Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2022 - ano 63 - número 345 - pág.: 52-54

ASCENSÃO DO SENHOR – 29 de maio

Por Rita Maria Gomes, nj*

A exaltação da humanidade na elevação do Cristo

I. INTRODUÇÃO GERAL

A celebração da Ascensão do Senhor foi preparada pelos domingos precedentes e, particularmente, pela celebração do domingo passado, na qual o Senhor se despede dos seus, preparando-os para o momento especial que agora celebramos: sua ida/volta ao Pai. A resposta do salmo soa como um convite à alegria pela elevação do Senhor, pelo lugar que ocupa à direita do Pai nos céus, como nos diz o trecho da carta aos Efésios escolhido para esta liturgia. O Evangelho e a primeira leitura nos convidam a refletir sobre o significado da elevação do Senhor e a contemplar o grande gesto de amor de Deus por nós.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 1,1-11)

A primeira leitura é literalmente a continuação do texto do Evangelho, uma vez que inicia a segunda parte da obra lucana. Começa exatamente retomando e resumindo o anúncio de Jesus testemunhado no Evangelho de Lucas, “até o dia em que foi elevado para o céu, depois de ter dado instruções pelo Espírito Santo aos apóstolos” (v. 2). Retoma, a título de memória, as informações sobre as aparições do Ressuscitado e a ordem de não se afastarem de Jerusalém, mas esperarem o cumprimento da promessa do Pai de que eles seriam “batizados com o Espírito Santo” (v. 5).

A sequência do texto revela que os discípulos ainda não tinham compreendido completamente o ensinamento e a missão de Jesus, pois perguntam: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” (v. 6). Esse questionamento mostra que os discípulos ainda pensavam o messianismo de Jesus na perspectiva da restauração do reino terreno, de uma independência política para o povo de Israel. A paixão e a ressurreição do Cristo não foram suficientes para modificar as expectativas messiânicas tão enraizadas em suas mentes e corações.

Por isso, Jesus responde que não lhes cabe saber os tempos e os momentos determinados pelo Pai, e acrescenta: “Mas recebereis o poder do Espírito Santo […] para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria”. Jesus muda o foco da questão, chamando-lhes a atenção para a missão de testemunhá-lo e prometendo-lhes que receberão para isso a força do Espírito. Eles serão atendidos, suportados pelo poder do Espírito. Logo depois disso, Jesus é elevado “à vista deles” (v. 9). Isso quer dizer que eles viram o Senhor sendo elevado.

Pelo fato de os apóstolos continuarem olhando para o céu, enquanto Jesus subia, “dois homens vestidos de branco” (v. 10), ou seja, dois anjos, chamam a atenção deles: “por que ficais aí, parados, olhando para o céu?” (v. 11). Esse questionamento indica que é tempo de pôr mãos à obra, trabalhar, anunciar o Senhor, enfim, testemunhar. E o texto se conclui com uma promessa: Jesus vai voltar! (v. 11). O que aqui dizem os anjos, Jesus dissera no Evangelho da liturgia do domingo passado (Jo 14,23-29).

2. II leitura (Ef 1,17-23)

A segunda leitura, tirada da carta aos Efésios, amplia nossa compreensão do Evangelho e da primeira leitura. Como vimos, os relatos sobre a elevação do Senhor, razão de ser desta celebração, são muito sóbrios. Não existem detalhes sobre o fato, apenas se informa que o Senhor foi elevado e que os discípulos viam essa elevação acontecendo gradualmente. Jesus se afastou, indo em direção ao céu, e nada mais.

Esse trecho da carta aos Efésios traz uma reflexão sobre o lugar que o Cristo, uma vez ressuscitado, ocupa nos céus, e ressalta que o exercício de seu poder se dá em favor dos que creem. Tudo foi colocado “sob seus pés” (v. 22), ou seja, está sob seu domínio, como o Senhor soberano que é. Tudo isso é projeto de Deus para nós, por meio de Jesus Cristo.

A ligação indestrutível do Cristo com o resto da humanidade por sua encarnação se revela agora em sua elevação, quando a íntima união é expressa pela imagem do Cristo Cabeça da Igreja. Somos um com Cristo por sua encarnação e elevação. Somos seu corpo, e ele a Cabeça que rege e governa todo o corpo.

3. Evangelho (Lc 24,46-53)

O trecho que lemos no Evangelho deste domingo não deixa claro o lugar onde se encontram Jesus e os discípulos, mas a leitura do trecho anterior nos permite identificar. Eles estavam reunidos em Jerusalém, e isso nos alerta para o fato de que o relato sobre o qual somos chamados a refletir se passa em dois ambientes distintos. No início e no final, o grupo se encontra em Jerusalém, depois de uma incursão fora desta cidade, “até perto de Betânia”.

Jerusalém tem grande importância para o evangelista, tanto que o Evangelho da infância começa ali, mais precisamente no templo; ademais, a seção central do Evangelho de Lucas está ambientada no caminho para Jerusalém e é seguida da última seção, que se dá naquela cidade; e o texto sobre o qual agora refletimos se conclui com uma referência ao templo de Jerusalém. Tudo converge para a cidade santa e, especificamente nesse trecho, Lucas dá a conhecer uma orientação de Jesus ressuscitado aos seus discípulos. Nela, Jesus faz memória de sua paixão e ressurreição, e diz que, em seu nome, a conversão e o perdão dos pecados seriam anunciados a todas as nações, começando por Jerusalém (v. 47).

Os discípulos serão as testemunhas autorizadas de Jesus, mas para isso contarão com a força do alto, aquele que fora prometido pelo Pai. É em vista desse envio que Jesus lhes ordena permanecer na cidade, ou seja, em Jerusalém. Porém, em seguida, ele os conduz para fora (v. 50) – entenda-se, “de Jerusalém”. É num lugar afastado que Jesus se despede dos seus, e não em Jerusalém.

O relato é muito discreto e simples. Jesus abençoa seus discípulos e, enquanto faz isso, afasta-se deles e é levado para o céu. Não há nada de extraordinário nesse relato, a não ser a ausência, nos discípulos, de qualquer sentimento de tristeza ou de resistência pela separação do Mestre. Depois da adoração ao Senhor, enquanto era elevado, eles voltam alegres para Jerusalém e bendizem a Deus continuamente no templo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O sentido desta celebração encontra-se na relação indestrutível que se estabelece entre Deus e a humanidade na pessoa do Filho. Ele é a chave de acesso ao Pai. A pergunta que fica quando lemos esses textos é: que significa a ascensão do Senhor? Diz respeito somente a Jesus e sua condição de Filho de Deus? Representa somente seu retorno para junto de Deus, para assumir “seu lugar” de Filho no seio da Trindade?

A resposta a essas duas últimas questões é não. Os textos não se referem somente a Jesus, mas dizem respeito também a nós e ao nosso destino último. Todas as leituras fazem referência a Jesus desde seu ministério público, passando por sua paixão e ressurreição, até chegar a esse momento de elevação, e toda a sua vida narrada nos textos sagrados tem relação conosco.

Uma vez que assumiu a condição humana pecadora e, por solidariedade, se fez pecado por nós, ele, ao assumir seu lugar soberano no céu, não o faz apenas segundo sua condição de Filho de Deus, mas também de filho da humanidade. Portanto, nele estamos também nós junto ao Pai. Celebrar a Ascensão do Senhor é celebrar a elevação de nossa humanidade. É celebrar nosso acesso à vida junto de Deus por Jesus Cristo. Que alegria para toda a humanidade!

Rita Maria Gomes, nj*

*é natural do Ceará, onde fez seus estudos em Filosofia no Instituto Teológico e Pastoral do Ceará (Itep), atual Faculdade Católica de Fortaleza. Possui graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde lecionou Sagrada Escritura. Atualmente é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, que tem como carisma o estudo e o ensino da Sagrada Escritura. E-mail: [email protected]