Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág.: 44-46

25º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 18 de setembro

Por Marcus Mareano *

Para um bom uso dos bens

I. INTRODUÇÃO GERAL

O tema da liturgia da Palavra deste domingo é muito atual e necessário para melhor nos situarmos como cristãos em um mundo onde vige um sistema econômico capitalista e neoliberal. Há um apelo cultural para sempre ter mais, e as leituras nos orientam sobre como lidar melhor com os bens materiais.

Amós, no século VIII a.C., denunciava uma prática religiosa desvinculada da justiça social, que não se ocupava dos menos favorecidos. Os líderes deveriam dar exemplo de compromisso com o bem comum e se importar com os empobrecidos. Por eles, Paulo pede orações e orienta a participação comunitária com o objetivo de haver melhor qualidade de vida para todos. Jesus ensina, no Evangelho, como relacionar-se com o dinheiro, ou seja, a fazer bom uso dele em prol dos valores do Reino, e não absolutizá-lo como uma divindade.

Precisamos de dinheiro e dos bens materiais para nossa vida, nesta realidade na qual nos situamos. Deus não quer que passemos por privações ou vivamos em condições precárias de sobrevivência. A miséria de muitos decorre, sobretudo, da má distribuição de renda e da injustiça social.

Segundo um relatório da Oxfam, os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas durante a pandemia, enquanto a renda de 99% da humanidade caiu. Horrivelmente, o luxo de alguns poucos no mundo é mantido à custa de sacrifícios de muitos da sociedade.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Am 8,4-7)

Amós não pertencia à confraria dos profetas profissionais, mas era um pastor de ovelhas em Técua, ao sul de Jerusalém, e cultivava sicômoros (1,1; 7,14). Entretanto, chamado por Deus, exerceu uma atividade profética no Reino do Norte, especificamente em Betel, perto da fronteira de Judá.

O trecho da leitura faz parte de uma série de cinco visões do profeta, com alguns outros oráculos intercalados (7,1-9,10). Amós fala veementemente contra os exploradores dos mais pobres, que fraudam o preço das coisas para obter mais lucros à custa da miséria alheia (v. 5). Eles observavam as festas religiosas (lua nova, sábado etc.), mas eram injustos nas relações humanas.

As palavras proféticas apontam as consequências da riqueza desonesta. Ao invés de benesses, ela atrai outras implicações, das quais Deus não se esquece (v. 7). De nada adianta uma prática religiosa sem a ética na vida. A fé em Deus deve nos levar a agir com justiça, principalmente em favor dos mais desvalidos.

2. II leitura (1Tm 2,1-8)

A segunda leitura apresenta o sustento da Igreja no tesouro da oração. Paulo pede a Timóteo que se façam súplicas e ações de graças por todas as pessoas, sobretudo pelos “reis” e pelas “autoridades”. Eles devem agir da melhor maneira em prol do bem de todos.

Esses destinatários se referem ao imperador romano e aos reis vassalos locais (como os herodianos na Palestina etc.). A oração pelos chefes é prática atestada no Antigo e no Novo Testamento (Esd 6,10; Ne 1,11; Sl 72,1; Jr 29,7; Rm 13,1; 1Pd 2,13). Contudo, aos que hesitavam em seguir esse conselho, Paulo insiste em dizer que isso é agradável a Deus (v. 3). Não significa concordar com o líder do Estado, e sim pedir o bem para ele e para os que dele dependem.

Deus deseja o bem e a salvação para todos, também para os reis, a fim de que eles mesmos, com seus povos, alcancem “o conhecimento da verdade”. Não a verdade dos filósofos, mas aquilo que Deus propõe à humanidade. Portanto, tal conhecimento da verdade (1Tm 4,3; 2Tm 2,25; 3,7; Tt 1,1) não é intelecção de diversos assuntos, mas engajamento da própria vida em prol da salvação (Os 2,22; Jo 8,32; 10,14; 2Ts 2,12).

Desse dom do desígnio de Deus, Jesus Cristo é o único mediador (v. 5; 3,16). Outros mediadores (sábios, líderes religiosos) até podem transmitir algo de Deus, mas o único em quem conhecemos a plenitude do desígnio de Deus é Jesus Cristo, revelado em sua humanidade, em oposição aos mediadores falsos daquele tempo. Ele se entregou por amor e libertou as pessoas do poder do pecado e da morte (tema contínuo das grandes cartas de Paulo – Rm 3,24; 8,36-39; Gl 2,20-21).

Paulo foi estabelecido como anunciador (arauto) e enviado (apóstolo) para dar a conhecer esse desígnio divino (v. 7). Assim sendo, insiste em que os fiéis pratiquem a oração comum, comunitária e universal, “erguendo mãos santas”, não contaminadas por ira ou contendas (Sl 134,2; Ex 17,11-13).

3. Evangelho (Lc 16,1-13)

Jesus ensina os discípulos a respeito do uso dos bens materiais. As coisas são necessárias para a vida humana, mas algumas pessoas podem viver em função da matéria e se esquecer do que é mais importante na existência: a justiça e a caridade.

O ensinamento de Jesus é transmitido por meio de uma parábola (v. 1-8). Um homem havia confiado a um administrador o gerenciamento dos seus bens, mas depois recebeu denúncias de que o funcionário estaria pondo seu patrimônio em risco em decorrência de má administração. Então, o patrão pediu uma prestação de contas, e o administrador resolveu preparar-se quanto antes para não perder aquela função. Por fim, o patrão elogia seu funcionário, que pensou com previdência e reagiu agilmente às ameaças, movimentando os negócios parados. A exaltação do mau administrador não é por causa da injustiça e da fraude praticadas, mas pela prudência e preocupação com a própria vida.

Jesus conclui a parábola, assinalando que os “filhos das trevas” são mais espertos que os “filhos da luz” (v. 8). Aqueles não cruzam os braços nem ficam lamentando o fato de as coisas estarem difíceis, mas usam a inteligência que receberam para solucionar os problemas, mesmo que por caminhos tortos. Para os filhos da luz, não deve ser diferente: precisam usar de astúcia para não serem surpreendidos pelos acontecimentos.

A instrução de Jesus continua sugerindo que o dinheiro seja usado para construir amigos verdadeiros e justos, que possam estar juntos no dia em que o dinheiro já não for necessário, na eternidade. Mesmo que o dinheiro seja um instrumento propício à corrupção, ele pode ajudar a construir a justiça.

Assim, a fidelidade é o que mais importa (v. 10). Quem é fiel nas pequenas coisas será fiel também nas maiores; quem é corrupto nas mínimas coisas, quando chegam as grandes, procede do mesmo modo.

Enfim, o texto se conclui com a recomendação de que o dinheiro não seja tomado como um deus, pois não se pode servir a dois senhores. Ou se serve a Deus, o Senhor, usando o dinheiro de modo honesto, ou se coloca o dinheiro como absoluto e se despreza a Deus (Mt 6,24). Vale mais a pena absolutizar o que de fato permanece: Deus e seu amor por nós.

O Evangelho não é contra o dinheiro em si, mas contra o mau uso dele, a ponto de torná-lo o sentido da vida humana. Jesus ensina a utilizá-lo para prever crises e fazer aliados em prol da caridade.

A felicidade humana se encontra em Deus, e não nos bens materiais, como vemos em muitas propagandas capitalistas. Ela não é conquistada com a posse de coisas, mas intuída e experimentada quando nosso coração vai se libertando das escravidões.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Vivemos tempos difíceis e de inúmeras crises, agravadas pela pandemia e pelas guerras. Parece que o capital se transformou na meta mais importante da maioria das pessoas no mundo. A Palavra de Deus propõe-nos um novo absoluto. Não precisamos morrer por bens, mas viver com eles da melhor maneira e em prol de todos.

A fé cristã exige uma opção pela justiça social e um compromisso com os mais empobrecidos da sociedade. O amor a Deus se expressa no amor ao próximo (1Jo 4,7-21). Por isso, alguns discursos de prosperidade, de felicidade, de cessação do sofrimento etc. se assemelham mais a uma forma injusta de obter lucro das pessoas do que à mensagem do Evangelho. Jesus nos quer com dinheiro, mas livres em relação a ele para melhor amarmos e servirmos a quem precisa.

Finalmente, a orientação de Paulo a Timóteo deve ser aplicada nas nossas celebrações. Somos convidados a pedir a Deus por nossos governantes, para que sejam iluminados pelo desejo do bem comum. Infelizmente, muitos se apossam do poder e dos bens públicos em proveito próprio. Além da oração, cabe-nos aprender mais sobre nossos direitos e deveres e exercer melhor nossa cidadania para o bem de todos.

Marcus Mareano *

*é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]