Roteiros homiléticos

25 de dezembro – NATAL DO SENHOR

Por Celso Loraschi

A Palavra se faz carne

I. Introdução geral

Ao longo da história da humanidade, Deus foi se revelando de muitos modos. Em tempos de crise, ele manifestou sua presença carinhosa por meio de mensageiros que anunciavam a boa notícia de paz e salvação. A certeza de sua companhia protetora transformava a tristeza em cânticos de alegria e louvor (I leitura). Por sua livre iniciativa, Deus vem ao encontro do ser humano, manifestando seu amor sem limites. A encarnação de Jesus, seu Filho, é o ponto alto da revelação divina. Ele é a imagem visível do Pai e a manifestação plena de sua glória. Por meio dele fomos purificados de todos os nossos pecados (II leitura). Jesus é a Palavra de Deus que se fez carne. Junto com o Pai, ele existe eternamente. Por meio dele, tudo foi criado. Fez sua morada no meio de nós. Ele é a vida; é a luz que brilha nas trevas. Os que são das trevas não o reconhecem. Porém, todos os que o acolhem e acreditam no seu nome recebem o dom de serem filhos e filhas de Deus (evangelho). Mergulhados na graça divina manifestada em Jesus Cristo, com imensa alegria e gratidão, irradiamos sua bondade e misericórdia por meio do amor mútuo e do cuidado com toda a criação.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. I leitura (Is 52,7-10): Felizes os que anunciam a paz

O texto para a primeira leitura faz parte do movimento profético de Segundo Isaías (Is 40-55) em pleno exílio da Babilônia, no século VI a.C. É um texto de esperança, tendo em vista os sinais históricos que apontam para nova realidade. O rei Ciro, da Pérsia, vem surgindo no horizonte com poder e, em pouco tempo (em 338 a.C.), conquista a Babilônia, permitindo a volta dos exilados à sua terra. Essa notícia é motivo de grande alegria. Como na caminhada do êxodo, Deus mesmo está à frente dos exilados que marcham de volta para Jerusalém. É seu rei e seu guia. Os guardas da cidade “juntos cantam de alegria, pois estão vendo o Senhor frente a frente”. Ele vem para libertar e redimir seu povo com a cidade santa, resgatando-a das ruínas. São benditos os pés dos que trazem essa mensagem de paz e salvação.

Os mensageiros daquela época, encarregados de levar as notícias para as diversas regiões, precisavam estar fisicamente bem preparados. Os pés eram os principais instrumentos para a comunicação. São Paulo vai usar essa expressão de Isaías, aplicando-a aos evangelizadores cristãos, para enfatizar a necessidade de anunciar Jesus pelo mundo: “Como poderão acreditar se não ouviram falar dele? E como poderão ouvir se não houver quem os anuncie? Como poderão anunciar se ninguém for enviado? Como diz a Escritura: ‘Como são belos os pés daqueles que anunciam boas notícias’” (Rm 10,14-15).

A boa notícia no texto de Isaías é que, por obra de Deus, Israel será restaurado. Aplicamos essa verdade de fé a Jesus, que fez sua morada no meio de nós. Ele é “Deus-conosco”. Como os guardas de Jerusalém, nós podemos vê-lo “frente a frente” com os olhos da fé. É boa notícia e boa realidade. É motivo de imensa alegria, pois Jesus é Deus que vem restaurar o gênero humano, restabelecer a sua dignidade e nos conceder a graça de participar de sua divindade.

2. Evangelho (Jo 1,1-18): E a Palavra se fez carne

O prólogo do Evangelho de João constitui um hino a Jesus, certamente adotado pela “comunidade do Discípulo Amado” após longo processo de reflexão. Aí estão contidos os fundamentos cristológicos que sustentam a fé e a prática dos cristãos.

A primeira palavra do hino é a mesma usada no livro do Gênesis. A intenção dos autores é apresentar Jesus como aquele que vem inaugurar nova criação. Ele é a Palavra de Deus que se fez carne. Sua existência é eterna, assim como o Pai. Por meio de Jesus, todas as coisas foram criadas. Por ele nos foi concedida a vida. Ele próprio é a vida e a luz da humanidade.

No relato da criação, a primeira palavra-ação de Deus é separar a luz das trevas. “E Deus viu que a luz era boa”. Jesus é a luz verdadeira que brilha nas trevas. É a bondade de Deus por excelência, enviada ao mundo em forma de pessoa humana. João Batista, enviado por Deus, deu testemunho dessa luz. Muitos seguiram João Batista como se fosse o Messias. O Evangelho de João define com clareza: o Batista era apenas a testemunha da luz.

Trevas e luz são termos usados frequentemente no Quarto Evangelho para identificar duas atitudes perante a verdade de Jesus Cristo. Os que são da luz o acolhem e acreditam no seu nome. A estes foi dado “o poder de se tornarem filhos de Deus”. São, portanto, irmãos de Jesus. Como aconteceu com a encarnação de Jesus Cristo, “não foram gerados de uma vontade humana, mas de Deus”. Porém os que são das trevas rejeitam a Jesus, pois não suportam a luz verdadeira.

Jesus é a plenitude da vida. Dele recebemos “graça sobre graça”. A Lei de Moisés já cumpriu sua missão. Agora, a Palavra verdadeira é Jesus Cristo. Ele nos deu a conhecer o Pai. Em sua pessoa, dá-se a plenitude da revelação divina. Ele é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Por ele voltaremos ao seio de Deus Pai.

3. II leitura (Hb 1,1-6): Jesus é a plena revelação de Deus

A introdução da carta aos Hebreus visa esclarecer quem é Jesus na história da revelação de Deus. Tem íntima ligação com o prólogo do Evangelho de João. Certamente o autor se encontra no meio de polêmicas que provocam dúvidas ou hesitação quanto à divindade de Jesus, uma vez que este viveu como um ser humano normal. Com base na tradição de fé revelada na Sagrada Escritura, declara que Jesus é o ponto alto do processo de comunicação de Deus na história humana. Todas as maneiras por meio das quais Deus se manifestou aos antepassados foram sinais preparatórios para a manifestação definitiva que se dá na pessoa de Jesus Cristo.

Para que não haja dúvidas quanto à identidade e à missão de Jesus, as comunidades cristãs devem assumir estas verdades de fé: 1) ele é o Filho de Deus; 2) é o herdeiro de todas as coisas; 3) por meio de Jesus, o mundo foi criado; 4) ele é a irradiação da glória de Deus; 5) por sua palavra, mantém o universo; 6) ele nos purificou dos nossos pecados; 7) está sentado à direita da majestade de Deus; 8) está muito acima dos anjos... Portanto, deve ser adorado.

Diante de tão extraordinária manifestação divina, os cristãos devem tomar consciência de que fazem parte desse privilégio de conhecer e seguir a Jesus. Nele e por ele também nós recebemos a filiação divina; com ele somos herdeiros de todas as coisas; por ele fomos criados à imagem e semelhança de Deus; com Jesus nos tornamos a irradiação da glória de Deus; com toda a criação somos sustentados por sua palavra; por ele fomos purificados de todos os nossos pecados; com ele seremos elevados junto a Deus, onde viveremos eternamente. Portanto, o privilégio de conhecer a Jesus vem acompanhado do compromisso de segui-lo e adorá-lo por uma vida santa.

III. Pistas para reflexão

- Jesus é a Palavra que se fez carne. Nós cremos em Jesus Cristo como Filho de Deus que se fez um de nós: por ele fomos resgatados em nossa dignidade de filhos e filhas de Deus. Ele é a luz do mundo: como seguidores de Jesus, renunciamos às trevas do egoísmo em todas as suas expressões e renovamos o compromisso de permanecer na graça e na verdade. Jesus é a Palavra viva de Deus que transforma o mundo: cultivando a amizade com a pessoa de Jesus e meditando diariamente o seu evangelho, tornamo-nos capazes de agir em favor da vida sem exclusão. Não precisamos temer o poder das trevas, pois de Jesus recebemos “graça sobre graça”.

- Jesus é a plena revelação de Deus. Ele é a expressão do infinito amor de Deus a toda a humanidade. Purificou-nos de todos os pecados e nos libertou de toda opressão. Em Jesus, Deus fez sua morada definitiva no meio de nós. Portanto, o mundo recuperou sua dimensão sagrada. Todas as criaturas são manifestação da presença divina. A decorrência dessa convicção de fé para todos nós é uma vida de santidade em todos os momentos.

- Felizes os pés dos que anunciam a paz e a salvação. Por Jesus nós fomos resgatados do poder das trevas e recebemos a graça da salvação. Em espírito de amor e de gratidão, queremos irradiar a sua glória por meio de nosso modo de viver. Por palavras e por obras queremos anunciar a paz e a fraternidade no mundo. Quem recebeu o privilégio de conhecer a Jesus não pode acomodar-se.

Celso Loraschi

Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa Catarina (Itesc). E-mail: [email protected]