Roteiros homiléticos

21 de dezembro – 4º DOMINGO DO ADVENTO

Por Celso Loraschi

A acolhida necessária para gerar o Filho de Deus

I. Introdução geral

Neste 4º e último domingo do Advento, meditamos sobre a anunciação do Senhor, conforme relata o Evangelho de Lucas. O Salvador encarna-se no mundo pela via não oficial. Ele é concebido no seio de Maria, camponesa de uma pequena cidade sem importância de uma região marginalizada: Nazaré da Galileia. O Espírito Santo de Deus encontra em Maria a acolhida necessária para gerar o Filho de Deus: “Eu sou a serva do Senhor...”. Jesus é da descendência de Davi, conforme a promessa feita por Deus por meio do profeta Natã. Davi foi escolhido por Deus para pastorear o povo, e não para projetar-se mediante magníficas construções. Não precisa construir um templo para Deus, e sim adorá-lo pela fidelidade à missão recebida. É a vida das pessoas que interessa a Deus. Ele as liberta e as protege. Por isso, prefere morar no meio do povo (I leitura). Jesus é o extravasamento do amor divino derramado sobre todos os povos. Ele nos foi dado a conhecer pelos anúncios proféticos e pela bondade e sabedoria de Deus, a quem queremos glorificar eternamente (II leitura). Entrando na semana do Natal, na mesma disposição de Maria, a mãe de Jesus e nossa, queremos acolher o Salvador e dizer-lhe com o coração e com a vida: “Eis aqui os servos e as servas do Senhor...”.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16): A tenda de Deus

A história de Davi, ao longo da Bíblia, vai sendo contada e recontada pelas sucessivas gerações. Ao redor dessa personagem cria-se verdadeiro movimento. O regime da monarquia produziu uma realidade de marginalização para muita gente. A memória de Davi como rei-pastor funciona, para as vítimas do poder monárquico, como resistência e esperança do estabelecimento de um Reino de justiça e paz.

A 1ª leitura deste domingo consiste numa denúncia à situação privilegiada em que se encontra Davi. Depois de uma trajetória de inúmeras lutas e conflitos, ele se torna rei de Israel, constrói para si uma casa luxuosa e pretende construir um templo magnífico para Deus. Por meio do profeta Natã, porém, Deus lembra a Davi que jamais precisou de uma casa, pois desde o nascimento de Israel sempre morou em tenda, a fim de caminhar com o seu povo, protegê-lo e libertá-lo.

O nó da questão é que Davi, ao conquistar o poder, tende a esquecer-se de suas origens humildes e de sua vocação de pastorear o povo. O projeto de construir um templo para o Senhor revela a intenção de projetar-se politicamente, firmar seu poder e perenizar sua memória. Não é para isso que Deus o chamou, e sim para cuidar da vida do povo. Um templo material para o Senhor revela a pretensão de “apropriar-se” do sagrado e “legitimar” o domínio monárquico sobre o povo, como vai acontecer a partir de Salomão. A habitação em que Deus prefere morar não é a feita de cedro, pois isso significaria afastamento do lugar social onde vivem as pessoas comuns. A habitação humilde em que Deus quer morar é o chão onde se encontra o povo.

Deus, então, indica que a perenidade do reino de Davi se dará por outro caminho. De sua descendência virá o Messias. Seu reino, porém, não será monárquico nem atenderá à expectativa dos dominantes. O messianismo de Jesus revela-se transgressor desde o anúncio do seu nascimento.

2. Evangelho (Lc 1,26-38): A anunciação do Messias

Segundo o Evangelho de Lucas, o anúncio do nascimento de Jesus se dá no “sexto mês” a contar da concepção de João Batista. É evidente a ligação com o “sexto dia” da criação, quando Deus criou o ser humano. Jesus inaugura nova humanidade. O anúncio se dá em Nazaré da Galileia. No Primeiro Testamento não encontramos referência a essa cidade, o que indica ser um lugar sem importância. Ninguém poderia supor que a promessa do Messias seria cumprida por meio de uma jovem camponesa de Nazaré.

Lucas tem clara intenção de contrapor a instituição religiosa oficial localizada em Jerusalém com a cidadezinha de Nazaré, de onde não se esperava nada de bom (cf. Jo 1,46). Maria está comprometida em casamento com José, da descendência de Davi. Cumpre-se a promessa divina conforme o anúncio profético. No evangelho, encontramos várias vezes a expressão “filho de Davi”. Assim, Jesus foi reconhecido pelas multidões como o Messias que, segundo a crença comum, deveria pertencer à linhagem davídica. No entanto, ele é “grande” não por ser “filho de Davi”, e sim por ser “Filho do Altíssimo”. Por isso, “o seu reinado não terá fim”. O reino de Jesus é universal e eterno, não se ancora no poder temporal nem age com a força de nenhum exército. Seu programa está contido em seu nome: Jesus = “Deus salva”.

Com relação a Maria, Lucas não menciona sua ascendência. É uma mulher comum a quem o anjo anuncia que será a mãe de Jesus. A graça de Deus está nela e conceberá o “Filho de Deus” com o poder do Espírito Santo. A “sombra” que cobre Maria lembra a “nuvem” que simbolizava a presença de Deus no meio do seu povo em caminhada pelo deserto rumo à terra prometida. O livro do Êxodo relata também: “A nuvem cobriu a tenda da reunião e a glória do Senhor encheu a habitação” (Ex 40,34).

Maria é a nova habitação de Deus. O anjo Gabriel, mensageiro divino (cujo nome significa “Deus é forte”), anuncia: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra”. Ela é escolhida e agraciada como “sinal” salvífico de Deus, conforme anunciara o profeta Isaías (7,14): “O Senhor vos dará um sinal: eis que a jovem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”. As expressões: “agraciada” e “encontraste graça diante de Deus” revelam que o anúncio se refere à intervenção gratuita e salvadora de Deus em favor da humanidade. Um sinal dessa intervenção já estava em andamento no seio de sua parenta Isabel: uma mulher velha e estéril é capaz de gerar a vida, pois “para Deus nada é impossível”.

A receptividade de Maria ao anúncio do anjo Gabriel não tem nada a ver com passividade. O seu consentimento de fé liga-se com a atitude de serviço. Ao fazer-se serva de Deus, permite que sua Palavra se faça carne nela. Por essa sua atitude de humildade e de entrega ao plano divino, recebemos a graça do Salvador e Maria torna-se modelo para todos nós.

3. II leitura (Rm 16,25-27): Jesus é a revelação de Deus ao mundo

Paulo encerra sua carta aos Romanos com um solene hino de louvor. É a expressão de fé e louvor das comunidades cristãs primitivas, maravilhadas com a bondade divina revelada pela encarnação de Jesus Cristo. Elas se percebem privilegiadas pelo fato de estarem vivenciando em seu tempo a realização da promessa do Messias salvador, conforme anunciada pelos profetas.

Jesus Cristo é a revelação do mistério de Deus “envolvido em silêncio desde os séculos eternos”. É como se Deus abrisse o coração para que todas as nações pudessem conhecer o seu desígnio de amor e salvação. Agora tudo foi revelado, e fica evidente o sentido das Escrituras Sagradas no que se refere ao Messias: é dom de Deus para a salvação universal.

O louvor é para “aquele que tem o poder de confirmar” o evangelho de Jesus Cristo anunciado por Paulo e pelas demais testemunhas oculares. A compreensão verdadeira da pessoa e da obra redentora de Jesus Cristo não se dá meramente pelo esforço humano, tanto de quem anuncia como de quem ouve, e sim pela ação do Espírito Santo. O louvor é para Deus, “o único sábio”, que se dispôs a derramar sua sabedoria sobre todos os povos e redimi-los em Jesus Cristo, mediante a “obediência da fé”.

III. Pistas para reflexão

- A tenda de Deus. Por meio do profeta Natã, Deus esclarece a Davi que sua morada predileta é no meio do povo. Não lhe agrada a construção de um templo magnífico. Desde o início da história do povo de Israel, Deus “desceu” para caminhar com ele. Deus é reconhecido não pelas grandes construções feitas em sua homenagem, pois atrás delas podem se esconder intenções políticas de legitimação do domínio de alguns sobre a maioria. Deus é reconhecido pela fidelidade à sua aliança de amor. Davi não pode se esquecer de sua missão de pastor junto ao povo. Da linhagem desse Davi, pastor humilde, nascerá o Messias, não conforme a expectativa oficial, mas a partir do corpo e do lugar social das pessoas simples e abertas ao amor de Deus...

- Maria, a serva de Deus. A anunciação do anjo Gabriel a Maria refere-se ao dom maior de Deus à humanidade: Jesus Cristo, o salvador do mundo. Deus intervém gratuitamente e de modo soberano. Não foi por meio do templo de Jerusalém nem foi com o aval da religião oficial que o Salvador veio ao mundo, e sim por meio do corpo de uma humilde jovem de Nazaré da Galileia. Nela Deus fez a sua tenda. Por ela Deus revela o seu poder e a sua glória. Em seu seio é gerado o Filho de Deus, o Messias, da descendência de Davi, conforme a promessa feita por meio dos profetas. Pela obediência da fé professada por Maria, a palavra divina torna-se eficaz. A vocação da mãe de Deus ilumina a nossa: também a nós, pelo mesmo Espírito Santo, nos é dado conceber a Jesus, de forma que se torne conhecido e amado no mundo. Inspirados pelo exemplo de Maria, pedimos a Deus que nos transforme em seus servos e servas... Qual concepção temos de Deus: é a de Davi, preocupado em homenageá-lo com obras materiais magníficas, ou a de Maria, que acolhe a sua vontade e se faz sua serva?

- Demos glória a Deus! O coração de Deus abriu-se definitivamente para revelar o seu desígnio de salvação por meio de Jesus Cristo. Todos os povos são contemplados. Todos são agraciados. É o extravasamento do amor divino derramado sobre cada um de nós e sobre toda a criação. Como as primeiras comunidades cristãs, glorificamos a Deus pela plenitude de seu amor, que ele nos concedeu em Jesus Cristo... O que significa louvar a Deus por meio da obediência da fé?

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]