Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2021 - ano 62 - número 342 - pág.: 59-62

NATAL DO SENHOR – 25 de dezembro

Por Izabel Patuzzo

A realização plena das promessas de Deus

I. Introdução geral

A noite de Natal, segundo a longa tradição de nossas famílias, é noite de encontro com as pessoas queridas, de surpresas, de alegria e abraços. Como comunidade de fé que se reúne para celebrar a natividade do Senhor, também queremos estender nossas mãos para acolher e abraçar o menino Jesus, mais uma vez, em nosso coração. Queremos receber Jesus com tudo aquilo que ele nos oferece nesta noite: um amor incondicional, o olhar terno de um Deus feito carne, que vem armar sua tenda no meio de nós.

Infelizmente, muitas pessoas não conseguem contemplar no Natal o sorriso e o olhar terno do menino Jesus. Talvez marcados pelo sofrimento, por grandes perdas em sua vida – sejam de ordem humana, afetiva, emocional ou material –, muitos não conseguem, nesta noite solene, encontrar-se com Jesus. Contudo, há outros tantos que, não obstante as circunstâncias desfavoráveis, conseguem – em virtude de sua profunda fé cristã – acolher e abraçar o recém-nascido que se apresenta na manjedoura.

A primeira leitura da missa do dia de Natal proclama que Deus vem visitar seu povo e trazer-lhe a paz e a salvação. Ele vem como um rei, proporcionando alegria e júbilo aos que aguardam sua vinda. O profeta Isaías faz grande convite ao povo eleito a mudar a tristeza em alegria, pois o Senhor vem para consolar a todos os que nele esperam.

A segunda leitura da missa do dia de Natal apresenta, em breves palavras, a história da salvação. O autor da carta aos Hebreus recorda que Deus sempre dialogou com seu povo. Ele é o Criador de todas as coisas e nunca abandona a obra de sua criação. Aquele que criou tudo que existe traçou um plano para salvar todas as criaturas.

As leituras propostas para a solenidade do Natal falam da vinda do Senhor entre nós. O prólogo de João – Evangelho da missa do dia – é um hino que expressa a proximidade do Senhor com a humanidade; ele armou sua tenda no meio de nós. O relato de Lucas – Evangelho da missa da noite – apresenta o cumprimento das profecias: o menino Jesus, que nasce em Belém, vem ao encontro do povo para oferecer a salvação.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura – Missa do dia (Is 52,7-10)

A primeira leitura, da segunda parte do livro de Isaías (também chamada Dêutero-Isaías), é mensagem dirigida ao povo de Israel para consolá-lo. O autor dessa segunda parte de Isaías teve a difícil missão de manter acesa a esperança do povo durante o exílio da Babilônia. Tanto os que permaneceram na terra como os que foram exilados experimentaram a dominação estrangeira e a desolação da guerra.

É nesse contexto de desolação, no pós-guerra, com a cidade de Jerusalém em ruínas, que o profeta encoraja seu povo; ele convida a comunidade dos fiéis a depositar toda a confiança no Reinado de Deus, e não nos reinos deste mundo. Onde e quando Deus reina, a injustiça e a opressão não imperam. Por isso o profeta anuncia a boa notícia da paz, a salvação. O Senhor não conduzirá o povo por caminhos de morte, destruição e dominação, à maneira dos reis políticos, mas exercerá seu poder régio para reconstruir a paz, a felicidade, o bem-estar de todos.

Em linguagem poética, o texto descreve as sentinelas da cidade olhando para todos os lados, para ver o Senhor que está para chegar. O grito que se ouvirá não será de temor, mas de alegria, pois Deus vem resgatar seu povo dessa situação de sofrimento. O Reinado de Deus transforma a situação de ruínas em alegria. E toda a terra poderá testemunhar a ação de Deus em favor de seu povo. A libertação plena e total que ele irá oferecer ao povo terá sua plenitude com a chegada de Jesus.

2. II leitura – Missa do dia (Hb 1,1-6)

O autor se expressa por meio de uma grande homilia para levar a comunidade a compreender Jesus como o sumo sacerdote da Nova Aliança que Deus selou com a humanidade. A mensagem é dirigida a essa comunidade, cujos membros, em sua maioria, eram provenientes do judaísmo e, portanto, conheciam profundamente as promessas de salvação anunciadas pelos profetas nas Escrituras.

Essa carta pastoral faz um resumo da história da salvação, a qual recorda que Deus é o protagonista do projeto e de sua realização. E para concretizar seu plano de salvação, realizar suas promessas, de muitas formas ele falou à humanidade; serve-se de seres humanos, da linguagem humana, para estreitar a distância entre ele e os seres humanos. Outrora Deus falou por meio de profetas, mas agora fala por meio de seu próprio Filho.

A celebração do Natal nos permite contemplar esse mistério de um Deus que se faz tão próximo de nós, que rompe todas as barreiras que impedem nossa proximidade com ele. O Deus em quem acreditamos é amor, é relação, é diálogo; ele se deixa encontrar. Celebrar o Natal é acolher a Palavra de Deus viva que vem habitar entre nós. O Filho de Deus se identifica plenamente com o Pai; toma a iniciativa de se fazer próximo, resgatar-nos e nos salvar.

3. Evangelho – Missa da noite (Lc 2,1-14)

Lucas é o evangelista que demonstra maior preocupação em situar a história da salvação dentro dos eventos da história humana. Oferece informações históricas detalhadas acerca do nascimento de Jesus, para que sua comunidade o compreenda não como uma lenda ou um mito, mas como alguém que de fato se inseriu na história de um povo. Algumas informações históricas no relato de Lucas são, de certa forma, imprecisas, como o local geográfico em que certas autoridades políticas atuavam; tais imprecisões ocorrem porque o evangelista é um cristão que viveu fora da Palestina, se tornou discípulo depois da morte de Jesus e, como tal, quer narrar seu nascimento como um ato de fé, porque realmente acredita que ele é o Filho de Deus enviado a este mundo.

Ao mencionar que Jesus nasceu em Belém, Lucas destaca que ele é o Messias anunciado pelos profetas nas Escrituras (cf. Mq 5,1). Seu nascimento é a realização das promessas que Deus havia feito aos antepassados de Israel. Outro detalhe importante sobre a narrativa lucana do nascimento de Jesus são os detalhes da pobreza, simplicidade e fragilidade com que veio a este mundo. O Messias enviado por Deus vem trazer a paz na terra àqueles que estão abertos para acolhê-lo. As manifestações divinas em Lucas não vêm por meio dos poderes deste mundo.

 Lucas se apropria da linguagem ideológica do Império Romano, que apresentava o imperador como deus e salvador, e como alguém cujo nascimento havia trazido a paz ao mundo. Na concepção imperialista, a vinda do rei era uma boa notícia para o povo, a completa realização da esperança para as gerações futuras. Lucas inverte a aplicação dessa crença, descrevendo Jesus como o Filho de Deus, o Salvador, a verdadeira Boa Notícia. Ele é aquele que traz a paz na terra; é ele a plena realização de Israel. Intencionalmente, Lucas se apropria da linguagem imperial para exprimir que Jesus é Deus Salvador e que seus discípulos têm uma alternativa de esperança, pois os pobres nada recebem de César Augusto, ao passo que de Jesus recebem a vida plena.

O presépio nos apresenta a lógica de Deus, que se revela na simplicidade, na pobreza, na fragilidade e, ao mesmo tempo, é cheio de amor e ternura. Sua presença traz alegria para todo o universo. Não somente os pastores se alegram, mas também os anjos do céu. O nascimento de Jesus segundo Lucas nos interpela: estamos dispostos, como os pastores, a acolher a lógica de Deus?

4. Evangelho – Missa do dia (Jo 1,1-18)

O prólogo do Evangelho segundo João é um hino por meio do qual a comunidade joanina professava sua fé em Jesus Cristo. A confissão de fé expressa nesse hino ressalta que Jesus é a Palavra de Deus encarnada. Essa Palavra é de origem eterna, divina; faz que toda a obra da criação, desde o seu princípio, tenha como destino encontrar-se com o divino.

O evangelista inicia seu relato oferecendo-nos uma chave de interpretação para tudo aquilo que vai transmitir à sua comunidade de fé: Jesus está em relação com toda a obra da criação. Sua missão neste mundo é fazer-nos criaturas novas; é completar a obra da criação. No pensamento de João, a Palavra é realidade que antecede a obra da criação; não só estava junto de Deus, como também colaborava com ele.

Ao afirmar que a Palavra se fez carne, João claramente identifica a Palavra com Jesus Cristo, o Filho de Deus. A expressão “armou sua tenda no meio de nós” (v. 14) recorda a experiência do êxodo, o encontro com Deus no deserto, quando o povo vivia em tendas. No tempo em que vivia em acampamentos no deserto, o povo sentia a presença de Deus muito perto. O Senhor residia onde o povo estava. A encarnação de Jesus permite que novamente a humanidade possa experimentar, agora de modo muito mais profundo, a presença do Deus que vem morar entre nós. Ele é a Palavra criadora, a luz que ilumina as trevas. Nem todos, porém, estão abertos para acolher a Palavra, acolher a luz que é Jesus. Por meio de sua encarnação, Jesus se oferece à humanidade inteira, e João, no decorrer de seu relato, vai contar a história daqueles que acolheram e dos que recusaram a Palavra que se fez carne e veio habitar entre nós.

III. Pistas para reflexão

A presença de Jesus deve encher o coração das pessoas de esperança, paz e alegria. Ele é a Boa Notícia que o mundo espera. Como, porém, fazemos essa proposta ao mundo que nos cerca? Como podemos testemunhar ao mundo que Jesus é a Boa Notícia para todas as categorias de pessoas que sofrem pela ausência de Deus?

O menino Jesus, que contemplamos no presépio, é, para nós, a Palavra de Deus encarnada, que dá sentido e direcionamento para nossa vida. A liturgia do Natal nos interpela: quantas vezes nos deixamos guiar por outras palavras, por outras mensagens e promessas que não vêm de Deus, mas de poderosos deste mundo? Quais palavras e promessas nos atraem? São realmente as que vêm de Deus ou as que vêm de outras vozes?

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]