Roteiros homiléticos

19 de abril – VIGÍLIA PASCAL

EXULTAÇÃO E LOUVOR: JESUS RESSUSCITOU!

I. INTRODUÇÃO GERAL

A Vigília Pascal é a reafirmação comunitária da fé na ressurreição. É a celebração da vitória da vida sobre a morte. Depois de um dia de silêncio e meditação sobre a paixão e morte de Jesus, a comunidade cristã exulta de alegria pela Páscoa da ressurreição do Senhor. A Vigília Pascal baseia-se numa antiga tradição israelita, conforme se lê no livro do Êxodo: “Esta noite, durante a qual Iahweh velou para fazer seu povo sair do Egito, deve ser para todos os israelitas uma vigília para Iahweh, em todas as suas gerações” (Ex 12,42). No Evangelho, encontramos o sentido cristão da vigília: “Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas. Sede semelhantes a pessoas que esperam seu senhor voltar das núpcias, a fim de lhe abrir, logo que ele vier e bater” (Lc 12,35-36). A liturgia da Palavra, bem como a simbologia desta celebração, recorda a ação criadora e libertadora de Deus na história humana, culminando com a ressurreição de Jesus. É o acontecimento central de nossa fé. Quem vive alicerçado na certeza da ressurreição é nova criatura.

II. A SIMBOLOGIA DA CELEBRAÇÃO

Os símbolos que fazem parte da celebração da Vigília Pascal são portadores de sentidos relacionados à vida nova. Os paramentos brancos anunciam a vitória sobre o mal e a paz que Jesus ressuscitado nos dá. Apontam para o viver revestido dos mesmos sentimentos de Jesus: “Como escolhidos de Deus, santos e amados, vistam-se de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência...” (Cl 3,12). As vestes brancas identificam os que são fiéis a Jesus e estão inscritos no livro da vida (Ap 3,4-5).

O fogo purifica, aquece e ilumina. Na Bíblia, o símbolo do fogo é utilizado para descrever a identidade e a ação de Deus. Pelo fogo, Deus manifestou-se a Moisés e revelou-se como libertador do povo escravizado (Ex 3,1-12). De noite, para iluminar o caminho por onde devia passar o povo rumo à terra prometida, Deus andava à sua frente, como uma coluna de fogo (Ex 13,21). João Batista anuncia o batismo de fogo que será realizado pelo Messias (Mt 3,11). Jesus também proclama que veio trazer fogo à terra e deseja ardentemente que esteja aceso (Lc 12,49). O Espírito Santo se revela como “línguas de fogo” (At 2,3). O fogo expressa força, paixão, indignação profética; alastra-se facilmente, como se alastra a boa notícia da ressurreição.

A luz é outro símbolo que revela o ser e o agir divinos. Deus separou a luz das trevas; viu que a luz era muito boa (Gn 1,3-4). Deus é um ser envolto em luz (Sl 104,2); Jesus Cristo é a luz verdadeira que ilumina a humanidade (Jo 1,9), e quem o segue “não anda nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Ele é o vencedor das trevas e da morte: nesta noite santa, é representado pelo círio pascal. Nele acendemos nossas velas, como gesto de compromisso com o seguimento de Jesus, fonte de vida plena. “Se caminhamos na luz como ele está na luz, estamos em comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7).

A água simboliza a vida, fertiliza a terra, mata a nossa sede, nos limpa... Lembra a imersão batismal pela qual nos tornamos filhos de Deus. Representa o novo nascimento: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5). Na celebração eucarística, mistura-se a água (nossa humanidade) com o vinho (divindade). Do lado aberto de Jesus morto na cruz, traspassado pela lança, “saiu sangue e água” (Jo 19,34). O círio pascal mergulhado na água é a íntima união de Cristo com a humanidade. Do interior de quem crê em Jesus morto e ressuscitado “fluirão rios de água viva” (Jo 7,38).

III. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Leituras do Primeiro Testamento: Criação e libertação – o rosto de Deus

As leituras da liturgia desta noite refletem as ações de libertação e salvação de Deus ao longo da tradição judaico-cristã. Partem da criação, em que se reconhece a Deus como fonte de toda vida. Todas as coisas são “muito boas”, reveladoras da bondade e da generosidade divinas. O homem e a mulher são criaturas entre as demais. Há íntima relação entre o ser humano e a natureza... O sétimo dia, ponto alto do relato da criação, invoca a importância da gratuidade e da contemplação, para além da exploração utilitarista, a fim de promover a “fraternidade e a vida no planeta” [f1] (I leitura: Gn 1,1-2,2).

O sacrifício de Isaac prefigura o de Jesus. Abraão é caracterizado como aquele que deseja seguir a Deus, o único absoluto. Aprende que Deus é o defensor da vida, diferentemente de outras práticas existentes na época. A obediência a Deus está relacionada com a ruptura com toda espécie de opressão e morte (II leitura: Gn 22,1-18). É o que se constata também no acontecimento do êxodo: Deus suscita o movimento e a organização das pessoas oprimidas em vista de uma sociedade nova. A passagem do povo de Israel pelo mar Vermelho nos oferece a convicção de que a presença divina na história humana garante as condições de superação de todas as dificuldades que impedem uma vida baseada na liberdade, na justiça e na fraternidade (III leitura: Ex 14,15-15,1).

As próximas quatro leituras refletem a teologia que emerge da situação dos israelitas exilados na Babilônia. Por meio do profeta Isaías, Deus dirige-se ao povo sofredor, oferecendo-lhe amor de esposo, incapaz de abandonar a sua esposa, pois é sempre fiel à aliança. Ele é o Redentor, o Protetor e o Doador da paz (IV leitura: Is 54,5-14). Deus se revela a fonte de todos os bens e sacia todo o povo de modo gratuito e generoso. Deixa-se encontrar por todos os que o buscam e atende a todos os que o invocam. O povo no exílio pode contar com ele, pois ele está bem perto. Seus projetos, muito acima dos nossos, realizar-se-ão em favor da vida do ser humano, conforme anunciado pela sua palavra (V leitura: Is 55,1-11).

Por meio da profecia de Baruc, Deus apresenta-se como fonte de sabedoria. Ele oferece ao povo os “preceitos de vida” para que este possa reconquistar a terra e habitá-la em paz com longevidade. A prudência, a força e a inteligência verdadeiras baseiam-se na sabedoria divina que tudo criou, tudo conhece e tudo governa. É necessário voltar o coração para os desígnios de Deus (VI leitura: Br 3,9-15.32-4,4). Não é Deus o responsável pela situação crítica em que vive o povo; são as más ações deste, baseadas na violência e na idolatria, que atraem as desgraças. O profeta Ezequiel anima a esperança do povo exilado, dizendo-lhe que, apesar de seu mau comportamento, Deus é fiel e cheio de amor; por isso mesmo, intervém para salvá-lo, perdoa-lhe as faltas e lhe dá um coração novo; fará que ande em seus caminhos e oferece-lhe uma nova aliança: “Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus” (VII leitura: Ez 36,16-17a.18-28).

2. Leituras do Segundo Testamento: Jesus ressuscitou!

            As leituras do Primeiro Testamento desta Vigília Pascal são uma espécie de caminho revelador da história da salvação de Deus à humanidade. O ponto alto é a ressurreição de Jesus. O crucificado pela maldade humana é o ressuscitado pela bondade divina, manifestada desde a criação do mundo.

O evangelho (Mt 28,1-10) faz menção ao “raiar do primeiro dia da semana”, referindo-se à nova criação oferecida por Deus à humanidade redimida pela morte de Jesus. Após as trevas da crucificação, nasce a aurora da vida plena. É a novidade absoluta: a vida venceu a morte! Foi definitivamente destruído o último inimigo do ser humano.

Mateus ressalta o protagonismo das mulheres. São as primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus. Elas assistiram à sua morte, viram onde e como o seu corpo havia sido sepultado. Na madrugada deste primeiro dia da semana dirigem-se ao túmulo. Surpreendentemente participam da epifania divina, revelada por meio do terremoto e da descida do anjo do Senhor, que tem um aspecto de relâmpago, vestido com roupa branca como a neve. Ele remove a pedra e senta-se sobre ela: definitivamente, Deus vence a morte! Os guardas tremem de medo e ficam como mortos: o poder deste mundo que domina e mata é extremamente frágil. As mulheres, marginalizadas pelo sistema oficial judaico, mas profundamente acolhidas e amadas por Jesus, “vieram ver o sepulcro” tomadas pela tristeza. Eis que o anjo do Senhor lhes dá uma notícia de extraordinária alegria e força: “Não tenham medo... Ele ressuscitou!” Com pressa, comovidas e com grande alegria, afastam-se do túmulo e assumem a missão de discípulas missionárias, anunciadoras do acontecimento extraordinário aos demais discípulos.

Elas creem! A pedra da dúvida está removida: Jesus ressuscitou! A certeza que provém da fé descarta a necessidade de ver a Jesus com os olhos da carne. Mesmo assim, são duplamente agraciadas: são informadas não somente pelo anjo, mensageiro de Deus, mas também pelo próprio Jesus ressuscitado. Ele vem-lhes ao encontro e reforça a certeza que já carregavam no coração: “Alegrai-vos!” Elas abraçam os pés de Jesus e prostram-se diante dele: tornam-se definitivamente suas seguidoras, testemunhas da ressurreição do Senhor. São confirmadas pelo próprio Jesus na missão de apóstolas dos apóstolos: anunciar-lhes, sem medo, o caminho da Galileia (lugar social das pessoas marginalizadas) como o local do encontro com o Ressuscitado.

            Algum tempo depois desses fatos, Paulo de Tarso também foi contemplado com a experiência de Jesus ressuscitado, que transformou radicalmente a sua vida. Escrevendo aos romanos (Rm 6,3-11), duas décadas depois de sua conversão, expressa o significado da morte e ressurreição de Jesus para os cristãos. Para ele, o batismo é o mergulho na morte de Jesus como passagem para uma vida nova. A fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, desdobra-se em prática cotidiana: crucificar a “velha criatura”, escrava do pecado, para ressuscitar como “criatura nova”, liberta de todo egoísmo e imersa na vida divina. Enfim, a vida da pessoa batizada está íntima e decisivamente relacionada com o próprio ser de Jesus Cristo. Em outras palavras, o que caracteriza o cristão é a permanente “vigília pascal”, no sentido de prosseguir a mesma causa de Jesus, cultivando o mesmo jeito de viver, morrer e ressuscitar.

IV. PISTAS PARA REFLEXÃO

– A criação e a libertação são duas notas características do agir de Deus. Gratuitamente, ele criou todas as coisas; fez-nos à sua imagem e semelhança e nos deu a missão de administrar os bens com justiça e fraternidade. Toda forma de ganância e de concentração de bens é uma afronta à bondade e à generosidade divinas. Caracteriza-se como roubo do que é dom de Deus para a vida de todos os povos. O futuro da humanidade está ameaçado por causa da utilização egoísta dos recursos disponíveis. Porém, não há situação que não possa ser transformada. Deus nos possibilita um coração novo; liberta-nos do egoísmo e nos indica caminhos de vida em abundância. Para isso, a Campanha da Fraternidade nos oferece sugestões para ações concretas.

– A ressurreição de Jesus é a boa notícia que transforma o mundo. A morte foi vencida definitivamente. A exemplo das mulheres na madrugada do primeiro dia da semana, nós acreditamos, sem duvidar, que Jesus ressuscitou e vive em nosso meio. Assumimos a missão de discípulos missionários, testemunhando a fé e o amor a começar de nossa casa. Como batizados, crucificamos o egoísmo na cruz de Jesus para viver como novas criaturas, promovendo relações de diálogo, de reconciliação, de justiça, de paz e de fraternidade.

– Os símbolos da celebração da Vigília Pascal evocam a vitória do bem sobre o mal, da vida sobre a morte. Queremos viver com a veste resplandecente de Cristo ressuscitado, purificados pela água batismal, no fogo do seu amor e na luz de suas palavras. Seguindo a Jesus, anunciamos a aurora de um mundo novo.


 [f1]Deixar essa menção explícita ao tema da CF-2011, ou tirar o trecho “a fim de... planeta”?