Roteiros homiléticos

Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág.: 57-59

29º DOMINGO DO TEMPO COMUM – 16 de outubro

Por Marcus Mareano*

Perseverar na oração

I. INTRODUÇÃO GERAL

Se, no domingo anterior, ouvíamos a respeito da gratidão, neste domingo escutamos as Escrituras falarem da insistência na oração. Não se pode desanimar diante dos desafios da vida. Encontramos na oração força para perseverar nos propósitos e superar os obstáculos que se nos apresentam. A oração não é uma mágica para resolver tudo, mas nos transforma e nos capacita para agirmos melhor diante das mais difíceis realidades.

A primeira leitura mostra Moisés, com os israelitas, em uma batalha contra os amalecitas. O que faz o povo vitorioso não é a estratégia de combate de Josué, mas sim os braços levantados de Moisés, em súplica incessante a Deus. A segunda leitura orienta sobre as exigências do serviço da Palavra de Deus. O Evangelho apresenta a parábola do juiz e da viúva. Jesus ensina sobre a necessidade de orar sempre, sem nunca desistir (Lc 18,1).

Estamos constantemente passando por provas. Orar é atividade que nos torna vigilantes, pacíficos e esperançosos na vida. Os textos deste domingo nos instigam a manter a oração insistente a fim de confiarmos continuamente na ação de Deus (1Ts 5,17).

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. I leitura (Ex 17,8-13)

O livro do Êxodo narra a libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. Nessa travessia, aquelas pessoas se constituem como o povo de Deus com base nessa experiência de fé e na Aliança com o Senhor. O episódio da batalha dos israelitas contra os amalecitas demonstra a predileção de Deus por seu povo e a força da oração de Moisés.

Amalec veio combater contra os israelitas em Rafidim. Moisés instruiu Josué a selecionar alguns homens para a luta, ao passo que ele próprio, em vez de ir também para lutar, subiu a colina, para permanecer na presença de Deus. Assim, enquanto Moisés estava com as mãos levantadas, em sinal de oração, Israel vencia. Quando ele baixava as mãos, por cansaço, Amalec é que vencia. Aarão e Hur, então, passaram a sustentar os braços de Moisés, para que ficassem firmes até o pôr do sol. Foi desse modo que essa batalha foi vencida.

Se Deus já livrara Israel da fome e da sede (Ex 16,32-36; 17,1-7), agora o livra também dos inimigos estrangeiros, descendentes de Esaú (Gn 36,12.16). A saída daquela gente da escravidão do Egito para a liberdade da Terra Prometida não é apenas esforço humano, mas ação divina na história do povo. Israel percebe a providência divina presente nas pelejas da vida e reconhece o valor da fé contínua em Deus, sustentada por meio da oração.

Os israelenses podem olhar esses inúmeros acontecimentos e constatar a presença e a ação de Deus nesse processo de libertação. Ele não ficou de braços cruzados diante do sofrimento do seu povo, mas veio ao seu encontro, conduziu-o, deu-lhe forças e permitiu-lhe ser senhor do seu destino. Portanto, Deus é o libertador com quem o povo pode contar em todo tempo.

2. II leitura (2Tm 3,14-4,2)

Na segunda leitura, Timóteo é exortado por Paulo a permanecer naquilo que aprendeu na juventude e aceitou com fé. Sem mencionar nomes, o apóstolo refere-se a quem instruiu o destinatário de sua carta: a avó Loide, a mãe Eunice e ele próprio (1,5).

Essa instrução se deu no contexto do judaísmo tradicional da família de Timóteo. Assim como Paulo, ele também conhece desde a infância as Escrituras. Elas podem comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo (3,15).

Assim, compreendemos a pedagogia da fé a respeito da tradição escriturística de Israel, pois “toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça” (3,16). O piedoso, a pessoa confiante em Deus, estará capacitado e bem preparado para toda boa obra. Quem se debruça sobre as Escrituras aprende como agir e pratica o bem conforme o que medita.

Em seguida, invocando Deus e Jesus Cristo, Paulo reforça a fórmula que dá autoridade ao seu ensinamento. Então, pede a Timóteo: “Proclama a Palavra, insiste oportuna e inoportunamente, convence, repreende, exorta, com toda longanimidade e ensinamento” (4,2).

A Escritura não é mero livro para aprender novos conteúdos. Ela suscita a fé e provoca novo modo de ser. Por isso, todo ouvinte da Palavra de Deus se torna também um proclamador insistente do que experimenta de Deus.

3. Evangelho (Lc 18,1-8)

A parábola de Lc 18,1-8 trata da oração como tal, falando da necessidade de orar sempre, sem esmorecer (v. 1). Para isso, traz como personagens um juiz impiedoso e uma viúva importunadora, tendo em vista ensinar que Deus responderá à oração perseverante dos discípulos.

Jesus diz que havia em uma cidade um juiz que não temia a Deus nem se importava com as pessoas. Nessa mesma cidade, vivia uma viúva, que fora lesada por um explorador e vinha a esse juiz pedir-lhe que fizesse justiça. As viúvas tinham pouco ou nenhum amparo legal.

Como era seu costume, o juiz não queria atendê-la. Entretanto, a viúva foi insistente, até que ele pensou consigo mesmo: “Embora eu não tema a justiça de Deus nem respeite os direitos das pessoas, como essa viúva está me dando dor de cabeça e não larga a minha casa, vou fazer-lhe justiça. Senão ela é capaz de algum dia me agredir!” (v. 4-5).

Com base nessa parábola, Jesus indaga seus ouvintes, mostrando que, se o juiz malvado foi capaz de fazer justiça para a viúva por conta da insistência dela, muito mais Deus fará por quem clama por ele na oração (Eclo 35,17-19). Deus age no seu tempo e conforme seus desígnios misteriosos; cabem-nos a perseverança e a docilidade para vivermos de acordo com sua lógica, diferente da nossa.

Por fim, Jesus afirma que Deus fará justiça brevemente. E apresenta ainda uma questão retórica: “O Filho do Homem, quando vier, encontrará fé sobre a terra?” (v. 8). Essa pergunta reflete o contexto das primeiras comunidades, no qual algumas pessoas desistiam da fé pela demora da parusia (segunda vinda de Jesus). O convite da parábola é ao ânimo e à perseverança na fé e na oração.

Ao contrário do que parece, Deus não abandonou o mundo e as pessoas. Ele não é insensível ao nosso apelo. Contudo, tem seu projeto, seu plano e seu tempo próprio para agir conosco e por meio de nós no mundo. Aos que creem nele, resta moderar sua impaciência e confiar que ele não deixará de intervir para os libertar.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Por que Deus permite que tantos milhões de seres humanos sobrevivam em condições tão degradantes? Por que há maus e injustos que promovem arbitrariedades sem escrúpulos, prejudicando inúmeras pessoas? Como é que Deus não intervém quando algumas doenças ameaçam dizimar a humanidade? Onde está ele quando as ditaduras ou os totalitarismos maltratam povos inteiros? Deus não intervém porque não quer saber das pessoas e é insensível àquilo que lhes acontece?

A oração não é apenas para alcançarmos algumas graças, mas também para lidarmos com os silêncios de Deus. Nem sempre temos respostas para os acontecimentos. Nossas explicações são limitadas, e nossa compreensão do mistério é finita. A mensagem das leituras estimula a confiança em Deus, pois ele não está surdo aos clamores da humanidade. Nossa liturgia é um grito a Deus por justiça e um incentivo para agirmos com esperança no Senhor.

Orar é colocar-se de braços abertos para acolher os dons de Deus. Muitas vezes, não captamos as delicadezas infinitas do seu amor. Ele está sempre a se oferecer a nós. A oração é meio pelo qual encontramos o amor divino. Quem ama de verdade não corta a relação à primeira incompreensão ou à primeira ausência. Pelo contrário, a espera e a ausência provam o amor e intensificam a relação.

Enfim, a pergunta de Jesus no final do Evangelho nos intriga. A fé, enquanto adesão e entrega confiante a Deus, deve ser cultivada e transmitida. Já estivemos demasiado preocupados em converter as outras pessoas e menos preocupados em nos convertermos. É tempo de passar de um estático “ser cristãos” para o dinâmico “tornar-se cristãos”. A fé se mantém viva quando dá sentido ao ser humano e não é só um conjunto de enunciados.

Marcus Mareano*

*é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]