Roteiros homiléticos

Publicado em janeiro – fevereiro de 2020 - ano 61 - número 331 - pág.: 40-43

EPIFANIA DO SENHOR – 5 de janeiro

Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues

Jesus, a luz de Deus que ilumina todos os povos

I. Introdução geral

A Igreja celebra neste dia a Epifania do Senhor, que significa a manifestação de Deus, em Jesus, como luz, guia e Senhor de todo o universo, com sua diversidade de raças, culturas e crenças. A liturgia da Palavra desta celebração possui uma riqueza extraordinária, tanto estética quanto teológica, com clara unidade entre as três leituras. Cada uma delas apresenta um elemento de convergência para todos os povos da terra, ou seja, um ponto de unidade. Na primeira leitura, esse elemento é a glória do Senhor que volta a brilhar em Jerusalém, o que motiva tanto os israelitas dispersos pelo mundo quanto os povos pagãos a acorrer para lá, atraídos pelas luzes que resplandecem do monte Sião, dissipando as trevas em que estava envolto o mundo; no evangelho, é o menino Jesus recém-nascido que, por meio da estrela, atrai os magos do Oriente para adorá-lo e homenageá-lo, tendo em seus primeiros adoradores a representação simbólica de todas as nações da terra; na segunda leitura, o elemento de convergência para toda a humanidade é o mistério de Deus revelado em Cristo, mistério que consiste na admissão também dos pagãos à salvação, como membros do mesmo corpo, imagem da Igreja.

Celebramos, portanto, a manifestação de Deus ao mundo como luz que ilumina todas as pessoas e culturas sem distinção, juntamente com a fraternidade universal gerada por essa luz que é Jesus; é ele a luz que brilha para o mundo, mas, ao contrário das expectativas messiânicas do Antigo Testamento, seu brilho já não resplandece nos centros de poder como palácios ou templos, e sim nas periferias, naquilo que é simples e parece insignificante, como parecia ser aquele menino recém-nascido de Belém.

II. Comentários dos textos bíblicos

1. I leitura: Is 60,1-6

A terceira parte do livro de Isaías (Is 56-66) é obra de um profeta anônimo que exerceu seu ministério em Jerusalém no período imediato ao exílio, provavelmente. Convencionou-se chamar esse profeta de “Terceiro Isaías”, e é da sua obra que é retirada a primeira leitura desta celebração. Jerusalém estava sendo reconstruída, porém com muita lentidão, gerando desânimo em boa parte da população que tinha acabado de retornar do exílio.

Em nome de Deus, o profeta se encarrega de injetar esperança no povo e anuncia uma boa notícia: está perto o tempo de Jerusalém recuperar seu esplendor e ser, de novo, revestida de luz e atrativa (cf. vv. 1-2). Para isso, é necessário o empenho de todos na reconstrução da cidade e do Templo, sobretudo, para a glória do Senhor voltar a habitar sobre ela. Restaurada, Jerusalém será luz para as nações, ponto de encontro para toda a humanidade, sinal de unidade universal. O profeta não tem dúvidas de que isso acontecerá. Por isso, antecipadamente, descreve o movimento que congregará todos os povos em Jerusalém: primeiro, retornarão os filhos de Israel dispersos pelo mundo (cf. v. 4); em seguida, as nações estrangeiras também se encaminharão para lá, atraídas pela sua luz, reconhecendo o Senhor como Deus verdadeiro e universal, e levando riqueza e dons, como ouro e incenso (cf. vv. 5-6).

A visão do profeta prefigura, parcialmente, o episódio dos magos no Evangelho segundo Mateus. A salvação de Deus, simbolizada pela luz, não perdeu sua força de atração; pelo contrário, em Jesus passou a brilhar cada vez mais, tornando-se mais acessível e próxima de todas as pessoas. Porém, já não tem como ponto de irradiação os templos ou palácios, e sim as periferias, como Belém.

2. II leitura: Ef 3,2-3a.5-6

Na segunda leitura, tirada da carta aos Efésios, Paulo se apresenta como escolhido para anunciar o plano que Deus lhe fez conhecer por revelação (cf. v. 3). Esse plano é o mistério da graça de Deus que esteve escondido para as gerações passadas, mas agora foi revelado pelo Espírito Santo (cf. v. 5): em Jesus Cristo, a salvação chegou definitivamente e é acessível a todos os povos. Judeus e “pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do evangelho” (v. 6); com isso, devem desaparecer todas as barreiras que causam divisões na humanidade, seja entre as pessoas de uma mesma família ou comunidade, seja entre as diferentes nações e religiões.

O que Paulo afirma convictamente não é fruto de uma visão simbólica, como a do profeta na primeira leitura, e sim de uma revelação de Deus e também de profunda reflexão teológica. Em Jesus Cristo, todas as pessoas, de todos os povos, encontram seu elemento de unidade, pois Ele não faz distinção de pessoas, mas veio para formar, de todas as raças, um único povo. Todos são filhos de Deus e, por isso, são chamados à fraternidade universal.

3. Evangelho: Mt 2,1-12

O evangelho deste dia é o relato da visita dos magos, um texto exclusivo de Mateus e um dos mais encantadores de todo o Novo Testamento, pois, além de rica teologia, possui uma beleza ímpar. O relato se inicia com as indicações de tempo e espaço (cf. v. 1a), e com elas o evangelista recorda que Jesus não é um personagem mitológico, mas um ser real e concreto, que se inseriu plenamente na história, apesar do caráter simbólico do episódio. Os magos desse relato não são personagens reais, mas fruto da inteligência e criatividade do evangelista, e representam todos os povos da terra, antecipando a universalidade do cristianismo. Mesmo que a tradição tenha feito, não é necessário determinar a quantidade, nem seus respectivos nomes, nem, muito menos, elevá-los à categoria de reis.

O primeiro objetivo do relato é ensinar que, em Jesus, a luz de Deus ganha um alcance universal. Seu brilho chega a todos os povos indistintamente, embora haja clara opção preferencial pelos excluídos e marginalizados. Ora, os magos eram astrólogos, intérpretes de sonhos e de fenômenos da natureza, praticantes da magia, uma atividade condenada explicitamente pela Lei de Moisés (cf. Lv 19,26; Dt 18,9-12). Ao apresentá-los como os primeiros adoradores de Jesus em seu evangelho (cf. vv. 2.11), Mateus evidencia quem são os destinatários primeiros da salvação: as pessoas de pouca reputação, vítimas de preconceitos, os pobres e marginalizados em geral.

Os magos se deixam conduzir pela estrela, mas somente por ela não conseguem chegar ao destino, embora cheguem perto (cf. v. 1). Esse dado também é muito importante, pois mostra que Deus se deixa conhecer parcialmente por meio dos elementos da criação, mas esse conhecimento é limitado: não é possível chegar até ele sem o auxílio da Escritura, mesmo que seus intérpretes oficiais, como os sacerdotes e mestres da Lei (cf. vv. 4-6), tenham sido corrompidos pelo poder. Por sinal, são os detentores de poder, tanto político quanto religioso, os mais refratários à novidade de Jesus (cf. v. 3).

Guiados pela Escritura, os magos chegam ao destino (cf. vv. 9-11). Como Jerusalém estava contaminada pelo poder arbitrário de Herodes e seus cúmplices, as lideranças religiosas, lá não era possível encontrar-se com a luz de Deus nem adorar verdadeiramente. Somente se deslocando para a periferia puderam, de fato, experimentar o Deus que tanto buscavam. O Templo perdeu seu sentido, Deus já não habita nele; é necessário retirar-se para a periferia, inserir-se na comunidade e, assim, adorar e experimentar a beleza desse Deus que quer apenas misericórdia e amor, e não mais sacrifícios.

Em Belém, os magos contemplam o recém-nascido e, prostrados, adoram-no (cf. v. 11). Essa atitude mostra que finalmente se saciaram, encontraram sentido para suas vidas e, portanto, esvaziaram-se de si, oferecendo seus dons: ouro, incenso e mirra. Esses presentes são uma síntese da identidade de Jesus, simbolizando, respectivamente, a realeza, a divindade e a condição humana sujeita à morte. Não ofereceram porque lhes fora exigido, mas porque se sentiram confortados e correspondidos.

O texto termina com uma afirmação de muita relevância para a comunidade cristã e para todas as pessoas de todos os tempos e lugares: os magos retornaram seguindo outro caminho (cf. v. 12). Para viver essa nova relação com Deus, é necessário desviar-se das antigas rotas e estruturas, representadas por Herodes e pelo Templo. Quem faz uma experiência autêntica com Deus segue outro caminho. Eles perceberam, finalmente, que Jerusalém só oferecia exploração, ganância e violência. A experiência autêntica com Deus faz o ser humano mudar a mentalidade e, consequentemente, o caminho a percorrer. Esse caminho significa o agir, o jeito de viver.

III. Pistas para reflexão

Deus sempre quis a harmonia entre todos os povos, pois sua palavra é luz que ilumina a todos, indistintamente. Jesus Cristo é a expressão máxima dessa luz. Quem se deixa iluminar por ele também se torna luz na vida do próximo, e isso se expressa com atitudes de tolerância, respeito às diferenças individuais e culturais, diálogo, acolhimento e a eliminação de todo tipo de preconceito. Como os magos, os cristãos são incansáveis caminheiros em busca da luz de Jesus.

Francisco Cornélio Freire Rodrigues

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).