Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro – fevereiro de 2020 - ano 61 - número 331 - pág.: 62-64

7º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 23 de fevereiro

Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues

O caminho da santidade é o amor

I. Introdução geral A liturgia deste dia enfatiza os temas da santidade e do amor. No início da primeira leitura, temos um solene convite de Deus ao povo de Israel: “Sede santos, porque eu, o vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). No evangelho, Jesus estende esse convite a toda a humanidade, por meio dos discípulos. O ser humano se torna santo quando, em seu jeito de viver, se assemelha a Deus, cultivando sentimentos e praticando ações que correspondem à sua vontade. O caminho para isso é o amor – manifestado em atitudes de respeito, compreensão e solidariedade – e a rejeição a todas as formas de violência, ódio, rancor e preconceito. A segunda leitura contém um lembrete importante de Paulo: a comunidade cristã é “santuário de Deus e morada do seu Espírito” (1Cor 3,16-23). Isso exige adesão plena dos cristãos para que esse santuário, enquanto construção, não venha a ruir. É necessário reconhecer-se como pertencente somente a Cristo, vivendo um amor semelhante ao dele, renunciando a qualquer sinal de glória ou sabedoria humana, mesmo que tal atitude pareça insensatez para o mundo. Isso habilita o ser humano a alcançar um estado de perfeição que é próprio do Pai celestial, mas, como ele é puro amor, compartilha sua perfeição também com seus filhos. II. Comentários dos textos bíblicos 1. I leitura: Lv 19,1-2.17-18 Retirada de uma seção do livro do Levítico chamada de “código de santidade” (Lv 17-26), a primeira leitura se concentra basicamente no tema da santidade. Esse código é um conjunto de prescrições que dizem respeito a todas as dimensões da vida do povo de Israel, como o culto, as relações sociais e familiares e a moral. São consideradas exigências básicas para as pessoas alcançarem um estado de santidade próximo ao do próprio Deus. Deus é o Santo por excelência, mas deseja que seu povo também seja caracterizado pela santidade (cf. v. 2), como sinal de pertença a ele e de distinção em relação aos outros povos. Por isso, propõe um caminho capaz de conduzir seu povo à santidade, que consiste basicamente na maneira de lidar com o irmão (cf. vv. 17-18), tendo o amor ao próximo como ponto culminante (cf. v. 18). A santidade é concebida, portanto, como a construção e a vivência da fraternidade com base em relações sinceras, sem sentimentos de ódio, vingança ou rancor, sem nenhum sinal de violência (cf. v. 17). O amor ao próximo aqui proposto (cf. v. 18) é um passo importante da evolução teológica nas tradições de Israel. De fato, o amor, enquanto mandamento, era um sentimento dispensado exclusivamente a Deus; propor o amor ao próximo é um reconhecimento de que Deus está presente na vida do outro. Esse trecho do Levítico revela, portanto, um amadurecimento na concepção de Deus, o que será continuado pelas tradições proféticas e aperfeiçoado por Jesus, pois, no contexto do Levítico, se entendia como “próximo” somente o compatriota, o irmão de raça, membro do mesmo povo. Jesus alargará esse horizonte, como mostra o evangelho do dia, ao exigir o amor até aos inimigos. 2. II leitura: 1Cor 3,16-23 Paulo continua a exortar os cristãos de Corinto a superar as divisões que estavam ameaçando a unidade daquela comunidade e pondo em risco o edifício sólido que ele, como apóstolo, tinha ajudado a construir. Por isso, emprega a expressão “santuário de Deus”, como imagem da comunidade cristã, para enfatizar que esta é o lugar privilegiado da morada de Deus e do seu Espírito (cf. v. 16) e, ao mesmo tempo, para ilustrar que ela é uma construção que exige a harmonia entre todos os seus membros para manter-se de pé. As divisões internas comprometem a estabilidade desse santuário (cf. v. 17a), podendo levá-lo à destruição. A manifestação da presença de Deus e de seu Espírito na comunidade depende da maneira de viver dos cristãos. Como Deus é santo, também sua morada deve ser santa (cf. v. 17b). As divisões são um sinal visível da falta de amor recíproco entre os cristãos; onde falta amor, surgem rivalidades, ódio e vaidade. Isso acontece quando se busca a sabedoria dos homens (cf. v. 19), a qual para Deus não conta. Para edificar o “santuário de Deus”, é necessário cultivar somente a sabedoria divina, mesmo que esta seja sinal de loucura (insensatez) para o mundo. Na raiz dos problemas estava a falta da consciência de pertencimento a Cristo (cf. v. 23). Equivocadamente, muitos imaginavam pertencer não a ele, Cristo, mas ao apóstolo ou ao pregador por meio do qual lhes tinha chegado o anúncio do evangelho ou que lhes tinha administrado o batismo (cf. 1Cor 1,12). As divisões em partidos derivavam desse equívoco. O último apelo da leitura é que essa mentalidade seja corrigida, até porque os pregadores, como instrumentos de Deus, é que pertencem à comunidade, e não o contrário (cf. vv. 21-23). O pertencimento a Cristo, portanto, é o fator de unidade e fraternidade para os cristãos de todos os tempos e o sinal de adesão total e radical à sabedoria de Deus, mesmo que esta seja considerada loucura (insensatez) para o mundo. 3. Evangelho: Mt 5,38-48 O evangelho do dia continua a leitura do discurso da montanha e é norteado pelos temas do amor e do perdão. Jesus deixou claro que não veio para abolir a Lei, mas para cumpri-la (cf. Mt 5,17). Esse cumprimento exige uma maneira nova de interpretá-la, pondo-a à disposição do Reino e não a usando como um entrave, como faziam os mestres da Lei e os fariseus (cf. Mt 5,20). Para entrar no Reino – que não é o paraíso, mas o mundo fraterno pensado por Deus para a terra –, os discípulos devem praticar uma justiça que supere as meras prescrições, ou seja, uma justiça que supere a dos mestres da Lei e dos fariseus. A primeira observação de Jesus é a correção da lei da retribuição (cf. Ex 21,24): “Olho por olho e dente por dente” (cf. v. 38). Ela tinha o objetivo de evitar vinganças excessivas e inibir novos atos de violência. A vingança era muito comum, sobretudo nas sociedades mais arcaicas, e quase sempre terminava em mortes. Para evitar tais situações, essa lei propunha um equilíbrio entre o dano e a pena; por isso a denominação “lei do talião”, que significa “tal e qual”. Quem era ferido num olho por alguém, ao vingar-se, não poderia ferir mais que o olho do seu agressor, e o mesmo valia para os demais membros do corpo, para objetos roubados e bens em geral. Numa perspectiva moderna, a referida lei parece absurda, mas na Antiguidade serviu para evitar muitas catástrofes. Jesus faz uma proposta completamente diferente e nova: a passagem da retribuição ao amor gratuito, assumindo o perdão ilimitado, de modo que seja eliminada toda forma de violência. Quando um discípulo de Jesus for vítima de violência ou de qualquer ato de maldade, não pode pagar na mesma moeda; o mal só pode ser combatido e vencido pelo bem. Destarte, com exemplos concretos do cotidiano, Jesus oferece uma ética nova e eficaz, quebrando a corrente da violência (cf. vv. 38-42). O segundo aspecto da Lei que Jesus considera neste evangelho diz respeito ao mandamento do amor ao próximo, também com uma compreensão radical que ultrapassa qualquer lógica humana. Antes de tudo, é oportuno recordar que não havia orientação alguma na Lei que recomendasse o ódio aos inimigos (cf. v. 44). Como, porém, a norma recomendava apenas o amor ao próximo (cf. Lv 19,18), e era considerado próximo apenas o compatriota, o membro do mesmo povo, alguns rabinos mais radicais interpretavam que quem não fosse próximo poderia ser odiado, sobretudo quem fosse considerado inimigo. Jesus corrige esse erro de interpretação e propõe uma inversão radical: “Amai vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem” (v. 44). Na lógica do Reino, todas as pessoas, indistintamente, devem ser amadas, porque o parâmetro é Deus, o Pai, que “faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (v. 45). Tornar-nos filhos desse Pai é absorver tal mentalidade, e esse é o critério decisivo para fazer parte do Reino que Jesus oferece. O amor aos inimigos cancela a inimizade. Esse amor nasce da paternidade universal de Deus e se concretiza no cotidiano da vida, nas relações com os outros. Também com uma série de exemplos do cotidiano (cf. vv. 46-47), como no caso da lei da retribuição, Jesus indica a direção que seus discípulos devem tomar para se tornarem perfeitos como o Pai celeste. Essa perfeição só é alcançada quando se vive um amor gratuito, generoso e desinteressado como o dele. III. Pistas para reflexão Deus, o Santo por excelência, quer que seus filhos também sejam santos. Para isso, ele indica o caminho: o amor ao próximo e o cultivo de relações fraternas. Jesus, enquanto plenitude da Lei, estende a exigência do amor até mesmo àqueles considerados inimigos, ou seja, propõe um amor sem distinção, semelhante ao do Pai. Esse amor compreende a disposição de perdoar sem limites, acolher as diferenças, eliminar preconceitos e violências. Para refletir esse amor, a comunidade não pode alimentar divisões e rivalidades, pois isso ameaça sua condição de morada de Deus.

Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).