Roteiros homiléticos

Domingo de Ramos – 5 de abril

Por Luiz Alexandre Solano Rossi

Chamados para servir

I. Introdução geral

Tornamo-nos discípulos numa caminhada de obediência e de esperança ativa. Não basta nos autoproclamarmos discípulos e permanecermos na mesma condição indefinidamente, pelo resto da vida. A imobilidade não faz parte do perfil daquele que segue Jesus. O próprio Jesus renuncia ao direito de ser tratado como Deus para ser tratado como ser humano e, entre os humanos, ser tratado como um entre os menores. O serviço é sempre desinteressado. Serve-se por vocação. Vocação de discípulos e discípulas que vão ao encontro dos necessitados deste mundo.

II. Comentários aos textos bíblicos

1. I leitura: Is 50,4-7

A primeira leitura se refere ao terceiro cântico do servo. Nesse cântico, é retratada, de maneira cristalina, a missão do servo. Missão marcada pela escuta da Palavra de Deus, pela fidelidade ao anúncio, pela perseguição e pela resistência. O texto insiste na condição do servo como discípulo. Por uma vez, ele é retratado como discípulo que possui uma língua “dada” por Deus e, por três vezes, é retratado como alguém que ouve. Notemos que Deus é sempre o autor da ação, ou seja, a ação é externa. Nada se inicia no servo. Sempre é Deus que age tanto para o discípulo falar quanto para ouvir. Todavia, o ouvir se apresenta como de primordial importância. Ouvir tem a ver com obediência. O discípulo, portanto, faz-se numa caminhada de obediência e de esperança ativa. Não basta se autoproclamar discípulo e permanecer na mesma condição indefinidamente, pelo resto da vida. A imobilidade não faz parte do perfil daquele que segue Jesus. A figura do servo sofredor abre uma perspectiva nova. O personagem profético designado com o nome de servo padece o sofrimento porque veem nele a consequência dos pecados do povo. Ele carrega as dores dos outros. Todavia, o martírio vivido pelo servo se apresenta como a cura para os demais. Visto que justificou a multidão, o Senhor o exaltará e aceitará seu sacrifício.

2. II leitura: Fl 2,6-11

O texto de Paulo em Filipenses 2 é contracultural. Trata-se de texto que subverte a lógica da sociedade e produz um projeto de vida na perspectiva dos menores. Jesus renuncia ao direito de ser tratado como Deus para ser tratado como ser humano e, entre os humanos, ser tratado como um entre os menores. Ele se apresenta como obediente. Não se importa se essa obediência o levará à morte. O que mais lhe importa é sua presença entre as muitas cruzes que o Império Romano disseminava naquela época e as muitas cruzes que nosso povo hoje precisa carregar. Bem que ele poderia ter se encarnado como um membro do Sinédrio judaico, um senador romano, quem sabe um proprietário de terras ou, ainda, como um César. Contudo, como poderia se assemelhar a todos aqueles que utilizavam de seus espaços de poder econômico, religioso e político para oprimir o povo? Necessariamente o projeto de Jesus nasce desde baixo. Ele se encontra na base da pirâmide social do Império Romano. Não se encontra, porém, sozinho. Junto a ele estão milhares de escravos que sofrem à espera do surgimento da esperança. Jesus se esvazia porque somente vazio pode se preencher, assim como preencher os outros. Que lógica invertida: somente vazios é que podemos ser bênçãos para os outros. Nesse belíssimo texto, temos dois movimentos brilhantes: um descendente e outro ascendente. Jesus, num movimento descendente, esvazia-se e humilha-se, e Deus, num movimento ascendente, eleva à condição de Senhor aquele que havia chegado à mais baixa humilhação. No entanto, devemos observar que Jesus, elevado à condição de Senhor, não se apresenta como um César. Ele sempre se apresentará como um Senhor que é, ao mesmo tempo, um servo.

3. Evangelho: Mt 27,11-54

Lavar as mãos e ser indiferente a uma situação é o mesmo que assumir uma posição. Querendo ser neutro, Pilatos assume posição contrária à proteção da vida. Nesse período, a Palestina está sob forte dominação romana, e Jesus se encontra diante do governador para ser julgado. O Sinédrio tinha seus limites, isto é, podia realmente condenar alguém à morte, mas não tinha competência para executar a sentença. O episódio transcorre sob o manto da farsa. As autoridades judaicas e o representante do poder do império possuem seu próprio interesse político. Jesus permanece calado a maior parte do tempo. Não compactua com nenhum desses grupos. Para ele, ambos os grupos agem em benefício próprio. O destino de Jesus é a cruz. A cruz era considerada a punição mais grave que se poderia implementar. Em termos de severidade, somente podia ser comparada aos jogos de entretenimentos populares nos quais se lançavam as vítimas às bestas-feras. A crucificação, todavia, era muito mais comum, porque não necessitava de festa popular para ser executada com todo o seu rigor. Bastava, na verdade, de madeira suficiente para decorar as estradas do império. Nesse sentido, o espetáculo seguiria um fluxo contínuo, não dependendo, é claro, do calendário dos festivais.

No mundo romano, a crucificação, portanto, era plenamente coroada de significação política. Como meio de punição capital de crimes hediondos, constituía a “pena romana suprema”, quase sempre infligida às classes inferiores. Era a condenação típica aplicada a escravos, como meio de dissuasão. Punição política e militar do Império Romano e instrumento para contra-atacar o que se considerava terrorismo de Estado, sua função era impedir a resistência ou a revolta, especialmente entre as classes inferiores. Em se tratando de Jesus, é possível dizer que o Império Romano raramente exercia seu poder sem necessidade. Nesse sentido, pode-se afirmar que o império “não crucificava professores ou filósofos”. Se Jesus tivesse sido apenas uma questão de palavras ou ideias, os romanos provavelmente o teriam ignorado. Muito mais do que as palavras, eram as ações de Jesus que incomodavam o projeto da disseminação da pax romana. A neutralidade não cabe no projeto de Jesus. Ele é sempre a favor da vida e contra todos os instrumentos que produzem e disseminam a morte.

III. Pistas para reflexão

1) A cruz, no primeiro século, contrapõe-se à liberdade. Nas cruzes (sempre será necessário pensar tais instrumentos de tortura no plural, pois, afinal, se espalharam absurdamente pelas estradas da Palestina) não são pendurados apenas corpos. Ali permaneceram histórias de vida que não puderam ser completadas, sacrificadas que foram no altar do império. Nas cruzes do império se encontram corpos de escravos e, nos corpos, uma esperança de libertação.

2) Não existe neutralidade no seguimento de Jesus. Não se pode dar a mão, simultaneamente, a Deus e a Mamon (dinheiro); à solidariedade e ao egoísmo; à misericórdia e à violência. O evangelho de Jesus Cristo conduz a uma tomada de posição!

Luiz Alexandre Solano Rossi

é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em História Antiga pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Califórnia, EUA). É professor no programa de Mestrado e Doutorado em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Publicou diversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó; Como ler o livro de Jeremias; Como ler o livro de Abdias; Como ler o livro de Joel; Como ler o livro de Zacarias; Como ler o livro das Lamentações; A arte de viver e ser feliz; Deus se revela em gestos de solidariedade; A origem do sofrimento do pobre.