Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro – fevereiro de 2020 - ano 61 - número 331 - pág.: 53-56

APRESENTAÇÃO DO SENHOR – 2 de fevereiro

Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues

Jesus é luz e salvação do mundo

I. Introdução geral Quarenta dias após o Natal, a Igreja celebra a festa da Apresentação de Jesus no Templo. Essa festa surgiu no século IV, no Oriente, sendo chamada de “festa do Encontro”. Foi introduzida no Ocidente no século VI, e no século X passou a ser uma festa mariana, com o título de “festa da Purificação da Bem-aventurada Virgem Maria”. A reforma litúrgica do Vaticano II restituiu seu sentido cristológico, dando-lhe o nome atual de “festa da Apresentação do Senhor”. No Oriente, ainda hoje é intitulada “festa do Encontro” e é celebrada 40 dias após a Epifania, em 14 de fevereiro. Essa festa é muito significativa, e sua liturgia da Palavra possui uma riqueza ímpar. Na primeira leitura, o profeta Malaquias anuncia a vinda do Senhor ao Templo para purificar seu povo, começando pelos responsáveis pelo culto. O evangelho mostra a realização do anúncio profético: de fato, o Senhor veio, foi introduzido no Templo, mas não conforme às expectativas, pois sua introdução foi simples e discreta, só sendo reconhecido por pessoas perseverantes e dóceis ao Espírito Santo, como Simeão e Ana. A segunda leitura confirma a surpresa do evangelho: o Messias enviado, constituído sumo sacerdote, não é um ser extraordinário, mas um de nós: Deus quis que ele se fizesse em tudo semelhante a nós, exceto no pecado, para, experimentando nossas dores, aplicar sua infinita misericórdia. II. Comentários dos textos bíblicos                                                                                                  1. I leitura: Ml 3,1-4 A profecia de Malaquias remonta ao período do pós-exílio, quando o Templo de Jerusalém já tinha sido reconstruído e o culto restabelecido. Porém, a forma como o culto estava sendo praticado não correspondia à vontade do Senhor, pois não era acompanhado de obras de justiça. O profeta denuncia essa situação e promete uma intervenção direta de Deus para purificar seu povo, começando pelos agentes do culto. A primeira leitura anuncia essa intervenção, caracterizada pela visita do Senhor. A intervenção de Deus anunciada pelo profeta comporta duas etapas: na primeira, será enviado um mensageiro (anjo) para preparar o caminho do Senhor (cf. v. 1a); a segunda etapa compreende a visita solene do próprio Deus ao seu Templo, por meio de um Messias enigmático, chamado ao mesmo tempo de “Dominador” e “anjo da aliança” (v. 1b). A missão do Messias é reatar a comunicação entre Deus e seu povo mediante um processo de purificação; as imagens do fogo do fundidor e da barrela dos lavadeiros ilustram essa missão (cf. v. 2). O fogo, aqui, tem uma função purificadora, e não destruidora, como em outras ocasiões. No fogo, os metais preciosos, como ouro e prata, recuperam o brilho original; a barrela, substância utilizada na lavagem de roupas, para tirar manchas e alvejar, tem função semelhante. Essa purificação consiste na eliminação das injustiças e na retomada de uma conduta ética adequada; os destinatários primeiros são os responsáveis pelo culto (cf. v. 3). Com os sacerdotes purificados, o culto por eles oferecido voltaria a agradar a Deus (cf. v. 4). A apresentação de Jesus no Templo é interpretada pela liturgia do dia como o cumprimento da profecia de Malaquias, embora o menino Jesus tenha características completamente diferentes do Messias anunciado pelo profeta. 2. II leitura: Hb 2,14-18 Além de mostrar que Jesus é o enviado de Deus, a segunda leitura ensina que somente nele a comunhão entre Deus e a humanidade foi plenamente restabelecida, pois é o único mediador perfeito, o sumo sacerdote por excelência (cf. Hb 4,14; 7,11). Por sinal, a carta aos Hebreus é o único livro do Novo Testamento que apresenta explicitamente Jesus como sumo sacerdote, sendo esse seu tema principal. A mediação realizada por Jesus é perfeita, porque, sendo Filho de Deus e possuidor da natureza divina, ele assumiu plenamente “a carne e o sangue” (v. 14), expressão que significa a condição humana em sua totalidade, com as fragilidades e limites. Tornou-se semelhante a nós em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4,15). Experimentou a morte para vencê-la e destruir quem tinha poder sobre ela (cf. v. 14) e, assim, libertar os que a ela estavam sujeitos como escravos (cf. v. 15). Ele não veio ao mundo para ser solidário com os anjos, mas com a descendência de Abraão (cf. v. 16), ou seja, com a humanidade pecadora, e redimi-la com sua morte na cruz. O sumo sacerdócio de Jesus, portanto, é perfeito, pois, como ele experimentou o sofrimento e as fragilidades humanas, sendo até tentado, é capaz de socorrer misericordiosamente a humanidade em suas necessidades (cf. vv. 17-18). Graças a ele, o gênero humano foi purificado e reconciliado para sempre com o Pai. 3. Evangelho: Lc 2,22-40 O evangelho apresenta uma das cenas mais significativas de todo o “evangelho da infância” de Lucas (Lc 1-2), o que justifica a existência e o título desta festa. Mais do que a crônica de um fato da infância de Jesus, o episódio descrito é uma revelação da sua identidade messiânica, enquanto enviado de Deus para salvar e iluminar o mundo. Os pais de Jesus vão a Jerusalém para cumprir uma prescrição da Lei de Moisés (cf. v. 22), o que evidencia sua inserção na história como membro de uma família e de um povo concreto. O evangelista, porém, faz desse fato apenas um pretexto para revelar algo muito maior. O preceito da purificação era aplicado apenas à mãe: 40 dias após o parto, se a criança fosse menino, e 80 dias, se fosse menina (cf. Lv 12,1-8). Ao inserir Jesus na cena, o evangelista ressalta seu protagonismo. Para esse rito, exigia-se a oferta de um cordeiro para o sacrifício; quando a família era pobre, poderia oferecer um par de rolas ou dois pombinhos, como fizeram José e Maria (cf. v. 24). Essa oferta é um sinal que antecipa a preferência de Jesus pelos pobres. Durante todo o seu ministério, os pobres serão os primeiros destinatários da sua mensagem libertadora. A Lei não prescrevia a apresentação da criança; para a consagração do primogênito (cf. v. 23; Ex 13,2), exigia-se apenas o pagamento do seu resgate (cf. Ex 13,12-13; 34,19-20). Ao dizer que Jesus foi apresentado no Templo, Lucas quis enfatizar sua pertença ao Pai e a disponibilidade de Maria e José, que ofereceram o filho ao Senhor. Uma vez que Jesus é introduzido no Templo, os ritos já não são descritos. O que toma conta da cena é o inesperado encontro com dois anciãos que reconhecem na criança o cumprimento de todas as promessas de Deus ao seu povo, Israel: Simeão e Ana (cf. vv. 25-38). Ambos são imagens do resto de Israel que permaneceu fiel às promessas divinas, no qual se destacam, sobretudo, os pobres. Sendo justo e piedoso, Simeão era sensível ao Espírito Santo (cf. v. 25), por isso reconheceu em Jesus a salvação em pessoa, a glória de Israel e a luz que ilumina todos os povos da terra (cf. vv. 29-33). Reconhecendo Jesus como luz e salvação do mundo, Simeão prevê as consequências da sua missão: ser sinal de contradição e queda para muitos em Israel (cf. v. 34). Cada pessoa deve tomar uma posição pró ou contra o evangelho; por ser uma mensagem essencialmente libertadora, que visa à promoção da justiça, à inclusão e ao direito dos pobres, muitos o rejeitarão. O papel de Ana é semelhante ao de Simeão (cf. v. 34). Ela pertencia à tribo que ficava mais distante de Jerusalém, a tribo de Aser, no extremo norte da Galileia, cuja população era considerada quase pagã pelos chefes do Templo. Ao mencioná-la, Lucas enfatiza a importância da mulher e de todos os excluídos na nova história que se inaugura com a vinda de Jesus ao mundo. Sua idade é simbólica: 84 anos, resultado de 12 x 7; o número doze é imagem de Israel, sete significa perfeição (cf. v. 37). Ana é, portanto, a imagem do Israel perfeito que soube esperar a libertação e teve a capacidade de reconhecer o Salvador numa criança simples e de pais pobres, o que os chefes de Israel não foram capazes de fazer. Por isso, seu louvor é perfeito e sincero (cf. v. 38). O pai e a mãe de Jesus, maravilhados com o que tinham escutado (cf. v. 33), voltam para Nazaré, para o cotidiano da vida (cf. v. 39), assistem ao crescimento do menino e percebem a graça de Deus sobre ele (cf. v. 40). Do encontro do menino com Ana e Simeão no Templo brota a certeza de uma mudança radical na história: finalmente, os pobres são os primeiros, e a luz de Deus, antes monopólio de um povo, agora é destinada a todas as nações da terra. III. Pistas para reflexão A festa deste dia é a verdadeira conclusão do Natal e uma antecipação da Páscoa. A oferta de Jesus a Deus, feita por Maria e José, prefigura sua oferta pessoal e seu sacrifício na cruz para a salvação do mundo. As leituras enfatizam o Templo como espaço de encontro com o Senhor, e o culto como meio de comunicação imprescindível entre Deus e seu povo. É importante chamar a atenção para uma vida litúrgica ativa, sem se descuidar dos elementos que tornam o culto agradável a Deus: a justiça e a solidariedade para com os mais necessitados. A fé em Jesus exige tomadas de posição radicais, cujas consequências podem ser dolorosas, como Simeão anunciou a Maria.

Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).