Roteiros homiléticos

Publicado em maio-junho de 2024 - ano 65 - número 357 - pp.: 45-48

26 de maio – SANTÍSSIMA TRINDADE

Por Ir. Izabel Patuzzo, pime*

Um Deus em três pessoas!

I. INTRODUÇÃO GERAL

Hoje, no primeiro domingo após Pentecostes, celebramos um dos maiores mistérios da nossa fé cristã: a Santíssima Trindade. Essa festa nos convida a refletir sobre o que acreditamos a respeito de Deus, que se revelou a nós na Trindade, como um só Deus em três pessoas. Esta celebração nos lembra de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo atuam no mundo em perfeita comunhão. Eles nunca estão separados, embora cada um deles seja uma pessoa divina distinta. Há uma unidade de essência e relação dentro das três pessoas divinas.

Na primeira leitura, o Senhor Adonai se revela como Deus de relação, que se aproxima de seu povo para estabelecer comunhão. Nas planícies de Moab, ele impele Moisés, agora próximo da morte, a mais uma vez proclamar a Lei recebida por meio da revelação no monte Sinai. Essa proclamação está contida no quinto e último livro do Pentateuco, chamado de Deuteronômio, ou segunda lei. Na segunda leitura, ouvimos São Paulo nos dizer que, por meio do Espírito Santo, o cristão se torna filho de Deus e é destinado à glória eterna. Embora Paulo não esteja preocupado em oferecer nenhum ensinamento sistemático sobre a Santíssima Trindade, apresenta as três pessoas divinas em suas formas e ações concretas: “Guiados pelo Espírito, somos filhos de Deus [...] E somos herdeiros com Cristo”. É o mesmo Espírito que procede tanto do Pai quanto do Filho que nos ajuda a chamar Deus de Abbá, Pai. No texto do Evangelho segundo Mateus, o próprio Cristo nos revela o mistério das três pessoas divinas em seu mandato missionário: “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Portanto, essa é a fórmula trinitária de integrar todos os discípulos no mistério da comunidade trinitária.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Dt 4,32-34.39-40)

O texto proposto nesta leitura é, provavelmente, uma redação do final do exílio babilônico, quando Israel estava mergulhado em outra cultura, hostilizado por ser fiel às suas tradições e à Lei mosaica. A leitura nos apresenta Moisés, diante dos israelitas, fazendo memória histórica da iniciativa amorosa de Deus em favor de seu povo. Deus escolheu se revelar a nós como é: o único Deus verdadeiro.

Ao convidar o povo a contemplar a história desde a criação até o momento presente, o autor sagrado faz uma catequese que tem por finalidade recordar que a relação entre Deus e Israel é maravilhosa, pois Deus tem continuamente se empenhado para estabelecer comunhão com seu povo, agraciando-o com sua presença amorosa.

O autor deuteronomista, ao apresentar a figura de Moisés falando ao povo, deseja apontar caminhos para Israel enfrentar a dura realidade do exílio. Em primeiro lugar, Israel deve responder aos apelos de Deus, reconhecendo-o como o único Deus. A fidelidade a ele é fonte de vida, de salvação, de felicidade e liberdade, independentemente da situação em que estão mergulhados. A constatação da presença amorosa e contínua de Deus em seu meio ajuda o povo a construir a esperança e a não depositar a confiança em um futuro feliz em poderes terrenos e passageiros. Em segundo lugar, Israel deve pôr em prática os Mandamentos, onde quer que esteja, pois esse é o caminho que conduz à vida e à verdadeira felicidade. Esse caminho apontado para a comunidade dos fiéis não é de servidão e submissão, mas de segurança que garante a vida plena, e a história testemunha a favor disso. Portanto, os Mandamentos são diretivas essenciais que devem ser seguidas independentemente das atuais circunstâncias sociopolíticas.

2. II leitura (Rm 8,14-17)

Nessa leitura, da carta de Paulo aos cristãos de Roma, o apóstolo nos oferece uma descrição muito simples e prática da relação do fiel com a Trindade. Uma coisa é conhecer a doutrina de que Deus é Pai, Filho e Espírito, mas ainda podemos nos perguntar: que impacto a fé na Santíssima Trindade tem na minha vida? São Paulo diz que é o Espírito quem nos torna “filhos de Deus”.

A catequese de Paulo, nesse texto, chega a um dos pontos mais altos da compreensão da vida nova que recebemos no batismo. No pensamento paulino, abraçar a fé em Jesus Cristo e ser batizado significa escolher não ser escravo da Lei e do pecado, e mergulhar no que ele chama de “vida segundo o Espírito”. A partir daí, o cristão passa a integrar a família de Deus. Dirigir-se a Deus como Abbá traduz a intimidade filial, que define uma relação pautada pelo amor, pela familiaridade, pela confiança e pela ternura.

A condição de filhos e filhas nos conduz à condição de herdeiros da salvação em Jesus Cristo, pois a herança reservada a todos os que abraçaram a fé cristã, aceitando a proposta divina, é a vida plena. Essa é a herança reservada a quem se dispõe a percorrer o caminho do amor, da doação e da entrega de vida. Aqui vemos a ação da Santíssima Trindade em nós: Deus, nosso Pai, Jesus, que se fez nosso irmão, e o Espírito tornando nossa adoção concreta e real.

3. Evangelho (Mt 28,16-20)

A leitura do Evangelho segundo Mateus proposta para esta liturgia nos apresenta as instruções finais do Ressuscitado aos seus discípulos. Jesus Cristo envia seus discípulos em missão para pregar a Boa Notícia, fazer todos os povos discípulos seus e batizar a todos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Mateus situa o encontro do Ressuscitado com seus discípulos na Galileia. Isto é, no mesmo lugar em que Jesus de Nazaré iniciou sua missão pública. É aí também que os discípulos começam sua nova missão. O evangelista nos faz conhecer também que houve dúvidas entre os discípulos. Aqueles que reconheceram Jesus como o Senhor ressuscitado se prostraram em adoração, porém essa fé se vive também em meio a dúvidas. Mateus não retrata a fé dos discípulos como inabalável, pois, ao longo do caminho, há incertezas próprias do ser humano. Apesar disso, os discípulos põem-se a serviço da missão.

O mistério de Deus que somos chamados a contemplar na solenidade da Santíssima Trindade assemelha-se à atitude dos discípulos de Jesus Cristo retratada por Mateus. Talvez não compreendamos completamente a Santíssima Trindade, mas acreditamos. Tudo o que fazemos como cristãos, fazemos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. O Senhor lembrou aos Onze, e nos lembra, que é no poder da Santíssima Trindade e contando com sua presença que anunciamos o Evangelho e batizamos. Quando há incertezas, Jesus toma a iniciativa de se aproximar, para nos assegurar que o Pai lhe entregou todo o poder no céu e na terra a fim de nos enviar em missão.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

A fé que professamos na Santíssima Trindade deve se fortalecer em tempos de provação e dificuldades: se o batismo em seu nome não elimina nossos medos e incertezas, estas nossas limitações humanas não têm o poder de nos afastar de Deus; pelo contrário, aproximam-nos, porque ele não se afasta de nós. E aqueles que acolheram o convite para tomar parte da comunidade trinitária recebem a missão de continuar o projeto de Jesus Cristo, testemunhando o amor de Deus.

A missão que Jesus designou aos seus discípulos é universal. Portanto, as fronteiras geográficas, a pluralidade de raças e de culturas não podem ser obstáculos para a convivência fraterna, para a comunhão entre os discípulos. A Santíssima Trindade é fonte de inspiração para a comunhão entre as pessoas e todos os povos. E Jesus nos assegura que estará conosco até o fim dos tempos. Esta solenidade nos recorda que as três pessoas divinas não se dividem em suas ações; em vez disso, trabalham e caminham juntas. Têm a mesma missão, que é a salvação do mundo. O Pai enviou o Filho para redimir o mundo. E o Pai e o Filho nos enviaram o Espírito Santo como nosso Consolador e Advogado. Nenhum deles tem domínio absoluto sobre um período ou tempo específico na história da salvação. Isso ocorre porque, apesar de serem três pessoas distintas, têm uma única essência e são eternamente unidas. Do mesmo modo, a vida cristã é um movimento de comunhão, de amor e de abertura ao outro, independentemente das diferenças, porque esse é o movimento da Trindade.

Ir. Izabel Patuzzo, pime*

*pertence à Congregação Missionárias da Imaculada. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção. Doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]