Roteiros homiléticos

Publicado em novembro-dezembro de 2020 - ano 61 - número 336 - pág.: 49-51

1º DOMINGO DO ADVENTO – 29 de novembro

Por Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

Convertei-nos, para que sejamos salvos

I. INTRODUÇÃO GERAL

Na liturgia deste domingo, celebramos a certeza de que “o Senhor vem”. As leituras são muito ricas de elementos por meio dos quais recebemos orientações concretas sobre como viver a espera pela vinda do Senhor.

O cristão, antes de tudo, deve conformar sua vida à de Cristo, o que significa romper com o pecado e fazer a vontade de Deus, viver em atitude constante de conversão. No entanto, tal atitude só é possível se nos reconhecermos pecadores, se olharmos menos para os pecados dos outros e tomarmos a firme decisão de levar a sério a vontade de Deus em relação a nós. Ele sempre nos perdoa; portanto, necessitamos levar a sério o perdão que recebemos e nos tornar dignos de sua misericórdia, agradecidos pelo seu imenso amor. Realizar uma reforma íntima é a melhor atitude na espera pelo Senhor que vem. A decisão é nossa e podemos contar com o auxílio de Deus, que renova nosso coração.

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Mc 13,33-37)

No Evangelho, Jesus, no final de seu ministério terrestre, dá instruções a respeito de como se deve viver a espera pela sua nova vinda. Suas orientações são direcionadas sobretudo aos discípulos (v. 33), mas não exclusivamente a eles, pois querem alcançar a todos (v. 37): “O que vos digo, digo a todos: Vigiai!” Isso significa que especialmente à Igreja Jesus deixou a tarefa do serviço e da vigilância, à maneira de servos e de porteiros do Reino de Deus. Vigiar, porém, não faz dos discípulos de Jesus meros servos à mercê dos caprichos de um amo imprevisível nem, muito menos, vigias à espreita para dominar os vigiados. A Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus, é companheira de todas as pessoas nos caminhos da história, é companheira do Mestre, que a precedeu como dom generoso e lhe deu o mandato de levar a termo sua missão de instaurar o Reino de paz e fraternidade. Vigiar é a atitude de quem está sob a escuridão da noite, à espera da aurora do grande dia do Senhor, da vinda de Cristo, que a liturgia enfatiza mediante o termo Advento.

Os tempos atuais, no dizer de Jesus a seus discípulos, são como uma noite. A expressão “à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer” (v. 35) são os quatro momentos nos quais se dividia a noite na Antiguidade: desde o pôr do sol, à meia-noite, ao cantar do galo, ao amanhecer. É noite de espera e de esperança de tempos melhores; estamos no meio da noite, antes da aurora da plenitude da redenção. A esperança vem do fato de que o Senhor esperado é o mesmo que se ofereceu por nós. O vigia é aquele que fica atento no serviço, enquanto os outros estão desatentos e inertes, em sono profundo. Por isso, vigiar foi a última recomendação de Jesus, ao concluir seu ministério terrestre. O vigia também deve enfrentar, com coragem e determinação, todas as adversidades que podem surgir durante a noite. Significa permanecer firme na esperança, animado pela certeza de que o Senhor vem. Portanto, o Advento, o período da espera, é tempo do compromisso com a construção do Reino. É tempo que nos pede compromisso com a conversão, para que o Senhor não nos pegue de surpresa, negligenciando suas ordens.

2. I leitura (Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7)

A primeira leitura é uma oração do profeta, que intercede pelo povo em vista da condição lamentável em que este se encontrava: com o coração endurecido, longe dos caminhos do Senhor. O profeta apela, então, para o caráter paternal de Deus. A expressão “tu és nosso Pai” aparece duas vezes nessa passagem (63,16; 64,7). Deus é o Pai de Israel não simplesmente porque criou esse povo, mas também por tê-lo redimido. A redenção proporciona a participação em uma vida que se insere no amor e no projeto de Deus; vida que não pode ser reduzida meramente a seu aspecto físico-biológico. O profeta pede uma teofania, uma manifestação que abale as montanhas, consideradas como colunas da terra. Na intenção do profeta, essa manifestação teria de ser um fenômeno tão visível e imponente como nunca fora visto ou ouvido antes; manifestação mais maravilhosa que os acontecimentos no Sinai, para ser lembrada como algo estupendo em favor daqueles que esperam por Deus. O profeta expressa enfaticamente esse desejo, mesmo estando ciente da falta de mérito do povo para receber tal revelação da parte de Deus. Na percepção do profeta, os corações endurecidos parecem ter fechado os céus, pois a expressão “céus abertos” simboliza a presença divina no meio do povo. O Deus de Israel, porém, é um Pai cheio de amor e de misericórdia, que garante sua intervenção salvadora ao longo da história e sempre se mostra disposto a libertar seu povo do pecado, dando-lhe um coração renovado, capaz de amar.

3. II leitura (1Cor 1,3-9)

Na segunda leitura, Paulo faz uma saudação inicial, na qual usa duas palavras carregadas de significado, indicativas do que a Igreja em Corinto necessitava urgentemente: “graça e paz”. À saudação tradicional entre os judeus, “paz” (shalom), o apóstolo acrescenta “graça”, porque se deu conta de que a Igreja em Corinto necessitava de ambas. O problema fundamental era que os coríntios não respondiam corretamente à iniciativa da graça de Deus e, portanto, não usufruíam de verdadeira paz. A graça de Deus se manifesta nos dons espirituais, os quais não têm um fim em si mesmos, mas motivam à gratuidade. Paulo sabia que o problema dos coríntios não era a falta de dons espirituais, mas a imaturidade daquela comunidade em relação aos dons, pois seus membros pensavam que, por meio destes, pudessem prever a segunda vinda de Cristo. Em contraposição a esse tipo de pensamento, Paulo chama a atenção para o testemunho que deve ser dado sobre Cristo, para que esperem com perseverança o momento da revelação final do Senhor e, enquanto a esperam, se mantenham irrepreensíveis. Com efeito, Deus é fiel às suas promessas, e assim devem ser todos aqueles que estão em comunhão com ele por intermédio de Cristo.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O contexto atual é marcado por violência e ganância desmedidas. Os seguidores de Jesus não estão isentos de sofrer as consequências de viver em um mundo que se configura desse modo. Da mesma forma como aconteceu com o Mestre, os seguidores de Cristo serão entregues nas mãos das grandes potências deste mundo, mas, superando todo medo, devem anunciar o Evangelho incessantemente. Jesus confiou a seus discípulos a vigilância em relação ao Reino. A comunidade cristã é, para os valores do Reino, o que um vigilante é para um banco, uma residência, uma loja. Grande é nossa responsabilidade, e devemos estar atentos para que o Senhor não nos surpreenda negligenciando a tarefa confiada. Esses valores são vigiados e protegidos quando são postos em prática pela Igreja. Isso significa que o Reino não é expandido por meio da pompa e das glórias deste mundo, ao contrário: buscando ser semelhantes ao Cristo, sendo considerados pelo mundo como fracos e perdedores, os cristãos protegerão os valores do Reino. Os evangelizadores são ameaçados à semelhança de seu Mestre, mas continuarão a oferecer o testemunho de vida em um mundo que insiste em persegui-los. Em resumo, uma conversão contínua é necessária, pois, se o vigilante entra em acordo com o ladrão, então já será tão infrator quanto ele. Não podemos fazer acordo com o mundo, com a ganância, com a corrupção, com a intolerância e a busca desenfreada pelo poder. Vigiemos!

Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj

graduada em Filosofia e em Teologia, cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. E-mail: [email protected]