Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág.: 46-48

26º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 25 de setembro

Por Marcus Mareano*

Os ricos e a avareza

I. INTRODUÇÃO GERAL

O tema do bom uso dos bens materiais, apresentado na liturgia dominical passada, continua neste domingo. Desta vez, olhando mais para as riquezas e para o que elas provocam no ser humano.

Nas leituras, continuamos a ouvir o profeta Amós censurando os ricos que aproveitavam a vida sem se preocupar com os mais pobres e com o que o acúmulo causava para a sociedade da época. Na segunda leitura, Paulo se despede de Timóteo, deixando as últimas recomendações: “procura antes a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão” (1Tm 6,11). O Evangelho narra a parábola do rico e de Lázaro, com as consequências, no além, da vida que cada um levou. De fato, quem se consola com as riquezas aqui perde o verdadeiro tesouro que nunca se acaba.

Aqueles que se apegam às riquezas deste mundo endurecem o coração para a ternura de Deus, fazem dos bens um absoluto e resistem à caridade e à partilha. Atualmente, escutamos, nos diferentes noticiários, informações a respeito da concentração recorde de riqueza nas mãos de alguns poucos bilionários durante a pandemia e do empobrecimento sem precedentes de milhões de pessoas no Brasil e no mundo. A mensagem do passado continua importante para nossos dias!

Além de nos questionar sobre nossos bens, a celebração deve se tornar força para manter viva a luta por transformação social e econômica e por melhores condições de vida para quem mais necessita. Enquanto poucos se banqueteiam, muitos passam privações.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Am 6,1a.4-7)

Amós fez ouvir sua voz no Reino do Norte como advertência contra a leviana despreocupação que reinava nessa região no auge da prosperidade. Ele atuava em um período de ingênua confiança na política do rei Jeroboão II (morto por volta de 745 a.C.), que parecia ter conseguido apaziguar os inimigos próximos.

O trecho selecionado para a liturgia se situa em uma coleção de oráculos diversificados contra Israel (3,1-6,14). A leitura se inicia em tom invectivo contra aqueles desatentos com as circunstâncias sociais, sobretudo com as que causavam sofrimento aos mais pobres.

Amós descreve a situação cômoda das elites israelenses: deitados em leitos de marfim, estirados em divãs, saciando-se de cordeiros, bezerros e vinhos, enfim, cantando e festejando, sem se afligir com a ruína de José (Israel). O profeta denuncia o descaso de quem deveria comprometer-se com a justiça social e anuncia a infeliz consequência desse comportamento.

A profecia se conclui com o alerta de que o povo seria deportado e os banquetes luxuosos cessariam (v. 7). Amós pressentiu o perigo que vinha dos assírios. De fato, poucos anos depois, eles invadiram a Samaria, levando a população para outras terras, como o profeta havia advertido. O descaso de alguns acarretou consequências infelizes para toda a população.

2. II leitura (1Tm 6,11-16)

A primeira carta a Timóteo vai se concluindo, e Paulo dá os últimos conselhos ao seu discípulo, considerado como um filho legítimo na fé (1,1).

O apóstolo adverte-o contra alguns perigos e sugere que mantenha a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a constância e a mansidão, como recomendado em Gl 5,22-23. Paulo evoca a conhecida imagem da luta na arena para ilustrar o empenho que Timóteo deveria ter pela eternidade (Fl 1,30; Cl 2,1; 1Ts 2,2; 2Tm 4,7; Hb 12,1), pois ele já fez bela profissão de fé diante de muitas testemunhas.

Entretanto, a principal testemunha é o próprio Deus (v. 13). Paulo exorta Timóteo a observar, cuidadosa e irrepreensivelmente, o “mandamento” (os Mandamentos da Bíblia resumidos no mandamento do amor a Deus e ao próximo) até a nova “manifestação” de Cristo, ou seja, sua segunda vinda (2Tm 1,10; Tt 2,11).

A passagem termina com um louvor a Cristo por ocasião da parusia. Paulo dirige-lhe atributos divinos por vezes outorgados ao imperador romano. Jesus é “o bem-aventurado e único soberano” (2Mc 12,15); “o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Sl 136,3; Ap 17,14); “o único que possui a imortalidade e que habita numa luz inacessível” (Sl 104,2); e “que ninguém viu nem pode ver” (Ex 33,20; Jo 1,18). A Jesus se aplica também a tradicional doxologia que o israelita dirige a Deus: “A ele, honra e poder eterno. Amém”.

3. Evangelho (Lc 16,19-31)

Continuamos a acompanhar os ensinamentos de Jesus sobre o uso dos bens materiais. Neste domingo, lemos a parábola do rico (anônimo) e do pobre Lázaro. Um contraste de duas realidades, com as respectivas relações com Deus e com as riquezas. Jesus desmascara as discrepâncias sociais diante de seus ouvintes daquele tempo e de agora também.

O texto se inicia com a descrição dos personagens: um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e dava festas requintadas constantemente, e um pobre mendigo ferido, que ficava à porta do rico (v. 19-20). O pobre se chamava Lázaro – que significa “Deus ajuda” – e desejava saciar sua fome com as sobras dos banquetes do rico.

Os dois morrem. Lázaro é acolhido pelos anjos e levado para junto de Abraão, pai da fé do povo de Israel (Gn 15,15; 47,30; Dt 31,16; Jz 2,10). O rico, na mansão dos mortos (Hades), experimenta os tormentos e percebe o abismo entre si e o pai Abraão, que tem Lázaro ao seu lado. A distância, em vida, entre os dois se torna permanente no além. Já não há possibilidade de mudar os destinos.

A situação terrena se inverte na eternidade. O rico clama por ajuda a Abraão e a Lázaro por causa dos suplícios que passava (v. 24). A resposta do patriarca surpreende e decepciona o rico. Durante a vida, este desfrutou dos bens e gozou de tudo, sem se importar com os mais necessitados, como Lázaro, que lhe pedia comida. Agora, ele se atormenta com seu distanciamento de Deus e das pessoas, enquanto Lázaro se consola com sua confiança em Deus. Há um abismo intransponível entre as duas realidades, uma separação entre misericórdia e ganância. Cada qual permaneceu com o que escolheu como apoio para a própria vida: os bens materiais, no caso do rico, que, por isso, perdeu tudo; a esperança em Deus, no caso de Lázaro, a qual permanece para sempre.

O rico insiste em mais um pedido. Já sabe que sua sorte está decretada, mas os de sua casa, os irmãos, podem ter um destino diferente. Portanto, suplica a Abraão que envie Lázaro aos cinco irmãos, que se comportam com apego, como ele se comportava. Pede que Lázaro os advirta daquela situação, a fim de que eles deem outra orientação à própria vida.

Pai Abraão responde como um judeu fiel responderia. Recomenda que eles perscrutem as Escrituras. Os irmãos têm Moisés e os Profetas para ajudá-los a compreender o modo de viver com os bens e de se relacionarem com os menos favorecidos da sociedade.

O rico insiste uma última vez, pedindo que alguém ressuscite dentre os mortos para avisá-los. Contudo, nem mesmo que alguém voltasse da morte à vida, para anunciar uma mensagem de desapego das coisas materiais e de maior confiança em Deus, eles acreditariam no que seria dito. A compreensão deles está fixada nas riquezas, sem possibilidade de se abrir para a caridade. Os irmãos devem conhecer melhor a Palavra de Deus e buscar viver o que leem.

Quem não procede com compaixão não encontrará misericórdia da parte de Deus (Mt 25,31-46; Tg 2,13). As ações do rico fazem dele uma pessoa apenas de aparências e profundamente sem identidade nem nome. O pobre tem um motivo para viver; apesar das angústias causadas pela precariedade material, ele possui a convicção de que Deus ajuda e, por isso, chama-se Lázaro. Deus conhece intimamente cada pessoa e plenifica cada escolha para a eternidade.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Vivemos tempos terríveis de aguda desigualdade social e indiferença com os descartados da sociedade. Alguns pensadores cunharam a palavra “aporofobia” para designar a rejeição aos pobres, que vários setores da sociedade desenvolvem. A mensagem do Evangelho de Jesus nos convoca para o inverso dessa postura comum atualmente.

O seguimento de Jesus nos insere na realidade do mundo e nos torna sensíveis a quem se aproxima de nós. Não basta só assistir a noticiários ou saber a respeito dos pobres; precisamos nos envolver com quem precisa de nós e abandonar a cultura da indiferença. As leituras de Amós e do Evangelho denunciam o desdém dos que possuem mais e mostram o fim deles.

De modo contrário, os que põem a confiança em Deus, a exemplo de Paulo e Lázaro, experimentam um êxito diferente. Eles sabem “combater o bom combate” e esperar o galardão imaterial dado por Deus. Quem partilha de si e das próprias coisas experimenta uma riqueza melhor, que não se acaba.

Encerrando este mês da Bíblia, constatamos que a leitura das Escrituras deve nos ajudar a viver melhor uns com os outros e com os bens deste mundo. O modo de vida proposto é a caridade, considerada a plenitude da Lei (Rm 13,10).

Marcus Mareano*

*é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]