Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2021 - ano 62 - número 338 - pág.: 47-50

5º Domingo da Quaresma – 21 de março

Por Izabel Patuzzo

A hora da Nova Aliança

I. INTRODUÇÃO GERAL

As leituras deste 5º domingo da Quaresma nos apresentam três níveis na luta que envolve entrega de si e morte: o primeiro diz respeito ao que acontece na natureza, com o grão de trigo no Evangelho; o segundo refere-se ao pecado, à resistência de Israel a se entregar ao poder estrangeiro babilônico; o terceiro tem relação com a entrega de Jesus, segundo a carta aos Hebreus. Contudo, a entrega, na perspectiva das Escrituras, tem um propósito, isto é, gerar o novo, produzir rica colheita e trazer a salvação. As três leituras nos interrogam: Estou pronto para o combate e para me entregar, a fim de que minha vida se torne também um ato de salvação?

A Palavra de Deus recorda continuamente que o Senhor estabeleceu uma aliança definitiva com seu povo escolhido, mas Israel nem sempre foi fiel. A aliança, na perspectiva profética, implica deixar-se conduzir novamente por Deus e permitir que ele mude e transforme o coração humano. O perdão que Deus oferece ao povo infiel reconstrói sua esperança e o torna capaz de pensar, decidir e agir segundo os preceitos divinos. No Evangelho, Jesus toma grande lição da natureza: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas, se morrer, produzirá muito fruto”. Nisso consiste nossa entrega pelo Reino de Deus.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Jr 31,31-34)

Na primeira leitura, por meio do profeta Jeremias, Deus promete aos judeus exilados na Babilônia: “Eu estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova”. A Primeira Aliança foi selada no deserto, quando o Senhor libertou seu povo da escravidão do Egito. Jeremias exerceu seu ministério profético antes da destruição do Reino de Judá, viu a destruição de Jerusalém e a ocupação da Babilônia e acompanhou a deportação da classe governante de Judá ao exílio. Em seu longo ministério, conheceu de perto os sofrimentos daqueles que permaneceram na terra devastada pela guerra, e também daqueles que foram forçados ao exílio.

Embora seja difícil precisar quando esse texto foi escrito, ele retrata a realidade de quebra da Primeira Aliança escrita nas pedras no evento do Sinai. O profeta Jeremias diz que a Segunda Aliança será escrita no coração; isto é, Deus irá gravar seus preceitos no íntimo de cada pessoa. Na cultura semita daquele tempo, o coração era considerado o centro dos sentimentos, dos pensamentos, das decisões e das ações humanas, sobretudo o centro da sabedoria. Jeremias vê que a dura experiência do exílio é momento propício para renovar o coração e reconstruir a aliança com o Senhor. Mesmo nessa situação de sofrimento, o profeta vislumbra um futuro de esperança, no qual o povo deseja servir a Deus de coração e fará essa escolha na liberdade. Na leitura, o profeta Jeremias indica que o povo precisa renovar sua relação com Deus. A imagem apresentada pelo profeta é a de um Deus amoroso, sempre disposto a perdoar e esquecer os erros passados de seu povo. Esse Deus era conhecido e amado pelo profeta. Também nós somos convidados, por meio dessa profecia, a sermos próximos de Deus, permitindo que ele renove nosso coração e nosso compromisso com ele.

2. II leitura (Hb 5,7-9)

A carta aos Hebreus é uma exortação de autor e destinatários desconhecidos. Foi enviada a uma das comunidades cristãs da Igreja primitiva. O texto  tem como objetivo apresentar a identidade de Jesus Cristo: ele é o Filho de Deus elevado, o sacerdote da Nova Aliança. Na perspectiva cristã do autor, o sacerdote deve ser uma pessoa de senso profundamente humano e humilde, capaz de entender as fraquezas dos irmãos. Nesse sentido, Jesus é o modelo ideal e perfeito de sacerdote que se opõe à ordem sacerdotal, terrestre e imperfeita, da linhagem de Sadoc no Antigo Testamento.

3. Evangelho (Jo 12,20-33)

O contexto do Evangelho deste domingo é a entrada solene de Jesus em Jerusalém, depois de ter sido aclamado pelas multidões como o Rei-Messias. Segundo o relato joanino, Jesus foi acolhido com ramos de palmas, o que recordava a tradicional festa das Cabanas, em memória do tempo em que Israel havia habitado em tendas, antes de conquistar a Terra Prometida. Essa festa celebrava o fim do processo de libertação da escravidão no Egito. Pondo em evidência esse contexto, o evangelista indica que Jesus chegou para nova libertação.

Os gregos que subiram a Jerusalém para prestar culto no templo descobrem Jesus e põem-se no caminho de seu seguimento. Jesus substitui o templo e desvia o itinerário da multidão. Chegam até ele as ovelhas que não são do recinto de Israel, destacando o caráter universal da libertação que Jesus veio trazer. Os gregos procuram por Filipe de Betsaida, território fora dos limites geográficos do mundo judaico. Betsaida, que significa “lugar de pesca”, é metáfora da atividade missionária dos apóstolos. Eles querem ver Jesus, e Filipe os apresenta a ele. Indiretamente, o texto faz alusão à evangelização da Igreja primitiva em ambientes não judaicos. Jesus anuncia que a hora de sua glória chegou, mas será glorificado como o grão de trigo que cai na terra e morre. Nessa declaração solene e central, ele explica como se produzirá o fruto da missão, sua e dos discípulos.

Na comparação do grão que morre na terra, a morte é entendida como a condição para que se libere todo potencial que a semente contém para gerar vida nova. O fruto só pode surgir quando o grão morre. Aplicada ao anúncio do Evangelho, a comparação sugere que a fecundidade da missão entre os gentios não dependerá da mensagem doutrinal, mas do testemunho do amor: dar a própria vida, esquecer-se dos próprios interesses e seguranças para se pôr a serviço do outro. Ser discípulo consiste em colaborar na mesma tarefa de Jesus, dispondo-se a sofrer a mesma sorte, no meio da hostilidade e perseguição, com a possibilidade de perder tudo.

Jesus não foge de sua hora. A descida do Espírito Santo sobre ele, com a voz que procede do céu, é a confirmação do Pai de que Jesus cumpre em plenitude a missão de redimir a humanidade. A multidão reconhece a procedência da voz celeste, que não foi destinada a Jesus, mas a eles, para que acreditassem.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A primeira leitura nos revela que Deus toma a iniciativa de estabelecer aliança com a humanidade. O propósito de tal aliança é transformar o coração de cada pessoa, para se tornar nova criatura nessa profunda relação com Deus. O Evangelho nos indica que olhando para Jesus, aprendendo com ele a ser como o grão de trigo e pondo-nos no seguimento de doar a vida por amor é que conseguiremos viver na comunidade da Nova Aliança.

O caminho indicado por Jesus é o do amor radical, que rompe as fronteiras geográficas e existenciais. Como nos recorda o papa Francisco, somos enviados a proclamar Jesus Cristo nas periferias existenciais da humanidade. Trata-se de oferecer o dom de nossa vida, que às vezes passa pelo fracasso, pelo não reconhecimento, pela crítica, assim como o grão caído que morre, mas faz brotar algo novo. Não há missão sem sacrifício, sem doação, sem entrega. Jesus, porém, dá-nos a certeza de que a vida doada por amor ao Reino de Deus produzirá fruto.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]