Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2021 - ano 62 - número 338 - pág.: 53-56

Domingo da Páscoa – 4 de abril

Por Marcus Mareano

Eis que tudo se faz novo!

I. INTRODUÇÃO

O primeiro dia da semana se repete a cada semana e traz a grande mensagem de Deus para a humanidade: a morte foi vencida. Cristo ressuscitou! Tudo se faz novo! A Páscoa celebrada neste dia, e recordada a cada domingo (páscoa semanal), é o cumprimento da salvação de Deus em Cristo Jesus.

A liturgia deste domingo se rejubila com tão grande novidade. A exultação se encontra em todas as leituras e gestos. A assembleia pode fazer a experiência de passar da morte para a vida na ressurreição de Jesus. Com isso, cantamos com o salmista: “Este é o dia que o Senhor fez para nós! Alegremo-nos e nele exultemos!” (Sl 117,24).

A solenidade da Vigília Pascal, na noite anterior, continua a ecoar nos próximos dias. A celebração da ressurreição de Jesus é também a da nossa ressurreição nele. Somos renovados pela força desse mistério em nós.

A noite já passou e tudo se faz dia em brados de “aleluia”. O caminho em direção ao túmulo representa a coragem de atravessar o escuro e encarar a morte para ver resplandecer nova aurora em uma vida ressuscitada. A morte foi vencida pela ação de Deus!

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (At 10,34a.37-43)

O texto da primeira leitura apresenta o discurso de Pedro na casa de Cornélio. A cena se situa nas narrativas a respeito da atuação de Pedro na Palestina (9,1-11,18). Conforme o percurso da mensagem do Evangelho, a pregação dos discípulos se expandia para Samaria (At 8-12) e chegava aos não judeus.

O conteúdo da pregação de Pedro é o querigma cristão, um resumo do que se lê nos Evangelhos, a saber: depois de ser batizado por João, Jesus pregou o Reino de Deus a partir da Galileia; foi morto na cruz em Jerusalém; entretanto, Deus o ressuscitou dentre os mortos e então ele apareceu às testemunhas, para que o proclamassem como o “juiz” designado por Deus para os povos (v. 37-42). O que antes era dirigido aos judeus (2,14-36) agora chega também a outros povos por meio de Pedro e – posteriormente, na narrativa de Atos dos Apóstolos – por meio de Paulo, que será o grande responsável pela pregação entre os pagãos.

Os primeiros cristãos se fixavam nessa mensagem essencial da fé para transmiti-la aos outros. Entretanto, ela não consistia em um conjunto de ideias a respeito de alguém; o querigma era, sobretudo, uma experiência de fé com o Senhor vivo. Essa proclamação atravessou os séculos e chegou até nós para que continuemos com o entusiasmo e a disposição que constatamos ao lermos sobre os primeiros cristãos.

Da mesma forma que Pedro considerou o ambiente e as pessoas para transmitir sua mensagem, podemos atualizar o querigma para os novos tempos, contextos e desafios, considerando seu conteúdo central, que se transmite desde o início da fé apostólica. Como propõe o papa Francisco na Evangelii Gaudium:

“Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa” (EG 35).

Assim, o Evangelho percorrerá mais lugares distantes e chegará a mais pessoas que vivem à espera dessa palavra de ressurreição.

2. II leitura (Cl 3,1-4)

O trecho da carta aos Colossenses evidencia a força da ressurreição de Jesus na vida pessoal. Lemos uma exortação para vivermos a vida verdadeira escondida em Deus, que ainda se manifestará.

Quem experimenta o Ressuscitado se torna nova criatura, busca as coisas do alto, onde Cristo está, à direita de Deus (v. 1). Jesus não fingiu ser humano e, depois, abandonou a humanidade; ele a assumiu até o fim. Portanto, a espécie humana é ressuscitada com Cristo e está à direita (lugar de honra) de Deus.

A experiência com o Ressuscitado gera vida nova, de forma que as preocupações terrenas, comuns a todas as pessoas, tornam-se secundárias. Afinal, o encontro com Cristo vivo muda os valores, e ele passa a ser o maior de todos os bens e o centro de todas as coisas. É dessa forma que Paulo narra sua própria experiência com Jesus: “Tudo considero como perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Fl 3,8).

Enfim, vivemos na expectativa da manifestação definitiva da glória de Deus (3,4; 1Jo 3,2; 1Cor 5,6-8), a partir da qual a ressurreição que experimentamos será plena em nós e em toda a criação.

3. Evangelho (Jo 20,1-9)

No texto do Evangelho, lemos a busca de Maria Madalena por Jesus. Possivelmente, ela foi a primeira a ir chorar no sepulcro, desconsolada pela morte do seu Senhor.  Encontrava-se no luto, em tormento pela perda e sem horizonte. Estava viva fisiologicamente, mas decepcionada e morta por dentro, pois sua esperança morrera em Jesus. Ela vai no escuro do primeiro dia da semana (v. 1).

Maria vê a pedra do sepulcro removida, corre para a comunidade e narra esse evento a Simão Pedro e ao discípulo amado (v. 2). Ela imaginava que alguém tirara o defunto sepultado. Os dois discípulos saem para verificar a veracidade do que fora contado e encontram as faixas e o sudário que envolviam o corpo de Jesus (v. 6-7); portanto, o ocorrido não seria obra de um vândalo ou de um ladrão.

O evangelista nota que o discípulo amado “viu e creu” (v. 8), dois verbos preciosos no Quarto Evangelho que dizem respeito à experiência de fé gerada pelo encontro com Jesus (Jo 1,46). Observamos outras ocorrências dessa combinação, que expressa a geração da fé a partir de um encontro: Natanael (1,50); os discípulos em Caná (2,11); os romeiros de Jerusalém (2,23-25); o funcionário real (4,48); os galileus (6,2.14); o cego de nascença (9,37-38); Tomé (20,29). Do contrário, ainda há a possibilidade de ver e não crer (6,36) e de nem sequer ver os sinais (6,26).

Nesse episódio, fica subentendido que o discípulo compreende o que a cena comunica: Jesus não está ali. Não encontramos o Ressuscitado amarrado no sepulcro, mas na vida cotidiana e nas pessoas. O sepulcro vazio não prova que Jesus ressuscitou, mas sugere que ele não se encontra entre os mortos. O episódio se conclui sem o encontro e o reconhecimento do Senhor ressuscitado, evento que se narra na sequência do Evangelho (20,11ss).

Nas noites atuais de nossa vida, pensamos já não haver esperança, como quando Maria Madalena foi ao sepulcro. Sobretudo, quando damos conta de tantas más notícias, crises diferentes e poucas perspectivas. É preciso coragem para atravessar e aguardar a aurora!

III. PISTAS PARA A REFLEXÃO

O Senhor não abandona seus seguidores. O que parece fim se torna um reinício surpreendente por causa da ação de Deus, que inaugura novo tempo. O susto de Madalena não se retém nela, mas a impele a ir aos outros que passavam por situação semelhante e aguardavam algo após a morte de Jesus.

A incógnita sobre o sepulcro vazio não é respondida no episódio do Evangelho deste dia. Sabemos o que aconteceu posteriormente por causa dos relatos de João (aparição a Maria Madalena – Jo 20,11-18 – e aos onze – Jo 20,19-23). No entanto, a dúvida sobre o que aconteceu é substituída pela certeza de que Deus, de alguma maneira, agiu conforme prometera. Portanto, alguma novidade surgiria e começava a despontar como o sol nascente.

Temos uma tendência a nos entristecer com os acontecimentos (as sombras da morte) que nos rodeiam. Notícias tristes, crises diferentes, maldades de diversos tipos etc. fazem-nos perceber demasiadamente a morte, que nos paralisa a ação e nos inibe de sonhar com um futuro melhor. O Ressuscitado nos conduz na sua luz para acreditarmos na vida presente em nós e entre nós, pois ele vive.

Que as noites não nos roubem a fé e a esperança no Senhor. Percebamos a novidade de Deus surgindo em meio a nós, nas mínimas coisas do cotidiano, na simplicidade de pessoas com quem nos encontramos e na relação que cultivamos com Deus. Ele é fiel!

Marcus Mareano

é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Professor de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]