Roteiros homiléticos

Publicado em março-abril de 2024 - ano 65 - número 356 - pp.: 48-50

30 de março – Vigília Pascal – Sábado Santo

Por Maicon André Malacarne*

O túmulo está vazio: Jesus ressuscitou!

I. Introdução geral

“E assim saímos para ver de novo as estrelas” é o verso que separa o último canto do Inferno (XXXIV, 139) para o começo do Purgatório, segundo a Divina comédia de Dante Alighieri. A viagem de Dante, com a companhia do poeta Virgílio, atravessou o território do inferno e da ausência da luz. De fato, já na entrada, o convite era: “Deixai toda esperança, vós que entrais” (III, 9). A ausência da luz é a ausência da esperança! A estrada para o paraíso, terceiro livro, deveria ainda enfrentar o Purgatório, onde é possível, aos poucos, escolher e contemplar o céu, não obstante a montanha para escalar.

O Sábado Santo é essa montanha! Não estamos nem de um lado, nem de outro. No silêncio e na escuridão da morte, pomo-nos a caminho, na escalada da fé, com a confiança em que Deus é o Senhor da história. O cenário dantesco nos ajuda a compor a gramática que prepara a celebração da Vigília Pascal – mãe de todas as celebrações –, na qual a luz já é realidade e brilha luminosa, ofuscando a ameaça das trevas da morte.

A Vigília Pascal é formada por um conjunto de leituras, salmos e cânticos (além dos símbolos do fogo, da luz e da água) que compõem a grande sinfonia da presença de Deus na história da salvação: na criação, na constituição de um povo, na libertação do faraó, no anúncio, denúncia e testemunho dos profetas. Em Jesus Cristo, Deus viveu em tudo a condição humana, assumiu todas as contradições e foi condenado à morte de cruz. A ressurreição é vitória de Deus sobre a morte, vitória da luz sobre a escuridão, como confirma a carta de Paulo aos Romanos: “a morte já não tem poder”.

II. Comentário dos textos bíblicos

1. Leituras do Antigo Testamento (Gn 1,1-2,2 • Gn 22,1-18 • Ex 14,15-15,1 • Is 54,5-14 • Is 55,1-11 • Br 3,9-15.32-4,4 • Ez 36,16-17a.18-28)

As leituras do Antigo Testamento começam com a primeira página da Bíblia (Gn 1,1-2,2), o cenário da criação, da tradição sacerdotal. Os seis dias da “ação de Deus” encontram a plenitude cósmica no sétimo dia, o sábado, dia maior da plenitude do tempo. O ser humano, criado ao sexto dia, sinal da incompletude, é chamado a caminhar na direção do sétimo para viver sua vocação de comunhão e de eternidade.

A fé de Abraão, capaz de pôr-se a caminho do sacrifício do filho único, Isaac, em obediência total a Deus (Gn 22,1-18), é a antecipação da vida doada de Jesus na cruz. O sacrifício é de si mesmo, como dom para a vida do mundo. Também na libertação do povo de Israel das mãos do faraó do Egito (Ex 14,15-15,1), na passagem do mar Vermelho, estava a marca da presença do Deus libertador, que conduz seu povo a uma vida nova.

É verdade que nem sempre o povo de Israel foi fiel. Inúmeras passagens do Antigo Testamento apresentam as reclamações, as revoltas e a preferência dos ídolos a Javé. Uma das maiores crises da história desse povo foi no exílio na Babilônia (Is 54,5-14). Distante da terra, da cultura, com as famílias dispersas, vivendo como escrava, a comunidade foi desafiada a retornar a Javé por meio da memória das maravilhas que Ele havia realizado. Javé Deus continuou acompanhando o povo e convidando-o a regressar ao seu coração (Is 55,1-11). Mesmo com todas as infidelidades, nunca deixou de amar, corrigir e atrair “de volta” todos a si.

O profeta Baruc (3,9-15.32-4,4) sugere o discernimento das atitudes por parte do povo de Israel. Dar-se conta das escolhas, tomar consciência dos caminhos feitos, é fundamental para a conversão e a vida nova com Javé, “a fonte de toda sabedoria”. Mesmo com a ajuda dos profetas, o povo continuou de coração endurecido. Quando tudo parecia perdido, Deus anunciou pelo profeta Ezequiel (36,16-17a.18-28) uma nova aliança, marcada pelo selo de um coração novo, já não de pedra, mas de carne: “Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus”. Não porque o povo teve méritos, mas porque Deus é bom e ama para sempre!

2. Carta (Rm 6,3-11)

A Nova Aliança encontra sua plenitude na paixão, morte e ressurreição de Jesus. São Paulo, nesta carta, faz uma aproximação entre a Páscoa de Jesus e o batismo cristão. É pela água do batismo que o ser humano deixa para trás o “homem velho” (v. 6) para assumir uma vida ressuscitada: “Se, pois, morremos com Cristo, cremos também que viveremos com ele” (v. 8).

A Vigília Pascal, com a bênção da água, de fato põe em paralelo a celebração da Páscoa de Jesus e a celebração do batismo. O batismo é o convite à vida nova em Jesus Cristo vivo e ressuscitado, vencedor do sepulcro e da morte.

3. Evangelho (Mc 16,1-7)

“Ele ressuscitou, não está aqui” (v. 6) é o ponto alto do Evangelho proclamado nesta noite. Trata-se da resposta do anjo a um grupo de mulheres – Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé (v. 1), que tinham comprado perfumes para ungir o corpo morto de Jesus, mas, chegando lá, ao nascer do dia, perceberam que a pedra do túmulo estava aberta (v. 4). Ao entrarem, viram um jovem que anunciou a grande alegria.

O anúncio da ressurreição vem acompanhado de dois elementos fundamentais, que se tornam pedra angular para todo seguimento de Jesus: “Agora vocês devem ir” (v. 7). As mulheres devem anunciar aos discípulos a ressurreição de Jesus. Trata-se do fundamento missionário da ressurreição – é a boa notícia que não deve ser vivida para si, mas partilhada e comunicada ao mundo. Um detalhe não pode passar despercebido: são as mulheres, consideradas últimas, as primeiras a receber a notícia e as primeiras missionárias do Ressuscitado. O segundo elemento é o lugar, “a Galileia” (v. 7), onde “ele irá a vossa frente”. Na Galileia a missão de Jesus havia começado. Retornar à Galileia é retornar aos lugares onde é preciso reconhecer Jesus vivo e ressuscitado, também na transformação das estruturas de injustiça e de morte. Na direção da Galileia está a certeza de que há um futuro novo pela frente, o passado não está terminado. Hoje, outras “Galileias” nos esperam!

III. Pistas para reflexão

A Vigília Pascal anuncia o sétimo dia, o “novo dia”, o “domingo eterno” para o qual tudo está voltado e no qual tudo encontra sentido! No terceiro livro, o Paraíso, Dante entendeu que a origem e o destino de tudo era o amor. De fato, a Divina comédia se conclui, anunciando: “o amor que move o sol e todas as estrelas” (XXXIII, 145). A vitória da luz é a vitória de toda criação, é a vida nova que começa hoje! A cada domingo, Páscoa semanal, os cristãos são convidados a recordar o amor imenso de Deus e assumir uma vida ressuscitada!

Pe. Ermes Ronchi, da Ordem dos Servos de Maria, ajuda a compor a novidade da celebração da Vigília Pascal:

na vida está oculto um segredo que Cristo veio sussurrar-nos amorosamente ao ouvido. O segredo é este: há um movimento de amor dentro da vida que não permite que ela fique parada, que a remete em movimento após cada morte, que a relança depois de cada xeque, que, para cada ser humano que mata, há centenas que cuidam das feridas, e mil cerejeiras que continuam obstinadamente a florir. Um movimento de amor que nunca tem fim, que nenhuma violência poderá alguma vez deter, um fluxo vital dentro do qual está cada coisa que vive, e que revela o nome último de Deus: Ressurreição (homilia de 2/4/2002, disponível em avvenire.com, tradução nossa).

Maicon André Malacarne*

*é presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: [email protected]