Roteiros homiléticos

5º Domingo do Tempo Comum – 10 de fevereiro

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral

Muitas vezes temos uma compreensão relativamente inadequada e parcial sobre o significado da palavra “santidade”. Na maioria das vezes, pensamos que a santidade estaria ligada unicamente ao indivíduo que a busca. Nesse sentido, ela diria respeito restritivamente a uma pessoa. Todavia, os textos bíblicos nos sugerem que a santidade, ou o fato de ser santo, se manifesta principalmente na prática da justiça. Dessa forma, ser santo e/ou buscar a santidade não significaria tão somente aquilo que faço para Deus, mas também – e especialmente – aquilo que faço para os outros.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: Is 6,1-2a.3-8

Para o profeta Isaías, ser santo significa principalmente praticar a justiça: “O Deus santo mostra sua santidade pela justiça” (Is 5,16). Sua compreensão de santidade passa automaticamente pela compreensão de purificação, mas, predominantemente, de purificação dos pecados de injustiça (cf. Is 1,10-20). Na vocação de Isaías no templo, sobressai sua visão do “santo, santo, santo” (Is 6,3). Visto que o Deus santo de Israel julga com justiça e exige a prática da justiça (cf. Is 11,3-6), não há nada mais consequente do que exigir do seu povo a mesma prática (cf. Is 5,18-19). Isaías faz eco à profecia ao salientar que a proposta de santidade, enquanto luta pela justiça, rejeita todas as formas de ritualismo que não sejam acompanhadas dessa prática efetiva. É preciso continuamente lembrar que os relatos de vocação sempre possuem uma dimensão coletiva. Deus chama para que se preste um serviço ao povo e, por conseguinte, o beneficiário da vocação nunca é aquele que é chamado.

É por meio do impacto ocasionado pela declaração da santidade de Deus que Isaías se torna consciente de sua impureza como ser humano. Se, de um lado, se encontra a santidade, do outro, encontra-se a impureza. Da reação do profeta diante da visão infere-se que a impureza é causada pelo pecado e por qualquer comportamento desfavorável à comunidade. Verifica-se a purificação e a consagração de sua boca exatamente porque ele será destinado a falar. Para além disso, saliente-se o fato de o texto considerar que tanto o profeta quanto os destinatários possuem “lábios impuros”. Todavia, somente o primeiro é objeto de purificação. Quanto aos segundos – o povo, os líderes –, a purificação dependerá de como responderão à mensagem do profeta. Morar em meio a um povo de lábios impuros implica também, para Isaías, estar aprisionado na solidariedade da culpa coletiva. Há diálogo entre os “dizeres”, isto é, o profeta ouve, mas também fala. Isaías e Javé se comunicam. Há protagonismo do profeta e, necessariamente, uma autoafirmação como sujeito que tem direito à palavra. Nesse caso, não existe manipulação do discurso por parte de Javé. Que fique claro: no relato da vocação de Isaías, Javé não monopoliza a palavra.

2. II leitura: 1Cor 15,1-11

A afirmação da segunda leitura é fundamental para a fé cristã: Jesus morreu e ressuscitou. Trata-se do credo que Paulo recebeu e estava anunciando. Ele, Paulo, não é discípulo sozinho. É, antes, continuador de um caminho iniciado por muitos outros. Consciente de ser apenas mais um elo na grande corrente da fé, Paulo se apresenta como continuador do projeto de evangelização. A repetição da afirmação “segundo as Escrituras” (v. 3-4) justifica-se porque, para os primeiros cristãos, recorrer às Escrituras era um modo de afirmar a veracidade do presente que viviam. Assim, os primeiros missionários tinham a necessidade de demonstrar o caráter de cumprimento profético dos fatos que testemunhavam.

Nota-se também a descrição do testemunho das aparições: a Pedro, aos doze apóstolos, a quinhentos irmãos, a Tiago, a todos os apóstolos e, finalmente, a Paulo. O caráter do testemunho é essencial na vida cristã. Todos são testemunhas do enorme impacto de Jesus na própria vida. Mais do que isso, cada uma dessas pessoas deve ser vista como um elo da mesma corrente. São testemunhas que assumem em seu próprio tempo uma responsabilidade. Possivelmente podemos dizer que elas têm consciência do que são. Ao olhar para essas testemunhas, os outros enxergam algo de diferente: nelas transborda a vida de Jesus. Como as pessoas crerão se não há quem fale? Somente o anúncio sobre Jesus, que morreu e ressuscitou, pode levar as pessoas a viver em novidade de vida.

3. Evangelho: Lc 5,1-11

A cena se passa no lago de Genesaré. Jesus, Simão, Tiago, João e uma multidão estão presentes. Num primeiro momento, Jesus ensina a multidão e, logo depois, sobe numa das barcas e segue pelo lago. Nesse momento, tem lugar um episódio no mínimo curioso: Jesus, que havia sido treinado por seu pai adotivo – José – na arte da carpintaria, passa a dar orientações sobre a arte de pescar. Ele orienta: “Levem o barco para águas mais profundas e lancem as redes”.

Possivelmente, a orientação de Jesus pareceu muito estranha aos ouvidos daqueles pescadores experientes. “Mestre, trabalhamos duramente a noite toda e não pescamos nada!” A reação de Simão é absolutamente natural: o que um carpinteiro poderia ensinar a um pescador? Será que Jesus não estava indo longe demais? Por que ele não se preocupava tão somente em ensinar a palavra de Deus? No entanto, sobrenatural é o que Simão diz logo a seguir: “Por causa das tuas palavras, jogarei as redes”. O que de fato importa é depositar a fé nas palavras de Jesus.

A obediência fez que pescassem tanto peixe, que as duas barcas estavam a ponto de afundar. Diante do espanto, Jesus inicia seu processo de discipulado. Daquele momento em diante, Simão seria um pescador de gente. Ele e seus amigos são chamados a espalhar a Boa-Nova e, para isso, precisarão ir ao encontro dos outros. Já não ficarão envolvidos com redes, anzóis, barcos e peixes. Da solidão de um grupo pequeno, farão o caminho que os levará ao encontro das pessoas, para que elas possam saber que ainda lhes resta o mais fundamental dos encontros: o encontro com Jesus. Nesse momento, eleição e vocação se encontram numa só pessoa: Simão.

Jesus dirigiu a Simão uma palavra de movimento que o colocou diante de uma prova de fé. Era o exato momento para crer contra toda a esperança. A fé pôs Simão e seus companheiros em movimento. Mesmo cansados, após terem pescado por horas em vão, tiveram na fé um elemento motivador. Se à noite, a hora mais propícia para a pescaria, o resultado fora completamente nulo, sob a palavra de Jesus as redes se encheram. Não se frustra aquele que deposita a fé nas palavras de Jesus. Se antes os amigos eram sócios na atividade pesqueira, a partir do encontro com Jesus estariam muito mais ligados para dar início à construção da nova sociedade. É interessante observar que os locais de vida de Pedro – por exemplo, o lugar onde ele orava, sua casa e seu ambiente de trabalho – são libertados da miséria, da doença, da desgraça e da falta de êxito. Mais vale a vida com a presença de Jesus!

“Não tenha medo” é uma expressão admi­rável de Jesus. Ele tira o medo de Simão e lhe dá uma tarefa. A presença de Jesus lança fora o medo e permite que se assumam funções antes ignoradas e/ou tidas como impossíveis. Os exemplos de Abraão e de Maria falam por si mesmos.

III. Pistas para reflexão

– É a presença de Jesus que lança fora o medo! A experiência de Simão é fundamental para compreendermos a maneira pela qual podemos “desmontar” os muitos projetos que nos causam medo. Antes de mais nada, é preciso considerar que Simão assume como se fosse dele as palavras e, portanto, o projeto de Jesus. São as palavras de Jesus as que realmente importam. Ele, Simão, passa a olhar a própria vida com outro olhar e, fazendo isso, percebe que algo pode ser diferente. Jesus ensina Simão a olhar para o mesmo lugar, porém de forma diferente, e isso faz toda a diferença.

– Somente um Deus santo poderia exigir santidade de seu povo. Assim como somente um Deus justo poderia exigir que seu povo viva a prática da justiça. Santidade e prática da justiça são complementares em Deus. A santidade de Deus se manifesta por meio de sua justiça: essa é a declaração do profeta Isaías. Talvez esteja mais do que na hora de pensarmos que a busca da santidade passa também, necessariamente, pela prática da justiça na vida cotidiana.

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]