Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2020 - ano 61 - número 336 - pág.: 60-62

NATAL DO SENHOR – MISSA DO DIA – 25 de dezembro

Por Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

O Verbo se fez carne e habitou entre nós

I. INTRODUÇÃO GERAL

A liturgia deste dia realça não apenas o nascimento de Jesus, mas também sua origem divina. Aquele que estava presente na criação do mundo veio até nós para nos tornar filhos de Deus. Essa vinda já tinha sido anunciada pelos servos de Deus durante a Primeira Aliança. Agora, por meio do Verbo eterno feito existência humana, Deus nos fala definitivamente e efetiva sua presença soberana na humanidade. Jesus não é apenas mais um mensageiro de boas notícias; ele mesmo é o Evangelho de Deus, ele é a salvação prometida.

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Jo 1,1-18)

João está descrevendo um novo começo. Se o livro do Gênesis registra a primeira criação, o primeiro versículo do Evangelho de João descreve a nova criação. Em ambas as ocasiões, o agente da obra criadora é o próprio Verbo (ou Palavra) de Deus. “Palavra” e “luz” são duas formas de falar da mesma realidade, a saber: Deus entrou na história humana para reconduzi-la à plenitude.

A Palavra (ou o Verbo) se fez carne (v. 14). Na mentalidade hebraica, a palavra é o meio pelo qual alguém se revela ou expressa seus pensamentos e vontade. No Antigo Testamento, o termo “carne” certamente não tem conotação pejorativa, não é a antítese de Deus; representa, antes, tudo o que é transitório, mortal e imperfeito e, à primeira vista, incompatível com Deus (cf. Is 40,6-8). Dessa forma, a Palavra de Deus se opõe à carne. Conforme o evangelista João, a melhor forma pela qual Deus se expressou foi na existência humana de Jesus. Nele, o que Deus é e o que ele espera da humanidade foram revelados. Jesus é o Verbo, o ser de Deus narrado em uma vida humana. Em vez de conceber uma força impessoal ou um princípio abstrato e distante da situação humana, João utiliza o termo “Verbo” no sentido muito pessoal de um Deus que ama, se compadece e se identifica com os seres humanos, tomando sobre si sua natureza e sofrendo uma morte vergonhosa com o fim de prover um meio para a reconciliação do ser humano com seu Criador.

A luz veio ao mundo (v. 9). O Antigo Testamento se refere a Deus como a fonte da luz e da vida em várias passagens. O salmista indica que Deus é a fonte da vida e da luz (Sl 36,9). João, seguindo o conceito do salmista, afirma que o Verbo é a vida e a luz dos seres humanos. O termo “mundo” nesse texto significa o mundo humano e seus assuntos, o qual, concretamente, está submetido ao pecado e às trevas. A função da luz é basicamente combater ou vencer a obscuridade. “Trevas” é termo metafórico que, no Quarto Evangelho, se refere a tudo o que se opõe à mensagem de Jesus; é a obscuridade moral e espiritual. Por isso, o tema da primeira parte do Quarto Evangelho é a fé e seu contrário, a incredulidade (como resultado da influência das trevas). A totalidade da missão de Jesus foi uma espécie de conflito entre a luz e as trevas, culminando no Getsêmani e na cruz. Por isso, o verbo “vencer” cabe bem nesse contexto. A luz brilha nas trevas e as trevas não tinham poder para detê-la (v. 5), muito menos para vencê-la.

2. I leitura (Is 52,7-10)

O profeta elogia a atividade de alguém que traz uma mensagem de salvação; o mensageiro vem correndo e gritando, enquanto atravessa os picos das montanhas: “Teu Deus reina!” As sentinelas que estão de guarda nas muralhas de Jerusalém começam a vislumbrar o mensageiro.

Ele se antecipa à caravana dos exilados que voltam à terra natal. Metaforicamente, Deus é descrito como um rei vencedor que, com seu exército, volta da guerra para a terra da promessa. O grito do mensageiro alerta para o fato de que Deus saiu vitorioso. As sentinelas, em uníssono, repetem o grito do mensageiro e exortam as ruínas da cidade a se unirem ao coro com gritos de júbilo, porque o Senhor resgatou seu povo, que estava sob o poder do dominador estrangeiro. Aos poucos, a notícia da restauração de Sião (Jerusalém) vai se espalhando pelo reino inteiro e por todas as nações.

3. II leitura (Hb 1,1-6)

Fundamental para a carta aos Hebreus é o fato de que Deus se revelou constantemente ao longo da história, dando-se a conhecer para que o ser humano o amasse. Agora, porém, por meio de seu Filho, Deus fez sua revelação final, definitiva e superior a tudo o que foi revelado anteriormente. Os primeiros versículos mencionam alguns contrastes entre o que foi revelado no passado e o que está sendo mostrado agora por meio do Filho. Primeiramente, aquelas revelações eram parciais, “em muitos fragmentos”, literalmente falando. A revelação efetivada pelo Filho é completa. Também há uma oposição entre o outrora e o hoje; ou seja, aquilo que é revelado pelo Filho será sempre atual, nunca estará ultrapassado, jamais dará lugar a nenhuma outra revelação, porque não há um mensageiro superior ao Filho, o qual é a “expressão do ser” do Pai. Com essa afirmação, Hebreus enfatiza a correspondência exata entre a natureza do Filho e do Pai, porque o termo grego ali empregado significa algo semelhante a um carimbo que deixa impresso no papel a figura que traz em alto-relevo. As revelações nos tempos antigos vieram de muitas maneiras, a atual veio de um único modo, por meio de Jesus Cristo. Aquelas foram muitas, a última é única. Com o vocábulo “profetas”, o autor de Hebreus se refere a todas as pessoas da Antiga Aliança que transmitiram às gerações seguintes a fé de Israel.

Nenhuma dessas pessoas realizou a obra de Jesus Cristo, a saber: possibilitar nosso acesso à presença de Deus. Ao oferecer sua própria vida a Deus, Jesus realizou a purificação dos pecados de toda a humanidade, tornando possível nossa aproximação ao trono da graça. A inclusão da obra de redenção na descrição de Cristo como agente de Deus na criação e na revelação definitiva indica a unidade básica entre esses dois eventos. Aquele que estava presente na criação é o mesmo a nos purificar dos pecados no momento da ascensão, quando penetra o Santo dos Santos no céu.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O Natal e a Páscoa são as duas grandes solenidades do calendário litúrgico. Uma remete à outra. Não se pode falar do Natal sem mencionar a Páscoa, pois, na cruz, a encarnação de Jesus aparece de forma mais concreta. A “prova” de que Jesus se encarnou é sua morte. E uma morte infligida por aquilo que ele viveu. Isso nos remete a nova reflexão sobre seu nascimento. Jesus veio ao mundo para plenificar a criação de Deus. Para resgatar o ser humano do poder das trevas e reconduzi-lo à luz, mediante uma vida nova, ressuscitada. A Páscoa é a celebração dessa vitória da luz sobre as trevas. Por isso, já no Natal celebramos a ressurreição.

Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

graduada em Filosofia e em Teologia, cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. E-mail: [email protected]