Roteiros homiléticos

13 de outubro – 28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Por Pe. Johan Konings, sj

A GRAÇA DE DEUS E NOSSO AGRADECIMENTO

I. INTRODUÇÃO GERAL 
A liturgia do 28º domingo comum nos apresenta um tema bem caro ao evangelista Lucas e muito esquecido em nossa sociedade: a gratidão. Em nossos dias de individualismo e de egocentrismo exacerbado, por causa do mito do bem-estar e da idolatria do mercado, a gratidão brilha como uma luz nas trevas.
 
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 
1. I leitura (2Rs 5,14-17)
A 1ª leitura é a história da gratidão de Naamã, o general sírio que ficou leproso. Aconselha-se, aos padres ou ministros da Palavra, que expliquem e contextualizem bem esta leitura, pois o trecho prescrito no Lecionário ficou muito truncado. O recorte litúrgico exige pelo menos uma pequena introdução narrativa, para pôr os ouvintes a par do que precedeu à entrada de Naamã na água do Jordão! É preciso lembrar como esse estrangeiro concebeu a ideia de consultar um profeta de Israel e, sobretudo, como ele queria montar um espetáculo, levando ricos presentes e vestes (2Rs 5,5). O poderoso general sírio queria que o profeta Eliseu o curasse por sua palavra, mas Eliseu o mandou banhar-se no Jordão, para que ficasse claro que não era Eliseu quem curava, e sim o Senhor de Israel e das águas do Jordão. O general, apertado, aprendeu a obedecer.
Então veio a hora de agradecer. Novamente, Naamã quer mostrar seu prestígio oferecendo um presente digno de príncipe. Eliseu recusa, pois quem agiu não foi ele, mas foi Deus! Então vem o comovente fim da história: curado não só de sua lepra, mas de seu orgulho de militar, Naamã pede para levar consigo, nos jumentos, umas sacas de terra, para poder adorar, na Síria, o Deus de Eliseu sobre o chão de Israel! Além disso, pede antecipadamente perdão, porque, como funcionário real, terá que adorar também, de vez em quando, o deus sírio Remon; e Eliseu responde: “Pode fazer tranquilamente”...
As lições dessa história são diversas: a gratuidade do agir de Deus, pois o que o move não são as manias militarescas ou os presentes, mas a simples confiança de Naamã; a humildade do profeta, que só quer que Deus apareça; a comovente gratidão do sírio; a abertura de espírito do profeta quanto às obrigações religiosas do sírio; o fato de ele ser estrangeiro e, nesse sentido, o fato de Deus o atender gratuitamente, sem “ter obrigações” para com ele...
 
2. Evangelho (Lc 17,11-19) 
O evangelho lembra, sob vários aspectos, a história de Naamã (1ª leitura). Trata-se de lepra. Dez leprosos são curados não imediatamente (exatamente como Naamã), mas somente depois de ter mostrado confiança inicial na Palavra de Jesus, que os mandou mostrar-se aos sacerdotes. Porém, quando eles obtêm a cura, a história se torna menos emocionante que a de Naamã: torna-se um caso grave de ingratidão. Só um dos dez volta para agradecer, e este é, por sinal, um estrangeiro (como Naamã), e, além disso, samaritano, inimigo dos judeus.
Parece que a graça de Deus é melhor acolhida pelos estrangeiros. E é verdade, pois os estrangeiros se sabem agraciados, enquanto as pessoas da casa acham que tudo quanto recebem é “por direito” e que, portanto, não precisam agradecer! Esquecem que tudo é graça. Acham que estão quites quando cumprem as prescrições: mostrar-se aos sacerdotes. Sua atenção é absorvida por seu próprio sistema. Por isso, diz-se que os piores cristãos são os que moram perto da Igreja: apropriam-se da religião e esquecem o extraordinário de tudo o que Deus faz.
 
3. II leitura (2Tm 2,8-13) 
Na 2ª leitura, o “testamento de Paulo” (cf. domingos anteriores) chega ao ponto mais significativo: Paulo confia a seu cooperador, Timóteo, o evangelho que ele mesmo pregou, o anúncio da ressurreição de Cristo, que garante também a nossa ressurreição – se ficarmos firmes na fé nesta palavra. Quem segue no trilho do Apóstolo arrisca-se. O amor ao Evangelho e aos “eleitos” exige empenho total. Isso é possível a partir da certeza de que Cristo foi ressuscitado dos mortos (2,8). Paulo está algemado, mas a palavra não está algemada (v. 9)!
As últimas frases da perícope (2Tm 2,11-13) formam um hino. A palavra que é verdadeira nos ensina: se morrermos com Cristo, viveremos; se formos firmes, reinaremos com ele; se o renegarmos, ele nos renegará; – e agora vem uma quebra surpreendente nos paralelismos – se formos infiéis, ele será... fiel! À nossa infidelidade, Deus responde com sua fidelidade, pois não pode negar seu próprio ser!
 
III. PISTAS PARA REFLEXÃO 
Gratidão: os textos nos convidam a refletir sobre a gratidão. A 1ª leitura nos oferece uma das mais belas histórias do Antigo Testamento. Naamã, general sírio, foi curado da lepra pelo profeta israelita Eliseu. Para mostrar a sua gratidão, levou consigo para a Síria, nos seus jumentos, uns sacos cheios de terra de Israel, para, lá na Síria, adorar o Deus de Israel no seu próprio chão! Em contraste com este exemplo de singela gratidão, o evangelho narra a história dos dez leprosos curados por Jesus, dos quais apenas um voltou para agradecer. E esse era, por sinal, um estrangeiro (como o general sírio), pior, um samaritano, inimigo do povo de Jesus...
Gratuidade do agir de Deus, gratidão por tudo o que Deus faz: tudo é graça. O tema da gratidão é bem enquadrado pela liturgia toda. A oração do dia reza que a graça de Deus deve preceder e acompanhar nosso agir; devemos estar atentos ao bem que Deus nos dá para fazer. O salmo responsorial (Sl 98[97]) e a aclamação ao evangelho estão no mesmo tom.  É também o dia indicado para ler o belo prefácio comum IV: agradecemos a Deus até o dom de o louvar! Graça, gratuidade, gratidão, agradecimento: é o momento de ensinar ao povo o parentesco, não apenas etimológico, mas vital, dessas palavras.
As antigas orações estão cheias de ação de graças. O próprio termo “eucaristia”, que indica a principal celebração cristã, significa “ação de graças”. Contudo, quando se faz, depois da comunhão, uma ação de graças partilhada, a maioria das pessoas dificilmente consegue formular um agradecimento; a oração de pedido é que lhes vem aos lábios. Numa missa, depois da comunhão, o padre convidou os fiéis a formular orações de louvor e gratidão, não de pedido, mas a primeira voz que se fez ouvir rezou: “Eu te agradeço, Senhor Deus, porque te posso pedir por meu marido e meus filhos...”.
A gratidão é uma flor rara. Brota, frágil e efêmera, nas épocas de trocar presentes (Natal, Páscoa...), mas desaparece durante o resto do ano. Quase ninguém agradece pelos dons que recebe continuamente, dia após dia: a vida, o ar que respira, os pais, irmãos, vizinhos...
Se fosse apenas o costume de pedir, não seria grave. Pedir com simplicidade pode ser outra face da gratidão – como aquele frei que, depois de uma boa sobremesa na casa de uma benfeitora, assim falou: “Minha senhora, não sei como mostrar minha gratidão por esse almoço e essa sobremesa tão gostosa... posso pedir mais um pedaço?”. Ao contrário, porém, a mania de pedir sem agradecer reflete a mentalidade de nosso ambiente: sempre querer levar vantagem. Será por causa das dificuldades da vida? Mas os que têm a vida mais folgada é que mais pedem sem agradecer... Falta motivação para se dirigir em simples agradecimento àquele que é a fonte de todos os bens. Talvez não seja apenas a gratidão que desapareceu. Receio que Deus mesmo tenha sumido dos corações.
Não só as pessoas individuais, também as comunidades eclesiais devem precaver-se desse perigo. Lutar pelo amor-com-justiça é bom e necessário, mas a luta deve estar inspirada pela visão alegre e alentadora do bem que Deus dispõe para todos, e não pela insatisfação e frustração. Um espírito de gratidão pelo que já se recebeu, em termos de solidariedade e fraternidade, é o melhor remédio para que a luta não faça azedar as pessoas. Então a desgraça que se vive não abafará a gratidão; será apenas um desafio a mais para que tudo o que fizermos seja uma ação de graças a Deus, conforme a palavra de Paulo na 2ª leitura.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e licenciado em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Leuven (Lovaina). Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A - B - C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje. E-mail: [email protected].