Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2021 - ano 62 - número 342 - pág.: 41-43

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS – 7 de novembro

Por Izabel Patuzzo

Um projeto de vida feliz

I. Introdução geral

A liturgia da solenidade de Todos os Santos tem profunda relação com nossa fé na ressurreição. Os discípulos partilham a mesma realidade experimentada por Jesus: a ressurreição para a vida eterna. O chamado à santidade, como nos recorda o papa Francisco na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, é feito a cada um de nós. O caminho para chegar à santidade é pessoal; cada um percorre seu próprio caminho para chegar a ela; há muitas maneiras de testemunhar a fé.

A santidade é fruto da conversão realizada pelo Evangelho. Não somente aqueles que foram proclamados santos pela Igreja trazem a marca de uma vida santa, mas também muitos homens e mulheres de nosso tempo, os quais, no dia a dia, dão testemunho de seguimento de Jesus Cristo. Se nos deixarmos conduzir pela graça do sacramento do batismo, ela tem a força de frutificar em nós o dom da santidade.

Na liturgia deste dia, a primeira leitura descreve a alegria dos mártires e dos santos em sua comunhão com Deus. Para isso, o autor do Apocalipse recorre à linguagem simbólica da visão celestial. A segunda leitura nos recorda que, pelo batismo, somos chamados filhos de Deus e destinados à vida eterna. No Evangelho de Mateus, as bem-aventuranças nos falam do futuro que Deus reserva àqueles e àquelas que acolhem a proposta de seu Reino.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Ap 7,2-4.9-14)

O autor do livro do Apocalipse usa uma linguagem profético-simbólica – muito comum em sua época – que hoje chamamos de apocalíptica. Ele descreve, em forma de visões, a realidade das perseguições cruéis sofridas pelas primeiras comunidades cristãs e ainda vivas na memória dos discípulos de Jesus. As visões que João dirige, como profeta cristão, às comunidades cristãs da Ásia Menor trazem uma mensagem de esperança em tempos de provação. Trata-se de linguagem codificada – mas conhecida pela comunidade – que evoca a perseguição romana aos cristãos e o convite a resistir na fé.

Roma, a sede do poder romano, era comparada à antiga Babilônia, que trouxe grandes sofrimentos ao povo de Deus. Uma história que todos conheciam muito bem. O centro do anúncio profético de João é o Cordeiro imolado e ressuscitado, Jesus Cristo. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos os que o seguem, sobretudo para aqueles que dão a vida pela fé. Estes participam de sua vitória, no banquete eterno.

2. II leitura (1Jo 3,1-3)

A segunda leitura nos recorda que o caminho da santidade consiste em vivermos como filhos e filhas de Deus. Pelo batismo, recebemos a graça de sermos seus filhos adotivos; somos capacitados a participar da glória eterna. Nas palavras de João, por meio dessa filiação, tornamo-nos coparticipantes da natureza divina (“quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é”, v. 2). A santidade, portanto, não é apenas fruto do esforço pessoal daqueles que buscam viver segundo a proposta do Evangelho de Jesus, mas é dom do amor de Deus e resposta do ser humano à iniciativa divina. Assim, desde o nosso batismo, nossa vida futura está marcada pelo convite à comunhão eterna com Deus.

3. Evangelho (Mt 5,1-12a)

As bem-aventuranças segundo o Evangelho de São Mateus fazem parte do primeiro discurso de Jesus, também chamado de sermão da montanha. Esse discurso reúne importantes ensinamentos que o evangelista colecionou para transmitir à sua comunidade, com a intenção de ajudar os discípulos a renovar a antiga Lei do Sinai com o novo código ético anunciado por Jesus.

A comunidade cristã reúne o novo povo de Deus. Dessa forma, Mateus situa o ensinamento de Jesus no alto da montanha. A indicação geográfica recorda a Lei entregue ao povo de Deus no Sinai. Lá o Senhor se revelou ao seu povo. Agora é o Filho de Deus que se revela aos discípulos e, na montanha, oferece as diretivas para a Nova Aliança, a nova Lei.

O relato de Mateus traz nove bem-aventuranças e não apresenta os “ai de vós” que aparecem no texto de Lucas. O texto de Mateus enuncia sempre uma alegria oferecida por Deus. Jesus proclama as bem-aventuranças àqueles que, por alguma razão, passam por provação ou sofrimento. São bem-aventurados os que se encontram em situação de dependência, fraqueza ou debilidade, porque Deus está pronto para instaurar seu Reino, que transformará os sofrimentos em bênçãos.

As quatro primeiras bem-aventuranças estão relacionadas entre si. São dirigidas aos pobres em espírito, isto é, àqueles que confiam plenamente na misericórdia divina; àqueles que renunciam aos êxitos e bens deste mundo e se fazem disponíveis para Deus e para os irmãos. Os pobres em espírito são aqueles que livremente renunciam à busca de bens materiais para servir e partilhar tudo o que têm com os que necessitam de ajuda.

Os mansos são aqueles que escolheram a não violência, são tolerantes e pacíficos, embora essa escolha nem sempre seja a mais fácil. A mansidão requer muitas vezes a capacidade de sofrer injustiças sem usar de meios violentos para construir o Reino de Deus. Os que choram são aqueles que vivem na aflição, muitas vezes fruto do egoísmo e da injustiça. Os que têm fome e sede de justiça são aqueles que buscam a fidelidade aos planos de Deus. Os misericordiosos são aqueles que se deixam guiar pelos sentimentos divinos. Deus é misericórdia sem limites. Ser misericordioso significa ter um coração capaz de se compadecer diante dos sofrimentos dos irmãos e irmãs.

Aqueles que promovem a paz são os que se recusam a confiar nos poderes deste mundo e se fazem instrumentos de reconciliação e perdão. Os perseguidos por causa da justiça são aqueles que resistem à perseguição, aos sofrimentos e adversidades por causa de Jesus Cristo.

Em seu conjunto, as bem-aventuranças anunciam que Deus nos ama e é fonte de bênçãos para todos os que acolhem o caminho por ele apontado.

III. Pistas para reflexão

Jesus proclama que os pobres em espírito são felizes, enquanto o mundo diz que isso se conquista com bem-estar, dinheiro, poder, prestígio. As bem-aventuranças trazem outra proposta de felicidade. Construir a paz, ter um coração misericordioso, lutar pela justiça constituem a verdadeira bênção. O discurso de Jesus nos leva a refletir sobre o que de fato nos traz a vida plena.

As bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus que abraçamos por meio de nosso batismo. A solenidade de Todos os Santos nos faz lembrar as muitas pessoas que buscaram a santidade, aproximando-se do rosto de Deus; pessoas em cuja vida transparecia a imagem e semelhança dele, porque, mesmo com defeitos, se deixaram transformar pelo amor e misericórdia divina.

Ser santo exige andar na contramão das propostas do mundo, a exemplo de Jesus, e resistir às tentações do ter e do poder. Que a exortação do papa Francisco possa nos inspirar a não ter medo da santidade; a sermos mais humanos e ter compaixão de quem necessita de nosso cuidado; a sermos alegres porque nos aproximamos de Deus.

Izabel Patuzzo

pertence à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. E-mail: [email protected]