Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2023 - ano 64 - número 354 - pp.: 38-40

5 de novembro – TODOS OS SANTOS

Por Izabel Patuzzo*

A vocação de todos nós

I. INTRODUÇÃO GERAL

A celebração da solenidade de Todos os Santos nos convida a contemplar a vida de todos aqueles e aquelas que, de diversos modos, seguiram a Cristo na fidelidade, deixando-nos exemplos de grandes testemunhos. Inúmeras pessoas não apenas trilharam o caminho do discipulado de Jesus Cristo, mas também viveram de tal modo sua fé, que construíram o Reino de Deus ao seu redor.

Na primeira leitura, o Apocalipse de João descreve, em linguagem simbólica, a multidão daqueles que deram a vida pela fé no Cordeiro de Deus. Eles “aclamam em alta voz que a salvação pertence somente ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”. A segunda leitura nos recorda que, pelo sacramento do batismo, fomos chamados para a vida de santidade como filhos e filhas de Deus. O Evangelho nos apresenta as bem-aventuranças como caminho de uma vida pautada pelas diretivas de Deus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ap 7,2-4.9-14)

A leitura do Apocalipse proposta nesta liturgia descreve a multidão dos santos ao redor do trono celeste, lugar que, na linguagem apocalíptica, significa a morada de Deus. Eles são provenientes de todas as tribos de Israel, simbolizando que a corte celeste é a morada de todos os santos, que vêm de todos os lugares. O cenário descrito é de uma grande liturgia, em que todos adoram somente aquele que está no trono celeste, Deus, e o Cordeiro. Trajam vestes brancas, símbolo da pureza daqueles que não praticaram a idolatria. Trazem uma palma na mão, que expressa o testemunho por meio do martírio. Esse sinal é conservado até hoje nas imagens dos santos que testemunharam sua fé mediante a doação da própria vida. Todos aqueles que foram marcados pelo sinal do batismo são protegidos por Deus contra as forças do mal.

O número 144 mil (12 x 12 x 1.000) é representativo de todas as tribos de Israel, das quais se originaram as comunidades cristãs. Desse modo, as comunidades cristãs espalhadas pelo mundo estão em comunhão com todos os antepassados que foram fiéis à Aliança. O número doze simboliza totalidade, completude. Ao recordar o nome de cada tribo (v. 5-8, ausentes na leitura), João indica às comunidades de seu tempo que Deus conhece cada uma pelo nome, para a eternidade.

2. II leitura (1Jo 3,1-3)

A primeira carta de João foi escrita para aprofundar a espiritualidade cristã e a consciência da ética social das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo mediterrâneo do primeiro século. Com a morte dos apóstolos, as comunidades da segunda geração sofrem com as hostilidades e ameaças da parte do Império Romano e com as heresias vindas do mundo helênico gentio. Nesse contexto, João deseja fortalecer a fé dos discípulos e discípulas de Jesus Cristo.

O texto da segunda leitura apresenta os traços característicos dos filhos e filhas de Deus, que é o amor traduzido em ações. O amor a Deus e ao próximo deve estar no “DNA” do cristão. O ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus; em consequência, a criatura humana é chamada a cuidar da obra da criação, no sentido mais amplo da palavra, com amor. As obras do mal, como vingança, violência, mentira, corrupção, roubo, por exemplo, não podem habitar o coração dos filhos e filhas de Deus. O cristão tem uma missão no mundo, que é a vivência da caridade e dos valores evangélicos. Em Jesus Cristo, o amor de Deus se revelou em plenitude. Jesus veio para iluminar as trevas e distinguir quem caminha na luz e quem são aqueles que caminham na escuridão.

A leitura é grande convite para perseverarmos no amor divino, que habita em nós pela água e pelo Espírito, derramados sobre nós no batismo, e no amor de Cristo, pelo qual Deus nos concede a vida eterna. Ser membro da comunidade de fé significa pertencer à grande família dos filhos e filhas de Deus, que rejeitam todas as obras do mal.

 3. Evangelho (Mt 5,1-12a)

A proclamação das bem-aventuranças na montanha é dirigida àqueles que já estão no caminho do discipulado. Esse ensinamento de Jesus é a carta magna para aqueles que escolheram os valores do Reino de Deus. Por isso, o Evangelho segundo Mateus insere esse discurso da montanha logo após o chamado dos primeiros discípulos. O conjunto das bem-aventuranças constitui as orientações vitais para uma comunidade que tem Jesus Cristo como Mestre e atualiza a Lei mosaica para o contexto cristão.

O relato mateano das bem-aventuranças deixa entrever que Jesus se dirige aos pequenos, enfermos, pobres, àqueles que depositam toda sua confiança em Deus, e não nos bens e poderes deste mundo. Dizer que os pobres são bem-aventurados significa que a humildade e a simplicidade são atitudes fundamentais para os discípulos e discípulas do Senhor, pois os ajudam a não cultivar a busca pelo ter ou o domínio sobre os irmãos e irmãs.

As oito bem-aventuranças formam um todo que se inicia e se conclui com a mesma expressão iluminadora: porque deles é o Reino dos Céus. A palavra “justiça” também é um termo central nessa passagem. Trabalhar pela justiça é atitude profética. Lutar pelos direitos dos pobres é prática que vem de longa tradição bíblica, presente na Lei mosaica, e, portanto, acompanha o povo de Deus desde os tempos mais antigos.

As primeiras bem-aventuranças recordam que a pobreza de espírito está estreitamente ligada à atitude de mansidão. Jesus foi humilde e manso de coração, rechaçando todo tipo de violência e agressão. Os aflitos serão consolados, pois, assim como Jesus os consolou, também seus discípulos e discípulas são chamados a consolar os que sofrem, sobretudo as vítimas de injustiça. Os puros de coração representam todos os que escolhem o caminho do direito e da verdade. E os que trabalham pela paz têm uma missão essencialmente social. Os que são perseguidos porque promovem a justiça e a paz representam todas as pessoas que, apesar de sofrerem por serem coerentes com os valores do Reino, cultivam no coração o espírito das bem-aventuranças.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Todas as leituras desta solenidade abrem-nos o espírito e o coração para seguirmos um caminho de santidade com o olhar para a realidade além deste mundo. Para alcançar a glória da ressurreição, tudo o que se passou com Jesus também se realizou e se realiza na vida de quem abraça a fé cristã.

Como membros da grande família dos filhos e filhas de Deus, temos traços em comum, dos quais o principal é a vivência do mandamento do amor na sua concretude. A solenidade de Todos os Santos reúne inúmeros testemunhos de santos e santas que trazem em si a imagem e semelhança de Deus; rostos de uma humanidade transfigurada. Os santos não se consideravam pessoas perfeitas e, de fato, não eram. Somente Deus é perfeito. Não obstante, esforçaram-se para se aproximar da imagem de Jesus Cristo, buscando a cada dia crescer como seres humanos, como discípulos e discípulas, tendo como meta a fidelidade ao Evangelho.

Izabel Patuzzo*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada - PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutoranda em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. em São Paulo. E-mail: [email protected]