Roteiros homiléticos

5º domingo da Quaresma – 29 de março

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Da morte para a vida

I. Introdução geral

Imagens de ossos secos e de túmulos sempre trazem à mente a perspectiva da desolação, do limite da vida humana, da dor e da falta de esperança. Nessas situações-limite, a presença de Deus faz toda a diferença. Ossos secos recuperam o vigor da vida, Lázaro ressuscita e o Espírito de Deus resgata a esperança que havia sido perdida. O Espírito é quem provoca a renovação do ser humano. Por isso, onde existiam os sintomas da morte, a presença do Espírito produz a celebração da vida.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: Ez 37,12-14

A primeira leitura está inserida no contexto da visão do vale de ossos secos do profeta Ezequiel. A imagem dos ossos secos e dos túmulos representa a condição de um povo morto, sem espírito e sem sentido de vida. Ezequiel é profeta que exerce sua atividade em meio ao exílio. Uma época de dor e sofrimento. Afinal, tudo quanto era importante, significativo e garantidor da própria identidade do povo de Deus deixara de existir. O poderoso exército da Babilônia, liderado por Nabucodonosor, invadiu e destruiu a cidade e o templo. Pensava-se, naquela época, que a cidade e o templo eram invioláveis porque Deus se fazia presente. As certezas do povo desmoronaram e, em terra estranha, exilado, “à beira dos rios da Babilônia, aí nos sentamos e choramos” (Sl 137,1). Se a dor está presente no cotidiano do povo, Ezequiel, nessa belíssima visão, mostra que Javé também se encontra presente. Todo o capítulo 37 proporciona refletir que a esperança está germinando em meio ao sofrimento. Se a esperança parece escapar por entre os dedos e o desânimo não proporciona saída, o espírito de Deus sopra, restaurando todos aqueles que o exílio fatalmente havia atingido.

A ação é do próprio Javé. Ele é o protagonista da salvação. O Deus que está plenamente vivo e ativo para restaurar a vida e a esperança de seu povo. A depender da tradução, é possível ler, por duas vezes, a expressão “povo meu” (v. 12.13). Se o povo anteriormente, quando da destruição de Jerusalém, pensava ter sido abandonado por Deus, a expressão demonstra que, da parte de Deus, permanece inalterada a relação de afeto e de pertença do povo em relação a ele. Isso explica as múltiplas promessas: “vou abrir”, “tirar vocês”, “levá-los”, “colocar meu espírito”, “colocarei em sua própria terra”, a fim de que o povo saiba que ele é Javé.

2. II leitura: Rm 8,8-11

O apóstolo Paulo contrapõe dois projetos, dois estilos de vida diferentes: um orientado pela carne (os instintos humanos) e outro orientado pelo Espírito. Um projeto conduz à morte, o outro à vida. Não é possível conciliar um com outro. Aqueles que vivem o projeto da carne desagradam a Deus, e aqueles que vivem o projeto do Espírito são agradáveis a Deus. Na teologia paulina, o Espírito habita no discípulo de Jesus. O Espírito, portanto, é a confirmação de que se pertence também a Jesus. E, da mesma forma como o Espírito ressuscitou Jesus dentre os mortos, ele também produzirá vida nos corpos mortais. O Espírito é quem provoca a renovação interior. Onde existiam os sintomas da morte, a presença do Espírito produz a celebração da vida.

3. Evangelho: Jo 11,1-45

Jesus sempre chama para a vida. Mais do que isso, chama a cada um pelo nome. O evangelho de hoje narra a doença e morte de Lázaro. Suas irmãs se incomodam com o sofrimento do irmão e, apressadamente, enviam uma mensagem para Jesus: “Seu amigo está doente” (v. 3). Jesus mantém com Lázaro uma relação de autêntica amizade.

Há, por parte dele, preocupação genuína, própria dos amigos. Assim, ele tranquiliza as irmãs diante do desespero vivido: “Essa doença não é para a morte” (v. 4). Diante de um ambiente marcado pela dor, o evangelho nos lembra que Jesus amava Marta, Maria e Lázaro. Jesus sentia empaticamente a dor de Lázaro e, por isso, decide permanecer no mesmo local por mais dois dias. Não lhe é possível virar as costas àqueles que sofrem. A solidariedade sempre deve ser maior do que os próprios interesses. Assim, Jesus não se apresenta nessa narrativa como se fosse um grande bloco de gelo. A situação do amigo o incomoda sobremaneira.

Não há sofrimento estranho para Jesus. Por conta disso, e para desespero dos discípulos, ele decide retornar à Judeia. Como voltar para um lugar que respirava perigo? O que levaria Jesus a caminhar três quilômetros e arriscar a própria vida? A única resposta possível é a solidariedade que nasce em meio à dor. Jesus não pode seguir seu caminho se o caminho de seu amigo se encontra obstaculizado pela dor. Mais do que isso: a dor do amigo não permite que Jesus caminhe seus próprios passos. Diante da dor do próximo, os passos dados somente podem ser em direção a ele. Enfim Jesus chega – após quatro dias – à casa de Marta e de Maria. Quatro dias em que a dor havia se tornado tão penetrante, que as lágrimas já não podiam ser contidas: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (vv. 21.32), dizem as irmãs, uma após a outra. Pensavam que a ressurreição era um projeto apenas para o futuro e se esqueciam de que o projeto de Jesus proporciona vida plena desde já. A promessa de Jesus é clara: “Seu irmão vai ressuscitar” (v. 23). Por duas vezes lemos que ele “se comoveu interiormente e se perturbou” (vv. 33.38).

Não havia como permanecer impassível perante tamanha dor. Diante do local onde o corpo de Lázaro havia sido colocado, Jesus gritou bem forte: “Lázaro, venha para fora” (v. 43). A pessoalidade de Jesus impressiona. Ele não é impessoal, glacial e apático. Trata as pessoas pelo nome. Proferindo o nome, demonstra não só a proximidade do relacionamento, mas também a maneira mediante a qual se constrói a solidariedade em meio à dor. A ressurreição de Lázaro é bela catequese para que ouçamos as palavras de Jesus – dirigidas a cada um de nós – e acreditemos na vida em abundância que ele nos traz tanto no já quanto no ainda não.

III. Pistas para reflexão

1) A ressurreição de Lázaro pode ser considerada bela catequese para que ouçamos as palavras de Jesus – dirigidas a cada um de nós – e acreditemos na vida em abundância que ele nos traz tanto no já quanto no ainda não. De que forma podemos compreender nossa missão numa sociedade que provoca a morte de milhares de pessoas diariamente, principalmente das mais fragilizadas?

2) Na visão do vale de ossos secos, é o próprio Javé que toma a iniciativa. Os ossos secos não podem fazer nada por si mesmos. Nessa cena, o grande e único protagonista é Deus.

Luiz Alexandre Solano Rossi

é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.