Roteiros homiléticos

Batismo do Senhor – 13 de janeiro

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

I. Introdução geral

No princípio, Deus criou todas as coisas, entre as quais os seres humanos. Diz o texto bíblico que Deus criou o homem e a mulher como sua imagem e semelhança. Quem é a imagem de Deus: somente o homem, somente a mulher? A resposta é um sonoro não. Tanto um quanto o outro ou, tornando mais simples, a totalidade de um com o outro, o encontro de um com o outro é que manifestam a imagem de Deus. No entanto, se o projeto de Deus é a semelhança para o serviço mútuo, o projeto humano é a diferenciação para a construção de relações de poder, tendo em vista o domínio de uns sobre os outros. Assim, não nos vemos como iguais. Enxergamos, sim, as pessoas de forma hierarquizada, com alguns sempre acima e outros, muitos outros, sempre abaixo. A lógica do projeto de Deus é a manifestação de relações justas entre iguais, enquanto a lógica humana se apresenta como a construção de relações de poder entre desiguais. Qual lógica vamos escolher?

II. Comentários aos textos bíblicos

  1. I leitura: Is 42,1-4.6-7

Estamos diante do primeiro poema do servo de Javé (cf. Is 49,1-9a; 50,4-11; 52,13-53,12). Trata-se de alguém que possui características e missão especiais. Muitas vezes não damos o devido destaque ao aspecto concreto das palavras utilizadas nesse texto de Isaías. A missão do servo é realizar a justiça e promover o direito. Sua ação se desenvolve para além das fronteiras do povo de Israel e atinge as nações. Afinal, um projeto de vida e de sociedade construído com base na justiça e no direito é infinitamente superior a um projeto construído sobre os fundamentos da violência e da injustiça.

É interessante destacar que o projeto assumido pelo servo é também o projeto presente no coração e na vontade de Deus. Vejam-se algumas palavras que remetem à relação de Deus com o servo: “meu servo”, “eu sustento”, “meu escolhido”, “nele me agrado”. O servo está umbilicalmente ligado a Deus e não se pensa longe dele. O projeto do servo, portanto, também é o projeto de Deus. Vale dizer que o projeto do servo estava no coração de Deus. Todavia, também se faz essencial compreender que a missão do servo se faz relacionalmente, ou seja, ele existe para os outros, está a serviço para implantar a justiça. Mas como? Ao abrir os olhos dos cegos, ao tirar os presos da cadeia e do cárcere os que vivem no escuro. Uma verdade incontestável: o servo cumpre a vontade divina aproximando-se solidariamente das pessoas mais fragilizadas da sociedade. Nesse sentido, todas as vezes que formos em direção aos pequeninos da sociedade, estaremos caminhando em direção a Deus.

  1. II leitura: At 10,34-38

“Deus não faz diferença entre as pessoas” poderia ser o título do que chamaríamos de catequese para a vida. Pedro chegou a essa conclusão por meio de uma experiência real na casa de Cornélio. Enquanto Pedro queria separar, Deus queria unir. Não existe, de fato, teologia da separação, que procura diferenciar os que são daqueles que não são; os melhores dos piores; os fortes dos fracos; os ricos dos pobres. Para fundamentar sua experiência, Pedro põe em cena o próprio Jesus, que peregrinava pelas estradas fazendo o bem e curando a todos. O apóstolo reconhece que o evangelho não pode ser visto como uma redoma de vidro, privilegiando alguns poucos em detrimento de muitos.

A descoberta do apóstolo é que as boas-novas possuem um caráter universal e, com a universalização da mensagem de Jesus, todas as barreiras levantadas pelos preconceitos humanos devem ser derrubadas. O evangelho não é, portanto, um instrumento de construção de barreiras que nos impedem de caminhar em direção aos outros, e sim um instrumento que nos leva a caminhar em direção ao outro por meio de pontes de libertação. Viver um evangelho que não derruba barreiras é algo para ser revisto. Todo evangelho, necessariamente, deveria nos levar à superação dos preconceitos que edificamos e pensamos serem eternos. A universalização do preconceito cria infernos no cotidiano e inviabiliza a construção de uma sociedade na qual Jesus seja tudo em todos. Se vamos universalizar algo, que não seja o preconceito, e sim o amor de Jesus, que inclui a todos.

  1. Evangelho: Lc 3,15-16.21-22

Na segunda leitura, lemos como Deus ungiu a Jesus com o Espírito Santo e com poder. No evangelho, deparamos com duas grandes figuras: João Batista e Jesus. Entre eles está o povo que procura pelo Messias. A atitude do Batista é permeada de humildade: ele sabe que é apenas como uma bússola que indica a melhor direção. E sua humildade é exemplar: percebe-se como alguém que não tem nem mesmo condições de desamarrar a correia das sandálias de Jesus. João é consciente até mesmo de sua indignidade para prestar o mais humilde dos serviços de um escravo a Jesus, pois eram os escravos os responsáveis por desatar as correias das sandálias de seus senhores. O profeta não está preocupado com posições e com poder.

Mesmo que a pregação de João Batista tenha aumentado no povo a esperança da próxima vinda do Messias e a suposição de que ele próprio pudesse sê-lo, no coração do Batista resplandecia a beleza do Cristo. Tudo em João apontava para Jesus. O profeta não chama para si as luzes dos holofotes. Sabedor de sua missão, retira-se para que as luzes atinjam em cheio aquele que deveria reinar eternamente. O poder de Jesus se manifestará em sua obra. Enquanto João batiza apenas com água, Jesus batizará com o Espírito Santo e com fogo. Não que a água não seja importante. Percebe-se, na verdade, que a ação de Jesus vai mais longe.

Tanto nos v. 15-16 quanto nos v. 21-22, a presença do Espírito Santo é abundante. Nos primeiros versículos, indica-se que Jesus batizará com o Espírito Santo e com fogo e, nos últimos, que o Espírito Santo desce sobre ele no batismo não somente o tomando por completo, mas também ratificando sua identidade: realmente ele é Filho de Deus, pois é gerado por Deus. Aquele que é cheio do Espírito pode batizar com o Espírito.

A equação parece simples: não se pode dar o que não se tem. Jesus é a vida e concede vida; tem o Espírito e batiza com o Espírito. Em Jesus se encontra a plenitude da vida, e a vida somente pode ser completa em nós ao assumirmos a vida dele. O que Jesus é se replica totalmente em suas relações, palavras e ações. Tudo o que ele é se reproduz naqueles que lhe dão adesão. Certamente esta seria a lógica esperada por Jesus: tudo o que somos por causa dele deveria ser replicado e multiplicado em nossos relacionamentos, palavras e ações.

Se, no início, o Espírito pairava sobre as águas, produzindo ordem em meio ao caos, agora a presença do Espírito em Jesus criará ordem em todos(as) aqueles(as) que a ele aderirem. Em meio ao caos que, em muitos momentos, se apresenta na vida, é necessária a presença do único princípio capaz de anular sua força ameaçadora, produtora de destruição: trata-se do princípio da criação a partir de cada vida! Desse momento em diante, a missão do Filho é a mesma missão do Pai.

III. Pistas para reflexão

– Uma das questões mais difíceis do ser humano relaciona-se com o tema do poder. Na verdade, o poder pode ser considerado o mais terrível vírus que infecta o ser humano. Ninguém está livre dele! Trata-se de tentação constante e contínua. Dificilmente nos vemos como servos. A preocupação de muitos é com as posições que podem ocupar e a quantidade de poder que terão em cada uma dessas posições. Não valeria a pena recuperarmos o exemplo de João Batista?

– Quais preconceitos trazemos no coração? Sim, sabemos e temos convicção de que Deus não faz diferença entre as pessoas. O que, no entanto, dizer de nós? Via de regra, quase ninguém se reconhece preconceituoso. Basta, porém, uma cena do cotidiano para verificarmos que o preconceito existente dentro de nós é muito mais forte do jamais havíamos pensado. Não é verdade que temos a tendência de dividir as pessoas entre melhores e piores, fortes e fracos, ricos e pobres, inteligentes e ignorantes, e decidirmos sempre pelos que são o que admiramos, em detrimento daqueles que não são?

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Alexandre Solano Rossi é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre. E-mail: [email protected]