Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro-fevereiro de 2021 - ano 62 - número 337 - pág.: 51-54

4º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 31 de janeiro

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

Somos seu povo e seu rebanho

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras deste domingo enfocam o tema da verdadeira autoridade. As palavras e ações de Moisés, de Paulo e de Jesus testemunham que eles tinham autoridade para anunciar a mensagem de Deus sem medo. Fazem parte de um encadeamento de gerações comprometidas com essa mensagem e estavam dispostos a renunciar a tudo o que pusesse em risco o cumprimento dos propósitos salvíficos de Deus. De todas as pessoas ao longo da história da revelação divina, Jesus se destacou na autoridade, no compromisso e na renúncia, em virtude de sua maior comunhão com o Pai.

As ações podem falar mais alto do que as palavras, mas às vezes as palavras são necessárias para explicar as ações. Com Jesus não foi diferente. Ele veio como o Messias para revelar às pessoas a verdade sobre Deus. O Evangelho descreve Jesus ensinando na sinagoga com a autoridade de quem tem forte conexão com o Pai. E, com a mesma autoridade com que ensina, Jesus liberta uma pessoa de um espírito impuro. Esses dois aspectos estão interligados, suas ações e palavras apontam para sua missão: instaurar o Reino de Deus.

O Evangelho deixa claro que Jesus, em suas ações e ensino, cumpre as promessas que Deus havia feito ao povo de Israel. Na primeira leitura, Deus se compromete com Moisés e com o povo, atestando que enviaria um profeta poderoso, alguém que fosse membro do povo escolhido; dessa forma, assegura que nunca deixará o povo abandonado, Israel sempre será orientado pela palavra do Senhor.

A comunidade dos seguidores de Jesus continua essa missão de ser instrumento de Deus para que sua mensagem seja sempre atual. É por isso que, na segunda leitura, o apóstolo Paulo orienta as pessoas a viver de acordo com os ensinamentos do Evangelho até que Cristo venha. Tal vinda deve fazer que as pessoas ponham suas prioridades em ordem.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mc 1,21-28)

O Evangelho relata que Jesus passou a residir em Cafarnaum, cidade próspera, no extremo norte do mar da Galileia, onde moravam seus primeiros discípulos.

No sábado, Jesus foi à sinagoga. Aqui é preciso fazer um esclarecimento. Existia apenas um templo e este ficava em Jerusalém, mas as sinagogas eram muitas e estavam espalhadas em várias cidades, também fora da terra santa. Nas sinagogas se realizavam orações e a leitura pública das Escrituras, seguida de sua explicação. Era costume que, se houvesse algum judeu visitando a sinagoga, este deveria receber a honra de ser convidado a fazer um comentário sobre a leitura das Escrituras. Isso explica o episódio de Jesus ter ensinado na sinagoga de Cafarnaum.

Ressalve-se, contudo, que os escribas, estudiosos das Sagradas Escrituras, eram os encarregados principais de interpretar os textos proclamados nas sinagogas e orientar o povo a respeito da forma mais adequada de pôr a Palavra de Deus em prática. Por causa disso, na época de Jesus, os escribas desfrutavam de considerável respeito e honra.

O evangelista frisa que as pessoas na sinagoga ficaram maravilhadas com o ensino de Jesus. Ao contrário dos escribas, Jesus ensinava com autoridade. Sua autoridade não se baseava em credenciais acadêmicas, nem na capacidade de citar os mestres judeus das gerações passadas, mas no Espírito Santo que havia descido sobre ele em seu batismo (Mc 1,10). Sua autoridade vinha de sua comunhão ou conexão ímpar com Deus.

Marcos não dá nenhuma informação sobre o que Jesus disse na sinagoga e que causou tanto espanto nos presentes. O evangelista apenas destaca a surpresa dos ouvintes e o impacto que sentiram com as palavras de Cristo. Narra também um exorcismo praticado por Jesus na ocasião. É estranho que aquele homem possesso estivesse na sinagoga, porque o espírito impuro o tornava inadequado para participar do culto. Contudo, faz parte do projeto teológico de Marcos mostrar que as instituições judaicas da época estavam corrompidas, impuras e precisavam que Jesus as purificasse.

O exorcismo confirmou a autoridade de Jesus, revelada pelo seu ensino. Jesus poderia ter escolhido qualquer tipo de milagre para autenticar sua autoridade, mas opta por um exorcismo por causa de seu valor simbólico. No Evangelho de Marcos, Jesus vem para derrotar o mal e efetuar a salvação. Ele começa esse processo por seu ministério de ensino e exorcismo na sinagoga. Como partes integrantes da mesma obra de salvação, ensino e cura/exorcismo estão interligados. Sua autoridade de ensino prepara as pessoas para receber sua autoridade de cura, e sua autoridade de cura confirma e reforça seu ministério de ensino.

A atitude das pessoas na sinagoga sugere que devemos ouvir Jesus com maior atenção. Seus ensinamentos se tornaram tão familiares, depois de 2 mil anos, que somos tentados a ouvi-los distraidamente. Precisamos estudar seus ensinamentos de maneira mais profunda, para entender seu impacto sobre os primeiros discípulos. Da mesma forma que as pessoas do primeiro século, devemos permitir que Jesus nos deixe inquietos e nos desafie a sair de nossa zona de conforto.

2. I leitura (Dt 18,15-20)

Os israelitas eram monoteístas, ou seja, acreditavam em um só Deus. No entanto, o ambiente politeísta em seu entorno os incentivava a serem sincretistas, isto é, pessoas que enxertam novas ideias religiosas na fé por elas já professada, sem se preocuparem com contradições entre seus diversos aspectos doutrinários.

O livro do Deuteronômio surgiu em um período em que alguns dos líderes do judaísmo enfatizavam duas ideias complementares: a unidade de Deus e a eleição dos judeus como seu povo eleito. Isso reflete uma luta para manter a fé monoteísta, em um ambiente de muitas e sedutoras ofertas religiosas, e para acabar com o sincretismo.

A promessa acerca do envio de um profeta futuro era a resposta ao sério e perene problema da infidelidade ao Deus dos patriarcas, que libertou os escravos no Egito. Diferentemente dos demais deuses dos povos vizinhos, o Deus da Aliança era exigente e não se deixava manipular pelas pessoas em troca de adoração. Não era um Deus que favorecia interesses pessoais em troca de louvores ou dízimos.

O povo de Israel de fato se sentia seduzido por ofertas religiosas segundo as quais os deuses fariam a vontade dos adoradores se estes lhes dessem o que os sacerdotes pediam. O Deus de Israel, ao contrário, exigia que sua vontade fosse cumprida, para que o ser humano pudesse ser libertado de seu egoísmo. Por esse motivo, enviava profetas que conduziam o povo de volta à Aliança.

É importante a orientação dada por Moisés sobre as três características fundamentais de um profeta do verdadeiro Deus:

• primeiro, Deus escolhe o profeta do meio do povo e o envia ao povo;

• em segundo lugar, o profeta recebe o dom do Espírito Santo, que o capacitará a dizer a mensagem divina;

• finalmente, Deus fala por meio do profeta que comunica sua Palavra, e não os próprios pensamentos e intuições.

Como resultado, a autoridade divina apoia o profeta, pois ele é escolhido, capacitado e enviado para comunicar a Palavra de Deus. Não é um cartomante ou futurólogo, mas um porta-voz de Deus e intérprete dos sinais dos tempos, exortando o povo a honrar e viver a Aliança com Deus. Um profeta autêntico, portanto, não faz predições, mas anuncia uma mensagem que guia o povo no presente e projeta o futuro de acordo com a vontade divina.

3. II leitura (1Cor 7,32-35)

Muitos fatores influenciaram a primeira carta de Paulo aos cristãos de Corinto, mas a expectativa do retorno iminente de Jesus dá o tom da passagem proclamada neste dia.

É sob a expectativa da volta de Jesus que Paulo exorta os solteiros a permanecer nessa condição, por causa do pouco tempo restante até a vinda de Cristo. Isso os levaria a ficarem focados em preparar o mundo para a ocasião em que todos deveriam prestar contas de sua vida ao Criador.

O apóstolo contrasta os estados de vida e suas respectivas ansiedades. A diferença entre casados ​​e solteiros (celibatários) é, respectivamente, a preocupação com o mundo e a dedicação integral às coisas do Senhor.

A reflexão feita por Paulo se insere no tema do desapego, ao qual o apóstolo dedica essa parte da carta. Contudo, nos versículos proclamados nesta liturgia, Paulo enfatiza a praticidade da vida de solteiro (celibatário) por causa do Reino de Deus. Ele reflete sobre sua própria situação: porque era solteiro, estava livre para viajar e anunciar o Evangelho sem as exigências próprias de um compromisso matrimonial e com os filhos.

Devemos esclarecer que a solteirice de um homem provocava fofocas, boatos e até mesmo calúnias de vizinhos e familiares, tanto naquele tempo quanto hoje. Obviamente, a vida de solteiro (celibatário), naquela época e no presente, tem vantagens reais para a dedicação ao Reino de Deus. A vida de casado pode distrair o marido ou a esposa de sua dedicação ao Senhor. Entretanto, o compromisso e os sacrifícios mútuos entre os cônjuges e por seus filhos podem se tornar um caminho adequado para a santidade de novas gerações e para a instauração de uma sociedade mais honesta, justa e fraterna, por meio de famílias que tenham como propósito fomentar a santidade em todos os aspectos da existência.

Paulo escreveu com base em sua experiência de vida e em suas expectativas pessoais. Seu conselho foi (e ainda é) fundamental, mas há outra importante vocação a considerar. Uma comunidade de pessoas solteiras pode se concentrar integralmente no Senhor. Os cuidados do mundo exigidos pelo estado de casado interferem nesse enfoque. Todavia, mesmo as “distrações” provocadas pela vida matrimonial podem fortalecer a vida espiritual de uma pessoa. A vida de solteiro ou casado depende da vocação dada por Deus, e tanto solteiros quanto casados são chamados a uma vida de santidade, enquanto peregrinam neste mundo para a casa do Pai.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Autoridade como serviço foi o modo como Jesus exerceu seu ministério. Isso ele ensinou aos seus seguidores e até mesmo exigiu deles. Não veio para dominar ou para ser servido, mas para servir. Veio, antes de tudo, para libertar a humanidade; para que, vivendo em liberdade, as pessoas possam expandir-se, desenvolver-se como seres humanos, viver em plenitude.

Jesus nos libertou dos “espíritos malignos” do medo, das compulsões, do egocentrismo estreito, da raiva, do ressentimento, da hostilidade e da violência, que impedem as pessoas de realmente desfrutar a experiência de estarem vivas. Quão triste é, então, constatar que tantas pessoas veem a fidelidade à fé cristã como um fardo a ser descartado para que possam ser “livres” da opressão e da limitação da religião. Até que ponto a Igreja é responsável por essa imagem, tão contraditória com a mensagem do Evangelho?

Vamos pedir a Jesus que a mensagem do Evangelho seja verdadeira fonte de libertação para nós. Que Jesus nos liberte de tudo o que nos torna surdos, mudos, cegos para Deus e para o próximo e paralisados ​​pelo medo.

Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

graduada em Filosofia e em Teologia, cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. E-mail: [email protected]