Roteiros homiléticos

6º Domingo do Tempo Comum – 17 de fevereiro

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral

Exercer a confiança em meio a dias tenebrosos é uma das maiores dificuldades do ser humano. Afinal, quando a noite escura da alma se instala na vida, é certamente mais difícil enxergar a luz de Deus brilhando. Jesus sempre apresenta nova possibilidade de vida. Na verdade, tudo quanto ele fala e faz causa verdadeiro espanto e, muitas vezes, leva-nos a sair do lugar-comum. Diante do risco da falta de sentido e de finalidade para vivermos e nos construirmos como seres humanos, ele se apresenta como “ressurrecto”. Nele, e somente nele, encontramos sentido para a vida. Ao contrapor as “bem-aventuranças” aos “ais”, Jesus proclama, com ar definitivo, ser necessário escolher em qual categoria de pessoa nos encaixamos: na categoria que caminha em direção aos pobres e aflitos ou na categoria que produz, justamente, a dor no outro.

Se consideramos que não há sofrimento estranho, logo concluímos que a melhor decisão é justamente aquela que fazemos com os nossos “pés”, ou seja, quando rompemos a bolha que nos isola de tudo e de todos e caminhamos em direção aos outros, preferencialmente àqueles que se sentem machucados e feridos pela vida.

II. Comentários aos textos bíblicos

  1. I leitura: Jr 17,5-8

A leitura do profeta Jeremias nos recorda o Salmo 1. Expressa o simples contraste entre a confiança na sabedoria humana e a confiança em Deus. A humanidade vive sob o curso do erro e da ilusão, enquanto a confiança em Deus é o caminho da bênção e da segurança. A razão do contraste é evidenciar como o trágico destino de Judá, apresentado nos v. 1-4, pode ser essencialmente traçado como erros do entendimento humano.

A confiança no ser humano é contraposta à confiança em Deus. A confiança nas pessoas está assentada em valores instáveis e enganosos, como a riqueza, a sabedoria e a força física. A confiança em Javé, por sua vez, é tratada como algo inabalável, isto é, como algo que não se desmancha no ar.

As expressões que servem de referência ao apoio humano refletem a morte e a dor: “deserto”, “salgado”, “inabitável”. Já as expressões que se referem à confiança em Javé indicam vida: “água”, “rio”, “verdes”, “frutos”.

Talvez exista uma conexão mais profunda, baseada na compreensão de que o caminho da vida e da fertilidade não deve ser buscado em rituais confusos, mas na obediente confiança em Deus. A tranquilidade não se pode estabelecer sobre altares e postes sagrados, pois são provisórios e, em si mesmos, destituídos de vida. As forças desconhecidas e misteriosas da morte encontram resposta quando homens e mulheres se enraízam às margens do manancial de vida, Javé.

Assim, para o profeta Jeremias, a vida pode ser definida com base no caminho a ser seguido. A confiança na própria força conduz o ser humano à injustiça, à exploração e à violência. Devemos, de fato, lembrar-nos que o profeta Jeremias é vocacionado por Deus para falar justamente contra os reis, os sacerdotes e os proprietários de terra, ou seja, contra o poder político, o poder religioso e o poder econômico (cf. Jr 1,18). Por outro lado, a fonte de todas as bênçãos reside justamente naquele(a) que segue, de forma confiante, o projeto de Deus.

  1. II leitura: 1Cor 15,12.16-20

Entre os moradores da cidade de Corinto, a ressurreição era desacreditada. No entanto, negá-la seria o mesmo que aniquilar a esperança. Justamente por isso, na segunda leitura, Paulo é enérgico ao afirmá-la como fundamento da fé. Somente a ressurreição de Cristo é que pode, de fato e de verdade, dar sentido à vida e à morte de cada um dos cristãos. O apóstolo ensina os primeiros cristãos da comunidade de Corinto a esperar contra toda esperança, demonstrando que haverá a ressurreição dos mortos por causa da ressurreição de Cristo.

A ressurreição de Cristo marca o início de novo modo de os discípulos e discípulas de Cristo pensarem a própria história. Não se trata apenas de ver a história objetivamente, mas também de vê-la na perspectiva de Cristo. A ressurreição de Cristo indica não apenas o surgimento de nova humanidade, como também o modo de proceder segundo um novo projeto de vida.

A partir da ressurreição, nenhum esforço é em vão. Há, por trás de cada gesto e de cada ação, uma motivação superior aos desejos e ambições pessoais. Na ressurreição, a motivação nasce em Cristo e é depositada em cada coração. Assim, trata-se de motivação externa, que age e interage com cada discípulo e discípula, transformando-os e motivando-os totalmente diante de uma sociedade sem sentido.

A ressurreição é apresentada por Paulo como algo que preenche a vida de sentido. Assim, no v. 20, ele inicia o período com uma conjunção adversativa (“mas”) para se contrapor aos coríntios que negavam a ressurreição e, finalmente, para fazer um ato de fé, proclamando alto e bom som: “Cristo ressuscitou dos mortos”.

  1. Evangelho: Lc 6,17.20-26

Jesus se encontra entre seus discípulos e uma grande multidão de pessoas. Dele saía uma força chamada “esperança” para todos aqueles e aquelas que se sentiam doentes e desprezados. Sementes de esperança eram lançadas por Jesus a fim de que a vida pudesse ser resgatada e dignamente vivida.

Lucas deixa bastante claro que a vida é composta de “bem-aventuranças” e de “ais”. São quatro bem-aventuranças e quatro ais. Há equilíbrio entre bênção e denúncia. De um lado estão os pobres, os famintos, os que sofrem e os rejeitados; de outro, distantes, mas promotores da situação em que aqueles viviam, os ricos.

Jesus se apresenta como profeta que denuncia a produção de violência contra os pequeninos. Nesse sentido, ele dá continuidade à escola profética do Antigo Testamento. Sabe que a promoção da violência e da pobreza é um escândalo. Por isso, elas não podem ser consideradas naturais nem, muito menos, divinas. Pobreza e violência, nas Sagradas Escrituras, devem ser pensadas como escândalo. Deus jamais pode ser considerado a fonte da pobreza, nem, muito menos, deveríamos nos alinhar a construções teológicas que sustentam ser ele quem determina que uns sejam ricos e outros vivam na necessidade. A pobreza é um mal que estende suas raízes para o estabelecimento de relações de dependência e opressão. Pobreza e miséria não têm como fonte Deus, e sim as anormalidades produzidas pelos sujeitos responsáveis pela construção da sociedade. Há miséria e sofrimento no mundo não porque sejam da vontade de Deus, mas porque as pessoas são vítimas indefesas da injustiça de outros. Os agentes da violência, da opressão e da injustiça possuem um poder que se opõe e contrapõe ao poder de Deus e deteriora as relações humanas, subjugando os diferentes e hierarquizando as relações. Certamente a existência da pobreza reflete uma ruptura da solidariedade entre as pessoas e da comunhão com Deus.

Para espanto de muitos, literalmente, Jesus diz que o Reino pertence aos pobres, aflitos e famintos. Os pobres são concretamente os herdeiros do Reino de Deus. Alguns sumários encontrados nos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,42-47; 4,32-35), também um texto de Lucas, mostram-nos como se concretiza, no interior das comunidades originárias, a primeira bem-aventurança. Tanto Jesus quanto o evangelista Lucas estão de acordo com a tradição do Antigo Testamento, que atesta que a pobreza não é um estado invejável ou de idealização. No entanto, na perspectiva de sua pobreza, os pobres podem conhecer a felicidade, porque sabem que o Reino de Deus é para eles.

Dentre tantos temas e conteúdos riquíssimos da leitura do evangelho, é necessário ressaltar que não há nenhuma indicação de que os apóstolos se identificam com os felizes das bem-aventuranças. Jesus, ao se dirigir a seus discípulos e ao mundo, expõe-lhes duas categorias de seres humanos, e os ouvintes não conseguem saber previamente a qual das duas categorias eles próprios pertencem.

III. Pistas para reflexão

– Um dos mais belos textos das Sagradas Escrituras diz respeito ao tema da santidade de Deus. O texto é o de Isaías 5,16: “O Deus santo mostrará a sua santidade por meio da justiça”. Seria possível, à luz desse texto, continuar a afirmar que a miséria e o sofrimento das pessoas se originam da vontade de Deus? Não seria justamente o contrário? A santidade de Deus nos leva, como filhos e filhas seus, a vivenciar no cotidiano os mesmos atos de justiça que se encontram nele?

– De que forma a ressurreição de Cristo pode produzir sentido e finalidade de vida para aqueles(as) chamados a ser seus discípulos e discípulas?

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]