Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro – fevereiro de 2020 - ano 61 - número 331 - pág.: 56-59

5º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 9 de fevereiro

Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues

A missão do cristão é dar sabor ao mundo e iluminá-lo

I. Introdução geral Com as imagens do sal e da luz, a liturgia deste dia define a missão dos discípulos e discípulas de Jesus no mundo: dar sabor e iluminar. Essas imagens estão mais evidentes no evangelho, sendo utilizadas explicitamente por Jesus, mas encontramos ecos e ressonâncias também nas outras duas leituras, sobretudo na primeira, que também emprega a imagem da luz. Ao povo que imaginava agradar a Deus com práticas penitenciais como o jejum, o autor da primeira leitura faz uma advertência: se não estiver acompanhada de ações concretas em favor dos mais necessitados, essa prática é inútil. A luz de Deus só é refletida na vida de uma pessoa quando esta é praticante da justiça e do bem. A advertência do profeta está claramente em sintonia com o evangelho, no qual Jesus declara que seus seguidores são “sal da terra” e “luz do mundo”. Jesus confere uma responsabilidade ímpar aos seus discípulos, indicando que a construção do Reino de Deus neste mundo depende essencialmente da coerência de vida deles. A segunda leitura traz o testemunho de um cristão que assumiu radicalmente a missão de ser sal da terra e luz do mundo. É o caso de Paulo, que fez de tudo para refletir na própria vida a luz de Cristo e dar sabor ao mundo, em uma comunidade marcada por divisões e vaidades, como a de Corinto. Damos sabor ao mundo e o iluminamos, portanto, quando fazemos das opções de Deus as nossas, praticando o bem e anunciando integralmente o evangelho de Jesus Cristo, o crucificado e ressuscitado, mesmo que isso pareça loucura para o mundo (cf. 1Cor 1,23). II. Comentários dos textos bíblicos 1. I leitura: Is 58,7-10 A terceira parte do grande livro de Isaías (Is 56-66), chamada de “Terceiro Isaías”, é uma obra anônima do pós-exílio (século V a.C.). A primeira leitura, retirada dessa obra, apresenta algumas advertências do profeta sobre a vida religiosa do povo, que tinha retornado do exílio da Babilônia. O que está em questão é a prática do jejum (cf. Is 58,1-12). O povo acreditava que bastava jejuar e cumprir ritos penitenciais para agradar a Deus e, consequentemente, atrair seus favores. O profeta, no entanto, pensava diferente. O que agrada a Deus é que sua vontade seja feita, e esta não consiste em práticas penitenciais ou ritos, mas em obras de justiça e amor em favor dos mais necessitados, como o profeta recorda: “Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres e peregrinos. Quando encontrares um nu, cobre-o” (v. 7). É nas necessidades mais básicas e elementares do próximo que o amor deve se manifestar, e é esse tipo de jejum que Deus espera do seu povo. Não basta, porém, praticar o bem para agradar a Deus; é necessário igualmente não ser conivente com nenhum tipo de mal e exploração. Por isso, o profeta recomenda também que sejam destruídos os instrumentos de opressão e sejam evitadas atitudes como a prepotência e a difamação (cf. v. 9). Somente quem age dessa forma pratica um culto agradável a Deus e se torna reflexo da sua luz (cf. vv. 8.10b). As práticas religiosas não são ruins, mas não têm sentido se não são acompanhadas de uma vida coerente e atenta às necessidades do próximo. Embora empregue somente a imagem da luz, o texto profético antecipa, ao menos parcialmente, a mensagem de Jesus no evangelho do dia. 2. II leitura: 1Cor 2,1-5 Paulo é exemplo de quem assimilou a identidade e a missão cristã de ser sal da terra e luz do mundo. É incontestável seu esforço para refletir na própria vida a luz de Cristo e dar sabor ao mundo pelo testemunho. A segunda leitura é uma demonstração disso. Nela, o apóstolo recorda as bases da sua experiência evangelizadora na comunidade de Corinto. Como afirmamos há dois domingos, essa comunidade enfrentava sérios problemas, devido às divisões e rivalidades que estavam sendo alimentadas entre seus membros, o que punha em risco a eficácia do anúncio. Após a saída de Paulo, surgiram lá novos pregadores que depositavam maior confiança em suas habilidades retóricas do que no conteúdo, o evangelho de Jesus Cristo, e isso dividia os cristãos em diversos partidos, pois se deixavam atrair pela retórica do pregador, e não pelo Cristo crucificado (cf. 1Cor 1,10-13.17). Corinto era uma grande cidade grega e nela a sabedoria humana era cultuada e propagada por diversas correntes filosóficas, o que gerava resistências à aceitação de um Deus com aparências tão frágeis, como Jesus crucificado. Diante disso, alguns pregadores procuravam adequar a pregação à sabedoria humana por meio da retórica, fazendo a cruz passar quase despercebida no anúncio. Essa situação era intolerável para Paulo. Por isso, ele recorda sua experiência, afirmando que não recorreu aos artifícios da linguagem nem à sabedoria humana (cf. v. 1), pois tais elementos poderiam ofuscar o conteúdo e, consequentemente, tornar despercebido o poder do evangelho e da cruz. Ao ministro do evangelho não interessa outro conteúdo senão estes quatro elementos básicos, sobre os quais Paulo construiu sua experiência evangelizadora: o mistério de Deus (cf. v. 1), Jesus Cristo crucificado (cf. v. 2), o poder do Espírito (cf. v. 4) e o poder de Deus (cf. v. 5). Para que a evangelização seja autêntica, o pregador deve renunciar a qualquer sinal de vaidade ou busca de reconhecimento, pois as pessoas não podem ser atraídas pelas suas habilidades, mas somente pelo Cristo. Com essa consciência, Paulo ensina como assimilou tão bem sua missão de ser sal e luz. 3. Evangelho: Mt 5,13-16 Iniciamos hoje a leitura do “discurso da montanha” (Mt 5-7), cuja parte inicial, correspondente às bem-aventuranças (5,1-12), foi saltada, devido à festa da Apresentação do Senhor, celebrada no domingo passado. O trecho que lemos nesta liturgia é sua continuidade. Vale a pena recordar que as bem-aventuranças são o núcleo central de toda a mensagem de Jesus, retratam seu estilo de vida e constituem o programa que ele propõe também aos seus discípulos. Empregando as imagens do sal e da luz, Jesus fala da missão dos discípulos e do efeito transformador deles no mundo, se viverem efetivamente as bem-aventuranças. De fato, da vivência das bem-aventuranças depende a instauração do Reino que ele oferece como alternativa a um mundo marcado por injustiças, egoísmo, corrupção, violência e todo tipo de mal. Esse Reino só pode se concretizar quando as pessoas, começando pelos discípulos, assumirem um estilo de vida semelhante ao de Jesus, ou seja, puserem em prática o programa das bem-aventuranças. O sal é um elemento essencial para a vida e pode ser utilizado para diversas funções, porém as principais são dar sabor e conservar. Os discípulos de Jesus, em sua maioria pescadores, compreendiam muito bem o impacto de uma afirmação como esta: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos?” (v. 13a). A atividade pesqueira utilizava bastante o sal para conservar os peixes para a comercialização. Os discípulos pescadores sabiam o problema que era um sal estragado. Seria um desastre total, todo o esforço da pesca seria perdido. Assim, além de dar sabor ao mundo, transformando realidades, os discípulos têm a função de conservar no mundo os valores do Reino. Esse sal, portanto, é o conjunto das bem-aventuranças, as quais só têm sentido e funcionalidade se forem vividas concretamente e de modo contínuo. A imagem da luz atravessa toda a Bíblia e é mais fácil de ser compreendida, pois seu efeito é muito mais visível. O próprio Mateus apresentou a missão de Jesus na Galileia como a irrupção de uma grande luz que iluminava quem estava nas trevas (cf. Mt 4,16). Ao dizer aos discípulos “Vós sois a luz do mundo” (v. 14), Jesus está compartilhando com eles sua própria vida e missão, e indicando-lhes a responsabilidade de, pelo testemunho, tornarem acesa como a luz a presença deles no mundo. Os dois exemplos ilustrativos, a cidade sobre o monte e a lâmpada acesa no candeeiro (cf. v. 15), só reforçam a responsabilidade dos discípulos e dos cristãos de todos os tempos: manter o mundo iluminado por Jesus e pelo seu evangelho, cuja síntese está nas bem-aventuranças. Concluindo, Jesus adverte: os cristãos não podem buscar reconhecimento pessoal pelas boas obras que realizam. Quem tem de ser louvado é o Pai celestial (cf. v. 16). III. Pistas para reflexão Destacar a relação entre as três leituras e o apelo ao testemunho que elas fazem: não tem sentido uma prática religiosa marcada por muitas devoções e poucos gestos de amor em favor dos mais necessitados (I leitura); os seguidores de Jesus têm a responsabilidade de transformar o mundo pelo anúncio e, sobretudo, pelo testemunho (evangelho); o anúncio, para ser autêntico e credível, não pode ter a sabedoria humana como fundamento, e sim Jesus Cristo crucificado (II leitura). O cristão dá sabor ao mundo e o ilumina quando se conforma a Jesus, vivendo, como ele, as bem-aventuranças.

Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).