não é por menos que o apóstolo, nos v. 4-7, enumera 15 qualidades do amor. Sete vezes indica as coisas que o amor é e faz, e oito vezes o que o amor não é e não faz. O amor se manifesta como se fosse um grande lago no qual uma pedra lançada produziria ondas sucessivas. Somente o amor pode dar unidade interna ao cristão, bem como unidade à comunidade.

Não é suficiente ter fé e esperança. Mesmo que estas sejam elementos essenciais para construir a vida humana, o amor se apresenta como uma realidade que completa o ser humano e o leva a viver em nova realidade. A ausência do amor indica espaços de egoísmo, rixas, ciúmes que precisam ser urgentemente preenchidos. É o amor que nos move em direção aos outros e permite que derrubemos os muros causadores de separação. Quem não ama o outro também é incapaz de amar a si mesmo; quem não ama o próximo que vê, certamente não desenvolverá nenhum sentimento amoroso para com Deus. Amar, nesse sentido, não é uma opção que temos. Trata-se sempre de um imperativo.

  1. Evangelho: Lc 4,21-30

A missão de Jesus se torna clara quando ele lê Isaías 61,1-2 na sinagoga de Nazaré. Não é, porém, somente a questão de leitura de um texto sagrado. É necessário perceber a ousadia de Jesus ao afirmar, após a leitura, que cada uma daquelas palavras se cumpria nele. Ele assume, em seu modo de ser, pensar e viver, a tradição profética e, por isso, apresenta-se como o maior de todos os profetas. Um profeta que traz a boa notícia para os pobres porque foi ungido pelo Espírito de Deus. A presença nele do Espírito de Deus é fonte de libertação para os pobres e, ao mesmo tempo, ratifica sua missão junto àqueles que vivem na periferia da vida. Não se trata, no entanto, de libertação para uns poucos. Jesus utiliza o exemplo de outros profetas, Elias e Eliseu, com o propósito de mostrar que a mensagem de libertação não se restringe a um único povo. Os dois profetas operaram os milagres da ressurreição e da cura do leproso em benefício de estranhos. O próprio Jesus ressuscitará o filho da viúva de Naim (cf. Lc 7,11) e libertará da lepra um samaritano (cf. Lc 17,12). O ensinamento é muito claro: o que decide não é pertencer a um povo, mas a graça de Deus e a fome de salvação, cheia de fé e expectativa, das pessoas.

Não é possível e imaginável privatizar a salvação e a libertação de Jesus Cristo. Se muitos desejam colocar Jesus dentro de uma redoma a fim de manipulá-lo, sempre é de bom tom lembrar que ele desfez e desfaz todas as barreiras e fronteiras que queiram impedir seu projeto de libertação.

O projeto de Deus é global e tem início na comunidade dos oprimidos. Não existem fronteiras quando se fala em libertação. Jamais será possível confinar a Boa-Nova do evangelho entre quatro paredes. O hoje de Jesus anuncia a chegada do ano da graça. Em Jesus, o tempo é renovado com a renovação das relações entre as pessoas. Já não é tempo de escravidão nem opressão. Quando Jesus manifesta sua presença libertadora? Sempre no hoje de cada um de nós e de nossas comunidades. Em Jesus, o hoje se apresenta num continuum que atualiza sua presença libertadora. O tempo da salvação é anunciado e introduzido por ele. Sempre é hoje para Jesus!

III. Pistas para reflexão

– É possível perceber que o projeto de Javé se impõe a Jeremias de modo taxativo e determinante. Estaria o texto nos dizendo que o profeta se encontraria na absoluta dependência de Javé e teria consciência de ser mero instrumento nas mãos e nos planos de Javé? No entanto, Jeremias reage forte e imediatamente: “Ah, Senhor Javé, eu não sei falar, porque sou jovem”. Não se trata apenas de simples desculpa. Não é um exagero de Jeremias. Na verdade, seu argumento é convincente. Ele está dizendo que é jovem; não é ainda adulto; não é pessoa que tenha atingido a maturidade; não tem a vivência e a experiência dos mais velhos, como também não tem experiência para falar. Jeremias está querendo dizer, com todas as letras, que não deseja ser profeta. Contudo, Deus já o escolheu. Agarrou um instrumento aparentemente imprestável e o preparou para o exercício obediente da missão. Estamos preparados para a surpreendente vocação de Deus? Quais desculpas damos a Deus?

– Quem não ama o outro não é capaz de amar a si mesmo e muito menos a Deus. Como amaremos a Deus, que não vemos, se não amamos o outro, que vemos? Talvez seja necessário reconhecer que nenhum relacionamento vertical é possível se anteriormente não existir um relacionamento horizontal. Somente o encontro com o próximo nos leva ao encontro com Deus. Nesse sentido, devemos, com muito maior cuidado, reconhecer Deus na face de todas as pessoas com as quais vivemos e convivemos.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]